Ter uma start-up não tem de ser uma fonte constante de stress!

E se afinal não for necessário abdicar de tudo pela sua start-up para alcançar sucesso? Melhor: e se for possível ensinar os empreendedores a lidarem de modo mais eficaz com o stress? Duas empreendedoras e especialistas no MIT garantem que é exequível.
Os empreendedores têm tanto entusiasmo pelo que estão a criar – quase sempre proporcional receio de dececionar a equipa e os investidores – que fazem quase tudo para concretizar o potencial das suas start-ups. As histórias de sacrifício são muitas, com os empreendedores a abdicarem de muitas horas de descanso, das amizades, de relacionamentos familiares, de exercício e de nutrição saudável, tudo pelas suas start-ups.
Este comportamento de “start-up-acima-de-tudo” pode levar a um stress crónico, que causa estragos na saúde física e mental dos empreendedores. Quem o diz são Trish Cotter (diretora-executiva do Martin Trust Center for MIT Entrepreneurship e empreendedora residente na MIT Sloan School of Management), e Kathleen Stetson ( criadora do programa Entrepreneurial Confidence and Communication implementado no acelerador do MIT e fundadora da Rational Confidence), num artigo da edição de maio da Harvard Business Review (HBR).
Um estudo da UCSF (Universidade da Califórnia em São Francisco, EUA) constata que os empreendedores podem ser mais propensos a problemas de saúde mental que o resto da população. E, pela experiência de Trish Cotter e de Kathleen Stetson, a ansiedade, a insegurança, a depressão e a solidão são frequentes entre os empreendedores.
Em 2019 as duas empreendedoras criaram, no MIT delta v acelerador, da MIT Sloan School of Management, um programa inédito de autoconsciência para ajudar 84 estudantes fundadores e os membros das suas equipas a priorizarem o bem-estar individual enquanto se dedicavam aos seus projetos/negócios – e mediram os resultados. No final do programa, 93% dos participantes consideraram que a prática de autoconsciência pode ajudar os empreendedores a criar negócios mais bem-sucedidos. “Mais do que tudo, deu à nossa equipa uma linguagem neutra e comum para construir o nosso relacionamento e cultura”, declarou um estudante citado pela HBR.
Autoconsciência para uma melhor tomada de decisão
Ao desenvolver o programa, as duas especialistas sabiam que recomendar estratégias específicas de autocuidado – como criar uma rotina de relaxamento antes de dormir, comer bem ou fazer pausas, por exemplo – não seria suficiente para mudar a visão arreigada de que o stress e sacrifício exagerados são parte integrante do empreendedorismo, ou para convencer os empreendedores a despenderem algum do seu tempo, já de si limitado, em algo que não as suas start-ups.
Trish Cotter e Kathleen Stetson decidiram então projetar um programa-teste para ajudar os participantes no acelerador do MIT a desenvolverem maior autoconsciência. A ideia de base era que, se os empreendedores percebessem melhor a mecânica de si mesmos – os seus pensamentos, sentimentos, respostas automáticas físicas e emocionais – poderiam fazer melhores escolhas perante as tensões quotidianas do empreendedorismo. Foi passada aos participantes uma estrutura simples para criar autoconsciência:
- Observar: ter atenção aos pensamentos, sentimentos e sensações físicas no momento presente.
- Rotular: atribuir um “rótulo” (por exemplo, estou irritado com o meu cofundador), sempre que tiver um sentimento desses.
- Ser curioso: sem julgar, refletir os padrões em que repara ao longo do tempo (por exemplo sinto-me frequentemente irritado com o meu cofundador. Porquê? Será que espero algo da sua parte que não estou a obter?).
- Tomada de decisões ativa: fazer uma escolha informada, com base na autorreflexão (por exemplo em vez de remoer este sentimento, acho que vou conversar com um mentor sobre o problema e planear uma conversa com o meu cofundador para falar sobre como me tenho sentido).
Esta estrutura é uma forma alargada de mindfulness, definida por Jon Kabat-Zinn sobre como “prestar atenção, de propósito, no momento presente, sem julgar”. Para praticar esta estrutura, os participantes aprenderam a fazer meditação mindfulness, que comprovadamente reduz o stress e a ansiedade e ajuda a regular a emoção, entre muitos outros benefícios.
