Opinião
RH ou pessoas como nós?

Primeiro foi a Economia: com a aceitação da ampla evidência da vida real, a ortodoxia científica resignou-se ao facto de que a Economia é mesmo uma ciência social, na qual não cabem pressupostos de informação perfeita e decisões racionais.
A teoria dominante acomoda e interpreta hoje mercados imperfeitos, modelos econométricos dinâmicos, fatores psicológicos que tornam impredizíveis, a nível micro, os resultados da interação dos vários agentes económicos!
Agora é a Gestão que se desvia, de forma cientificamente comprovada, dos axiomas unicamente baseados em análises de “bottom line” (custos de uma determinada decisão ou ação de gestão versus os proveitos económicos mensuráveis que resultam dessa mesma decisão ou ação). É hoje assente que gerir é liderar pessoas, incentivá-las a dar o melhor de si próprios, multiplicando as suas qualidades individuais na interação com as equipas em que estão integradas e as plataformas tecnológicas que utilizam e desenvolvem.
Em consequência, começam a cair expressões eivadas de uma visão míope da liderança e construção da mudança que consubstanciam hoje o sucesso empresarial. Recursos são, do ponto de vista económico, “entidades” finitas e limitadas que a “arte” da gestão utiliza para com eles maximizar o valor que oferece no mercado. Ativos são, por definição, bens duráveis nos quais se investe, prescindindo hoje de determinado montante de dinheiro para o multiplicar no futuro. Neste contexto, falar em recursos humanos ou colaboradores enquanto “o principal ativo da empresa” é claramente redutor!
Na Irlanda, estima-se que 20% dos trabalhadores do setor privado sejam colaboradores diretos ou indiretos das multinacionais aí instaladas. De uma força de trabalho de aproximadamente dois milhões de pessoas, só na indústria farmacêutica e de equipamento médico trabalham mais de 50.000. Mas a Irlanda é, como todos sabemos, o país europeu das tecnologias de informação e comunicação. É a sede europeia (e na grande parte dos casos, da Europa, Médio Oriente e África ou mesmo sede mundial) da Google, Facebook, Twitter, Linkedin, Ebay, Yahoo, Microsoft, Paypal, AOL, Airbnb, Apple, Intel, Accenture e outras.
Ou seja, uma percentagem muito elevada de postos de trabalho e novas ofertas de emprego destina-se a quadros qualificados ou muito qualificados e a atração de expatriados (europeus e de fora da Europa) é notável.
Num ecossistema desta natureza é preciso lutar pelos melhores e, de facto, assistimos a práticas únicas em Dublin ou Cork no que respeita às condições oferecidas aos “techies”: instalações de primeira, cantinas gourmet, com pequeno almoço e almoço grátis, providenciando escolhas dos cinco cantos do mundo para todos os gostos, salas de jogo, meditação ou de prática de “metal bands”, em cima de salários generosos! Trabalho a partir de casa, protagonismo perante chefes e colegas, viagens aos Estados Unidos ou outros centros de tecnologia de ponta e boas práticas.
Mas, acima de tudo, oferecem-lhes uma participação ativa na oferta e destino da companhia: o que oferecer ao cliente, a que preço, com que argumentos? Elevada autonomia, acompanhada de uma validação e avaliação permanentes! Feitas, num primeira instância, pelos pares ou mesmo, por vezes, pelos próprios clientes! Alocam-nos a projetos que frequentemente eles próprios escolhem ou até “inventam”, pelo propósito do mesmo ou pelo valor que conseguem trazer àquele projeto específico.
Não haverá certamente uma receita para fazer esta gente feliz e orgulhosa do sítio onde trabalha, mas há um padrão: estas empresas procuram Escutar, Envolver e Empoderar quem as constrói e sustenta!
Como chegar lá talvez não seja linear, mas no fundo até me parece fácil: basta olhar para os outros não como recursos, ativos, custo, investimento ou valor acrescentado, mas sim como pessoas como nós! Quando nos cruzamos com eles no chão de fábrica, nas reuniões de vendas, nos encontros de definição de alta direção estratégica ou quando vestimos a pele de “cliente mistério” dentro da nossa própria organização.