Entrevista/ “Recebemos um cliente e, no final, dizemos até já a um amigo!”

Helena Ferreira, CEO do Hotel do Sado

Helena Ferreira, uma das primeiras mulheres a gerir um hotel em Portugal, deixou para trás uma carreira como auditora/consultora e prosseguiu um sonho do seu pai.

Começou a trabalhar aos 21 anos na Delloite, como auditora/consultora. Hoje, está à frente do Hotel do Sado Business & Nature que acaba de assinalar o seu 15º aniversário e que foi distinguido com o prémio “Luxury Modern Hotel of the Year”, na edição 2016 do Luxury Travel Guide.

Helena aponta como razões para o sucesso do hotel que gere, o facto de se manterem como unidade hoteleira familiar e independente e de terem optado por investir fortemente na sua remodelação em plena crise. O segmento “business” é uma das apostas deste hotel, que já foi casa senhorial.

O que a levou a apostar no património da família e a assumir o comando do Hotel do Sado?
Foi um sonho de família. Mais precisamente um sonho do meu pai, que quis abraçar e tornar meu. Na altura, estava na Administração de uma seguradora e alguns problemas familiares chamaram-me a atenção de que aquele era o momento decisivo. Se queria abraçar o sonho do meu pai e ajudar a concretizá-lo, era o momento. Basicamente, percebi que faria muito mais sentido contribuir para a consolidação do património da família. O espaço onde hoje estamos, era uma antiga casa senhorial que pertencia à nossa família e que transformámos no Hotel do Sado. Abracei a causa com a convicção com que abraço todos os projetos em que acredito que posso marcar a diferença e hoje não me arrependo nada da opção que tomei – sou uma apaixonada por este negócio!

Estão a comemorar 15 anos. Qual o momento mais desafiante e o mais gratificante que recorda nestes anos?
Posso destacar dois desafios gratificantes:

  • Mantermo-nos como unidade hoteleira familiar e independente (não estamos associados a nenhuma cadeia) e conseguirmos bons resultados, que resultam da diferença que marcamos no ambiente que criamos e na forma como sabemos receber. Temos colaboradores com a atitude correta e com uma cultura de serviço muito forte – mantemo-nos unidos, alinhados e no mesmo rumo.
  • Em plena crise, optámos por investir fortemente na remodelação do Hotel e modernizámos a unidade – esta foi também uma das razões do nosso sucesso nestes últimos anos. Sempre com um foco grande no relacionamento com cada colaborador e na criação de cultura de empresa!

Quais os eventos mais relevantes ao longo dos 15 anos?
Em primeiro lugar, a abertura da unidade hoteleira em Setúbal, em 2001, foi um verdadeiro desafio, uma vez que  ali o turismo estava a dar os seus primeiros passos e a oferta hoteleira era insípida e pouco qualificada. Por outro lado, o facto de estarmos no mercado e com uma posição consolidada, sendo a unidade hoteleira de referência na cidade de Setúbal, o que é a concretização de um sonho e de sentimento de missão cumprida que nos obriga a reconstruir diariamente este projeto, para garantir o cumprimento e a superação das expetativas junto dos nossos parceiros, clientes e amigos.

Objetivamente, na concretização da nossa entrega ao cliente, focados permanentemente na sua máxima satisfação, temos superado desafios interessantes, como:

  • sermos informados do número final de participantes para uma refeição e, meia-hora antes do serviço, o cliente informar que são mais 50 participantes do que o inicialmente previsto. Imediatamente a mobilização da equipa é no sentido de conseguir satisfazer este pedido, com a certeza de que o vamos realizar;
  • os clientes mudarem os horários e os locais dos serviços, previamente definidos, em cima da hora, obrigando a uma fantástica flexibilidade de todos os elementos que colaboram ativamente para que tudo seja concretizado de acordo com o novo desejo;
  • termos um incêndio devastador nas imediações do hotel (aconteceu este verão) que colocou em risco clientes, colaboradores e instalações e, ao fim de 8 horas, estarmos em condições de assegurar e receber os nossos clientes, de acordo com os compromissos que estavam agendados.

O que trouxe o seu percurso profissional prévio à hotelaria para este desafio, uma vez que passou pela consultoria, distribuição, seguros, investimento e marketing?
O facto de ter estado em muitos negócios diferentes permitiu-me não só uma grande polivalência, como também tirar um denominador comum das melhores práticas de gestão. E por não ter formação em hotelaria, tenho uma grande abertura para trazer para este negócio alguns procedimentos comuns noutras áreas de negócio e pouco usados nesta área, o que, sem dúvida, nos tornou inovadores e com capacidade de pensar fora da caixa. Trouxe ainda do meu percurso a aposta na cultura empresarial e nos valores de honestidade, justiça, entreajuda e de preocupação com os outros (sejam eles colegas, clientes, parceiros ou comunidade), e que passamos consistentemente à nossa equipa, permitindo-nos uma estrutura dedicada e polivalente e com uma atitude positiva e proativa – que se reflete na empresa e na comunidade.

Acredito profundamente que é importante construir padrões de comportamento que se manifestem na organização e na comunidade. As empresas são uma ferramenta importantíssima de educação da comunidade onde se inserem e cabe-nos a nós, como líderes de empresas, assegurar e contribuir para que cada colaborador que trabalha connosco se torne numa pessoa melhor e mais envolvida com os outros e com a comunidade onde se insere.

