Opinião
Uma mão cheia de nada, um coração cheio de tudo

Num Mundo em que o “Ter” e o “Poder” se sobrepõem ao “Ser” é difícil confrontarmo-nos com “uma mão cheia de nada”.
Se não tivermos sucesso, se não formos reconhecidos, se não tivermos um título, um cargo ou uma função devidamente identificada e remunerada, se não elogiarem as nossas facetas diárias, se não nos reconhecerem como “um dos nossos” rapidamente caímos no abismo da descrença, da insegurança e começamos a duvidar das nossas capacidades.
Será que estou a desempenhar bem a minha função?
Será que sou a pessoa certa para o cargo?
Como é que os meus chefes avaliarão o meu desempenho?
Serei bem visto se disser o que penso de forma aberta e sincera?
Poderei fazê-lo sem retaliações?
Condicionados por uma visão enviesada da sobrevalorização do “Ter” e do “Poder” vivemos tantas vezes condicionados nas nossas vidas, agrilhoados por “algemas douradas” de bons cargos e remunerações, pouco realizados no que fazemos e inseguros sobre o que queremos ser. Atrevo-me a dizer que esta pressão é transversal a todas as gerações que estão atualmente no mercado de trabalho embora se revelem de formas e intensidades distintas. Falo com frequência com “jovens da minha idade” e com jovens das idades dos meus filhos e observo frequentemente as mesmas dúvidas e interrogações, os mesmos medos e aflições.
Temos medo de nos confrontar com uma “mão cheia de nada” porque nos habituámos a viver com “as mãos cheias de tudo”: dinheiro, prestígio, sucesso, estatuto, reconhecimento, elogios, avaliações positivas, promoções e tudo o mais que nos atrai para a espiral do “Ter”.
Infelizmente, essa espiral leva-nos muitas vezes a empobrecer o nosso coração. O “Ter” nas suas diversas dimensões torna-nos, frequentemente, mais autocentrados e menos sensíveis aos outros, mais frios e calculistas, mais duros e menos tolerantes.
Uma “mão cheia de tudo” torna o “coração cheio de nada”. Mas, um “coração cheio de tudo” pode dar-nos a liberdade de viver melhor com uma “mão cheia de nada”. Esse coração ajudar-nos-á a descentrar do “Ter” e a recentrar as nossas vidas no “Ser” e, desta forma, libertar-nos dos medos e receios que nos afligem quando temos medo de falhar e não estar à altura das expetativas que nos impõem ou que nos impomos a nós próprios. Libertar-nos da necessidade de termos a “mão cheia de tudo” dá-nos espaço para olhar para os outros e relativizar os nossos medos e incómodos.
Uma “mão cheia de tudo” pesa-nos e puxa-nos para baixo, mas um “coração cheio de tudo” liberta-nos e eleva-nos. Uma “mão cheia de tudo” tende a esvaziar-nos o coração, mas um “coração cheio de tudo” permite-nos perceber a “riqueza” de uma “mão cheia de nada”. Esse “coração cheio de tudo” ajudar-nos-á a compreender melhor a necessidade de cuidar das “mãos cheias de nada” dos mais desprotegidos, dos pobres e dos perseguidos.
Esse “coração cheio de tudo” ajudar-nos-á a compreender que o que julgamos ser uma “mão cheia de tudo” é afinal uma “mão cheia de nada…”.