Opinião

Porque falham os business plans?

Sandra Silva, diretora-geral da Mary Kay Portugal*

Hoje não tenho dúvidas. Mais importante do que investir muito tempo a fazer um excelente plano de negócios é investir muito tempo em desenvolver uma equipa que trabalha num ambiente e cultura saudáveis.

Uma equipa saudável cria e executa planos excelentes! Mas uma equipa ou organização onde o ambiente e cultura são tóxicos, onde reina a política, a falta de confiança, transparência e diálogo, por mais bem desenhado que esteja o business plan terá maior probabilidade de falhar!

Esta é sem dúvida a lição mais importante e também a mais dolorosa que aprendi, ao longo dos meus 21 anos de carreira.

E o papel de criar uma cultura saudável cabe em primeiro lugar ao líder máximo de qualquer organização. À ou ao diretor-geral que, pode delegar quase tudo, mas a cultura é precisamente aquilo que não podemos delegar. É a nossa principal responsabilidade e maior contribuição que podemos dar para o sucesso de qualquer organização.

Há na cultura como que uma invisibilidade. A liderança de topo deixa de vê-la porque está muito enraizada. Trabalhá-la, pressupõe sempre algum tipo de trabalho de self-awareness, ou seja é necessário virar a lente e olhar para nós.

Costumo comparar a cultura ao oxigénio que respiramos. Todos precisamos de oxigénio para viver e apesar de não o conseguirmos ver, sabemos que ele está lá. E, sentimo-lo especialmente quando ele se torna rarefeito e é difícil respirar. Com a cultura nas empresas acontece exatamente o mesmo. Ela está lá e está sempre a ser criada. Em cada decisão, ou não decisão, em cada interação… E se não formos intencionais, podemos acabar por criar ou deixar criar uma cultura tóxica, onde se perde o foco no propósito global e objetivos da companhia para dar lugar a agendas individuais, falta de transparência e compromisso das equipas. E, por maior controlo ou micro management que exista é uma questão de tempo até os indicadores de performance de negócio começarem irremediavelmente a baixar.

Culturas saudáveis produzem equipas de alta performance e resultados de negócio de excelência. Aqui os níveis de colaboração, agilidade, criatividade, satisfação e nível global de compromisso emocional total de cada colaborador é elevado. Ao passo que culturas tóxicas são ambientes de trabalho onde o diálogo é escasso, o conflito é latente, mas muitas vezes dissimulado, com elevados níveis de ceticismo e, os resultados conseguidos são bastante difíceis de alcançar sendo sobretudo alicerçados no controlo em detrimento da autonomia e empoderamento.

Mas então, o que é isto da cultura? E se empresas com culturas saudáveis produzem resultados de excelência e de forma mais fácil e prazerosa, porque demoram na generalidade os líderes, tanto tempo, a percebê-lo e a trabalhar de forma ativa nela, alguns dos quais nunca chegando mesmo a fazê-lo? Como se cria?

A cultura é o conjunto de princípios e valores que no dia a dia orienta a forma como tomamos decisões, como nos comportamos, como interagimos, cooperamos e até como entramos em conflito produtivo nas empresas. A cultura de uma organização não deve ter mais do que seis princípios e devem ser muito fáceis para qualquer pessoa da organização enumerá-los e explicá-los, não porque estão emoldurados numa parede qualquer, aliás não o recomendo, mas sim porque são vividos diariamente por todas as pessoas, a começar pela liderança.

A cultura apesar de ser importante é também extraordinariamente difícil de medir e demora a produzir resultados.

E essa é, na minha opinião, uma das principais razões pelas quais os líderes subestimam a sua importância e poder. Somos educados, formados e progredimos na nossa carreira pelo nosso foco nos resultados e quanto mais imediato melhor. Focar-nos na cultura pode parecer à primeira vista contrário a tudo o que aprendemos e conhecemos.

Além disso requer níveis elevados de coragem, disciplina e até uma certa vulnerabilidade por parte do líder, especialmente quando falamos em casos de transformação de culturas.

Mas garanto que vale a pena.

A cultura não se cria numa off site meeting seguida de uma apresentação a toda a equipa onde se apresentam os novos valores, se afixa uns posters et voilá está concluído.

A cultura cria-se e cocria-se num exercício que começa com o líder, onde através de uma ou várias discussões com a sua equipa de liderança são definidos os valores culturais que serão a bússola orientadora da empresa.

Nessas reuniões discute-se, alinha-se e cocria-se de forma simples e clara a direção e visão para empresa, o porquê, para quê e como a equipa de liderança junto com toda a equipa se propõe a alcançá-lo. Os níveis de diálogo, transparência, confiança e conflito produtivos para que este exercício seja positivo devem ser elevados e constantes.

Todos, sem exceção, somos construtores de cultura todos os dias e é importante que tenhamos essa consciência e responsabilidade. No entanto, dado o elevado nível de exposição, influência e capacidade de decisão é ao líder máximo e à sua equipa de liderança que cabe essa maior responsabilidade.

Uma vez definidos os princípios com clareza, com a equipa de liderança alinhada, é fundamental diariamente, de uma forma simples, constante e coerente, reforçá-la através dos sistemas de Recursos Humanos, desde a aquisição de talento aos modelos de avaliação e reconhecimento, até aos sistemas e modo de funcionamento das reuniões de equipa, reuniões de liderança ou individuais e claro, em todas as interações.

Reforçar com ações mais do que com palavras. A ação antecede a palavra. No entanto, é critico haver comunicação e reforço constante dos princípios e da cultura com toda a equipa.

Em resumo, a cultura cria-se no dia a dia. Começa com o líder e necessita de uma equipa de liderança coesa e alinhada, com reforço e comunicação constante de forma clara.

E com isto, volto ao princípio. Porque falham os business plans? Os business plans não falham. Falha a existência de uma cultura que os permita florescer. Na minha opinião e experiência, a cultura saudável é nos dias que correm, a maior vantagem competitiva de qualquer organização.

*E membro da Plataforma Portugal Agora

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Sandra Silva

Sandra Silva

Sandra Silva é a diretora-geral da Mary Kay Portugal desde 2009, ano em que entrou para a companhia. Desempenhou um papel importante e fundamental tendo sido responsável pelo turnaround da empresa em Portugal. Liderou a importante renovação da estratégia de negócio implementada em todos os departamentos. Também é membro da Plataforma Portugal Agora. Antes de chegar à Mary Kay a experiência profissional de Sandra Silva centrou-se nas áreas das Vendas e Marketing em multinacionais de grande consumo. Começou na Johnson&Johnson,... Ler Mais..

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