Foi o primeiro hotel allergy-friendly em Portugal, na área das alergias alimentares e não-alimentares. Este investimento gerou impacto a nível da procura? Como gerem estes clientes especiais em termos de gestão do hotel?
Este foi um investimento a longo prazo, por acreditarmos que é um mercado que, a cada ano, tem uma expressão maior e foi também um dos nossos fatores de diferenciação – gostamos de ser os primeiros! E, muito importante, foi um investimento que está na base da essência do Hotel do Sado: fazer sempre o melhor pelos clientes. Por todos. E este foi mais um passo nesse sentido.

Em termos de procura, tivemos resultados imediatos, com o estabelecimento de parcerias com associações e com a organização de eventos de associações com necessidades especiais, ao nível das alergias. Temos também muitos clientes que nos procuram por saberem que o nosso restaurante conhece e respeita as regras específicas para este mercado.

O Hotel do Sado foi distinguido na categoria “Luxury Modern Hotel of the Year”, na edição 2016 do guia de luxo inglês Luxury Travel Guide. O que significou para si este prémio?
Foi um grande orgulho receber o prémio. Acredito que distingue o nosso trabalho, ao nível da qualidade do serviço, da paixão com que recebemos os nossos clientes e amigos e das melhorias que foram realizadas neste período de 2011 a 2016. Também não será alheio o facto de sermos o primeiro Hotel Allergy Friendly, o que nos distingue de forma inovadora.

Como se diferenciam de outras unidades hoteleiras no mesmo segmento de mercado?
Em primeiro lugar, distingue-nos a nossa localização e a vista fabulosa para uma das regiões mais bonitas do país: estamos rodeados pela Serra da Arrábida (um património inestimável), baía de Setúbal (considerada uma das mais belas baías do mundo) e Tróia. E a arquitetura do espaço foi pensada precisamente para aproveitar ao máximo esta beleza que nos rodeia: o nosso Restaurante Panorâmico fica no 8º piso e tem uma vista 360 graus (difícil é escolher onde sentar), e o nosso Blue Terrace é um amplo espaço com uma vista privilegiada para a paisagem – rio e serra – que nos circunda. A isto, junta-se o ambiente que proporcionamos, que começa na decoração e espaços do Hotel, já que os nossos espaços têm uma decoração muito pouco convencional num Hotel e as dimensões dos nossos quartos são pouco comuns: entre os 25 e os 35m2.

Outro fator diferenciador é a forma como recebemos: recebemos um cliente e, no final, dizemos até já a um amigo! E gostamos de proporcionar experiências associados à estadia, oferecendo ao cliente as experiências que mais se adequam ao seu perfil. Costumo dizer que somos um turismo de habitação de grande dimensão. Por último, destaco ainda a nossa excelência na organização de eventos: estamos capacitados para receber até 300 pessoas e temos todos os serviços para assegurar a melhor experiência possível, desde wireless gratuito a meios audiovisuais, coffee breaks, almoços e jantares de trabalho, propostas de animação diversificada e uma grande oferta de Team Buildings – com atividades desenvolvidas em parceria com os mais privilegiados parceiros locais e nacionais. Neste momento, contamos com mais de 500 eventos por ano – e este segmento Business continuará a ser uma grande aposta nossa.

Com o crescimento das start-ups tecnológicas associadas ao setor do turismo, como integram esta nova forma de captar e reter o cliente, bem como de trazer novos serviços quer para o turista, quer de apoio à própria unidade de gestão?
Estamos obviamente associados às plataformas tradicionais neste setor e temos algumas parcerias inovadoras nesta área, como sejam o acompanhamento do cliente no seu telemóvel, através de uma app, desde o momento que faz a reserva até ao final da sua estadia (numa parceria com a B-Guest), e estamos a trabalhar outras novidades que, em breve, divulgaremos.

O que falta hoje no setor da hotelaria em Portugal?
Adequar os preços ao nível de serviço que temos em Portugal. Portugal é dos países da Europa com melhor qualidade na oferta hoteleira e nos serviços prestados. É um destino muito procurado por variadíssimos motivos – geografia, diversidade, clima, hospitalidade, segurança. Apesar disso, é dos países com preços de alojamento mais baixos na Europa. Acredito que é possível melhorar ainda mais a qualidade da oferta.

Falta a visão para se compreender que uma unidade hoteleira não faz o destino turístico, sendo este o conjunto de todos os agentes que atuam no mercado, focados na sua construção, consolidação e qualificação. Neste sentido, a falta de espírito de competição – situação em que, simultaneamente, as empresas cooperam e competem, com o objetivo de criarem e capturarem valor para os seus clientes – dificulta que objetivos comuns possam ser atingidos mais facilmente e com menor esforço para todos.

Respostas rápidas:
O maior risco:  Investimento grande numa fase de retração do mercado.
O maior erro:  Acreditar que se consegue adaptar as funções às pessoas e não as pessoas às funções.
A melhor ideia:  O meu desafio são as ideias em demasia… Mas elejo a reciclagem de materiais que existiam no Hotel (anteriormente uma casa senhorial), usados na remodelação, o que a tornou original.
A maior lição:  O reconhecimento é a melhor forma de motivação.
A maior conquista: A minha equipa alinhada e dedicada, a quem eu agradeço tudo o que temos conseguido alcançar nestes 15 anos.

 

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