Opinião
O poder de adaptação dos nossos emigrantes

Vimos no mais recente Euro 2024 muitos portugueses assistirem aos jogos da nossa Seleção. Deu-me vontade de vos falar sobre os emigrantes “tugas”. E, embora haja opiniões à esquerda e à direita, convenhamos… a maioria das pessoas não sabe o que é ser emigrante.
Não importa o quanto viajas ou se tens muitos amigos de “fora”. Ver e conversar através das redes sociais é diferente de conhecer e, se queres saber como é, vai e faz! Desafio-te.
Há séculos que os portugueses emigram. Estão, por todo o lado, de um canto ao outro do mundo. Só nos últimos 20 anos, dados oficiais apontam para a saída de 1,5 milhões de pessoas, rumo a terras mais ou menos distantes. E, seja qual for o lugar onde se encontram, todos têm algo em comum: uma resiliência acima da média.
Darwin demonstrou-nos que apenas os mais aptos sobrevivem: é o poder da adaptação que faz evoluir as espécies e determinar quem fica para trás e quem segue em frente. Digam o que disserem, quem se muda de armas e bagagens para outro país tem uma tremenda capacidade de adaptação, bem superior à dos que ficam. Sim, é mesmo isso que estou a dizer: os portugueses de “lá” são muito diferentes dos de “cá”. Os portugueses que emigram são pessoas capazes de sair da sua zona de conforto e de colocar todas as fichas na mesa o que, como sabemos, não é para qualquer um.
Mas esta admirável “espécie” migratória tem evoluído e hoje é composta por duas estirpes. A principal diferença entre elas está no motivo da saída do país. Será que os portugueses emigram em busca da novidade e do desconhecido, como a fama que os precede? Ou estarão simplesmente a fugir de uma realidade que não lhes serve nem acompanha as suas ambições?
Os portugueses emigram porque não têm outra opção: porque querem fugir da precariedade (a primeira estirpe e a mais antiga) ou porque não aceitam que a sua vida estagne (a segunda estirpe, e mais recente).
A primeira “estirpe”, a original, iniciou o seu movimento migratório pelos anos 50 e 60 do século passado. Sai predominantemente do norte de Portugal e, ao contrário do que se pensa, não parte para evitar o frio, mas para fugir da pobreza, à procura dum elevador social (talvez menos para eles, mas para os seus filhos). É uma estirpe que voa em “bando”- de tios, irmãos, primos e sobrinhos -, para realizar trabalho não qualificado em países financeiramente mais evoluídos, como a Alemanha, a Suíça, a França, o Canadá ou os EUA. A estratégia que adota é a de criação de “colónias” alimentadas por autocarros que saem regularmente do país, carregados de familiares, amigos ou conhecidos. Uma das rotas mais famosas liga Castro Daire a Zermatt (na Suíça) onde, em 2005, quando também eu vivia em Genebra, um em cada dois habitantes era português.
Depois, temos a segunda e mais recente e (notória) estirpe, que deixa os políticos aparentemente preocupados composta por gente altamente qualificada, quase sempre ligada à academia (cientistas e universidades), a organizações não governamentais, instituições de representação diplomática, empresas portuguesas e multinacionais, e a projetos empreendedores.
Desengane-se quem pensa que um emigrante da primeira estirpe que parte para outro país vai passar a viver como um local. Se há coisa que esta espécie sabe fazer é manter-se em pequenas comunidades, onde apenas circula a sua língua e cultura de origem. Já a segunda, adapta-se e penetra por todos os lados que consegue, é tal a vontade de aprender e de vencer.
Também aqui, as duas estirpes se diferenciam, sobretudo ao nível do conforto (ou falta dele) com que vivem. Se, por um lado, a primeira estirpe de emigrantes vive com dificuldades, tem pior reputação, faz um trabalho fisicamente mais duro e está em clara posição de desvantagem na pirâmide social, a segunda vive numa realidade totalmente oposta.
Isto leva-nos a outra questão: porque é que os da primeira estirpe partiram? Porque, mantendo-se em Portugal, nunca sairiam de um ordenado mínimo e, ainda que na Suíça, 5.000 euros de salário ao fim do mês garantem um elevador social para os seus filhos, com acesso ao mundo, e com a possibilidade de logo falarem três ou quatro idiomas.
Ao longo de 20 anos vivi em diferentes países e continentes, pude coabitar com ambas as estirpes e garanto-vos: as duas estão sempre presentes, nos vários países, com uma diferença da percentagem de cada uma delas em cada um dos países. Se, em Shanghai, abundam os da segunda estirpe, na Suíça acontece o oposto.
E infelizmente, ainda, de uma forma geral, os emigrantes da primeira existem em maior quantidade que os da segunda, mas estes não os vejo a serem convidados para as cerimónias oficiais nem conselhos da Diáspora. Aliás, são quase sempre os últimos que o governo convida para representar o país, exceto quando um enfermeiro é atirado para ribalta, quando não estava a fazer mais do que o seu trabalho, e lhe dão uma medalha, porque a comunicação social o decidiu “elevar”. Enfim, populismos funcionam assim.
O facto de pertencerem à mesma espécie não significa que as estirpes se misturem, havendo mesmo um certo constrangimento quando isso acontece. Já eu, pelo contrário, não podia ser mais uma mistura orgulhosa das duas!
Desengane-se quem pensa que os portugueses são os mesmos, sejam emigrantes ou não. Esqueçam lá isso. Em geral, e apesar destas diferenças, é muito mais o que une os emigrantes entre si, sejam de primeira ou de segunda, do que os une aos portugueses que nunca foram a lado nenhum.
Os que saem de Portugal, têm uma garra, uma vontade de vencer, crescer, evoluir, de procurar soluções,uma resiliência extraordinária, capazes de caírem não sabem desistir, Porque simplesmente essa palavra não é aceite por eles. Pode ler outra vez esta frase.
E, enquanto isto não servir de exemplo (diria até de inspiração) para os que ficam, vamos continuar a ter Portugal onde está, estagnado, à espera de um Estado paternalista que pede com muita força para que os jovens fiquem, sem lhes dar nada em troca.
Já dizia o grande Charlie Munger, “Show me the incentives, and I will show you the outcome”.