Opinião

O legado da marca não tem de ser uma prisão

Alexandra Gomes da Silva, administradora da Couto, S.A.

Quando se entra para uma marca como a Couto, é impossível não sentir a responsabilidade de (na altura) quase 100 anos de história. É uma marca com a qual os portugueses cresceram, viram os pais, avós e bisavós usar e há uma expectativa que se cria com esta familiaridade. Quando nos sentámos a pensar para onde poderia a marca ir a seguir, era impossível esquecer isto.

Estamos a falar de uma marca que, à época em que eu e a Dra. Cláudia entrámos, era conhecida por três produtos: o Restaurador e o Petróleo Olex e aquela que era a sua grande bandeira, a Pasta Dentífrica Couto, pela qual os portugueses sentem um grande carinho e cuja receita permanecia inalterada desde o lançamento, em 1932. Era, além disso, uma empresa familiar, sendo o então administrador (e meu marido) o Sr. Alberto Gomes da Silva, sobrinho do fundador da marca.

O primeiro passo foi perceber o que não podia ser mudado. Quais os grandes pilares da marca: a tradição, a imagem e a qualidade. E, juntamente com a nossa Diretora Técnica, Cláudia França, partimos daí para uma fase de inovação.

Em 2017, um ano antes de a marca completar 100 anos, começámos com um rebranding, em que não se perdesse a imagem tradicional, mas que deixasse claro que a Couto queria ser mais do que a pasta dentífrica. Tanto adicionámos novos elementos à nossa estética — os azulejos típicos da cidade do Porto, que nos ligam à nossa região — como recuperámos os mais icónicos cartazes publicitários da marca.

O que leva as pessoas a comprar a Pasta Dentífrica Couto ainda hoje, quando há outras marcas maiores, com preços mais baixos e com muito mais publicidade? A qualidade e a ligação emocional, que se manteve constante ao longo dos anos, e isso não queríamos perder.

Depois, avançámos para o portfólio com a ambição de criar novos produtos, dentro dos cuidados pessoais, tendo como barómetro o foco na qualidade e no respeito. Pode parecer estranho, mas respeito, para nós, é fundamental na inovação: o respeito pelo meio ambiente — produtos e produção sustentável, que não são testados em animais; pelo consumidor — usando os melhores componentes; pelo legado da marca: criando produtos que encaixassem na “persona” da marca e também naquilo que o público espera de nós.

O passo seguinte era o aproximarmo-nos do consumidor, a quem chegávamos apenas através de pontos de venda externos. Abrimos então, em 2018, no dia do 100.º aniversário da marca, a primeira loja física Couto, na Rua de Cedofeita, no Porto, que funciona como uma loja-museu, onde temos várias peças antigas e contamos a história da marca. Dois anos depois, em 2020, lançámos a loja online, que nos permite chegar diretamente a clientes de todo o mundo.

Hoje, a Couto é uma marca muito diferente do que era quando cheguei, em 2016, apesar de continuar a ser a mesma em que os portugueses confiam. Mais moderna, mais completa, mais dinâmica, mas com os mesmos valores que sempre a regeram. No espaço de oito anos, passámos de uma marca de três produtos a uma marca com várias referências e que continua a inovar, como prova o lançamento do champô sólido (que é também barra corporal 2×1) e do ambientador de mikados este ano, produtos que nos permitem chegar a novos públicos e fazer com que a marca não esteja “na boca de toda a gente” só pela pasta, mas porque tem produtos que apelam a pessoas de todas as idades, géneros e gostos.

Um legado não é uma prisão. Um empresário ou um administrador de uma empresa não pode ficar preso só ao que a marca foi, porque corre o risco de a estagnar, fazer perder pertinência ou até tornar obsoleta. Um legado é uma bandeira que deve ser erguida com orgulho, numa caminhada rumo ao futuro. Mantermo-nos fiéis ao legado da Couto foi o que nos permitiu fazer avançar a marca, conjugando elementos novos e antigos, inovando, sem perder a identidade.

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