Também aprenderam práticas de mindfulness que podem integrar nas suas vidas. Foram ainda realizadas pequenas sessões em grupo, onde discutiram as principais escolhas que os empreendedores enfrentam. Os participantes podiam usar estas sessões para desabafar, obter feedback, e novas perspetivas num ambiente confidencial. As reuniões em pequenos grupos eram obrigatórias e tudo o resto opcional.
Empreendedores com escolhas mais saudáveis
Para medir o impacto da metodologia nos estudantes empreendedores, estes passaram por estudos antes e depois do programa delta v, com 60 participantes. E os resultados foram significativos.
No final do programa, 88% dos participantes tinham estabelecido de forma autónoma práticas semanais de meditação ou mindfulness. Antes do programa, 65% nunca tinham meditado e apenas 21% praticavam regularmente meditação ou mindfulness. Não lhes foi exigido que iniciassem a própria prática – foram apresentados os benefícios com base em estudos e mostrado como podiam integrá-la no seu já preenchido dia. Eles decidiram que valia a pena e que não se tratava de mais um item da lista de “tarefas a fazer”.
Enquanto alguns participantes optaram por meditar com regularidade, outros escolheram, por exemplo, transformar a viagem matinal no metro numa prática de mindfulness, levando cinco minutos (da paragem A à B, por exemplo) a prestar atenção ao que estavam a ouvir, ver e experimentar. À medida que surgiam pensamentos ou sentimentos, eles rotulavam-os e voltavam a concentrar-se no seu ambiente.
Trish Cotter e Kathleen Stetson descobriram que a prática estava a ter resultados e a criar mudanças comportamentais. Após o programa, 53% dos participantes utilizavam com mais frequência uma ferramenta ou técnica para lidar com o stress, e 40% estavam mais conscientes das suas emoções. Estes empreendedores estavam a fazer escolhas ativas, momento a momento, no sentido de mudar as respostas habituais a situações stressantes.
Os participantes ficaram mais conscientes de si mesmos ao partilharem os desafios uns com os outros. Um terço, numa pergunta aberta, afirmou ter encontrado especial valor na aprendizagem, camaradagem e abertura que experimentaram nos grupos de pares. “Fiquei mais recetivo a partilhar desafios internos com os outros”, afirmou um empreendedor, referindo que ouvir histórias e perspetivas de colegas ajudou-o a ser mais sensato sobre como podia abordar [problemas] complicados com maior confiança.
Como pode a autoconsciência ajudar os empreendedores?
A autoconsciência não é uma solução mágica, acautelam as duas empreendedoras. O programa não aliviou o stress por completo. Num estudo pós-programa, apenas alguns dias antes de os estudantes fazerem o pitch das suas start-ups diante de mais de mil pessoas, 40% dos participantes estavam a ter mais dificuldades em adormecer ou em dormir, comparativamente ao início do acelerador. Mas, em contraste com os estudantes anteriores de delta v, estavam a fazer a escolha ativa de dormir.
A cultura do delta v mudou, revelaramTrish Cotter e Kathleen Stetson. Enquanto nos anos anteriores os membros valorizavam as suas start-ups acima de tudo, nesta edição não só valorizavam o seu bem-estar como também ofereceram e aceitaram ajuda com mais frequência. E demonstraram que não precisam de estar atormentados e em constante stress para mostrar a sua paixão pelas start-ups que fundaram.
Se as start-ups neste último delta v vão ter mais sucesso que as anteriores, ainda é cedo para dizer. À medida que o programa prossegue, as duas especialistas vão continuar a desenvolver um conjunto de dados e a rastrear os participantes. No entanto consideram que as ferramentas adicionais fornecidas pelo programa vão ajudá-los agora e a longo prazo. Trish Cotter e Kathleen Stetson ressalvam que, mais que um estado de ser, a autoconsciência é um hábito a ser praticado repetidamente.
As 12 semanas do acelerador deram aos empreendedores a oportunidade de praticar o que estavam a aprender, de ver as consequências ao longo do tempo, e de integrar o que aprenderam nas start-ups. E estão confiantes de que os participantes vão continuar a fazê-lo à medida que constroem as empresas fora do delta v.
Trish Cotter e Kathleen Stetson acreditam que integrar a autoconsciência no ecossistema de empreendedorismo – empreendedor a empreendedor – vai conduzir a culturas de start-up mais saudáveis. E consideram que este benefício não será apenas para os fundadores, mas criará um efeito dominó, estendendo-se aos membros das equipas, aos stakeholders e aos clientes, resultando em negócios mais saudáveis e bem-sucedidos.