Opinião

Geração Propósito: jovens inspirados ou à beira da fragilidade?

Rita Vilas-Boas, investidora e consultora de start-ups

Nos últimos anos, tem-se falado muito sobre como os jovens em Portugal que estão a entrar no mercado laboral  procuram algo mais do que um simples trabalho. Eles querem um “propósito”, algo que dê significado às suas vidas. Até aqui, nada de errado. Quem não quer que a sua vida tenha significado?

Mas o que me intriga é como esta busca parece ter se tornado quase uma obsessão, muitas vezes desconectada da realidade.
Nos anos 70, contemporânea da democracia, a palavra “propósito” raramente surgia numa conversa. Havia um pragmatismo quase brutal. Trabalhava-se porque era necessário: pagar as contas, sustentar ou ajudar a família, talvez comprar um carro ou uma casa. Claro, havia quem se sentisse realizado com o que fazia, mas essa não era a regra; era a exceção.

Propósito? Era um luxo a que poucos podiam dar-se o direito.

Contudo, parece que hoje o trabalho em si é visto como insuficiente para preencher essa necessidade. Muitos jovens procuram o “propósito”. O que significa – na maioria das vezes -, encontrá-lo fora do local de trabalho, em projetos paralelos, em voluntariado ou até mesmo em movimentos ativistas. E, ironicamente, ao mesmo tempo que querem um emprego que os motive, rejeitam a ideia de que o trabalho deva ser o centro das suas vidas. Parece haver uma dissonância aqui, não?

Um exemplo claro é a cultura das startups e das grandes empresas tecnológicas, onde há um discurso constante sobre “mudar o mundo”. Trabalhar numa startup não é apenas um trabalho, é uma missão. Muitos jovens são atraídos por essa promessa, mas acabam desiludidos quando percebem que, afinal, “mudar o mundo” significa maximizar o lucro dos investidores. A busca pelo propósito rapidamente se transforma em cinismo.

Outro fenómeno interessante é o impacto das redes sociais. Hoje, temos jovens constantemente expostos a imagens de pessoas que “encontraram o seu propósito”: influenciadores que viajam pelo mundo, empreendedores que supostamente trabalham em algo que gostam de fazer 24 horas por dia e sete dias por semana, mas não estão a criar valor para a sociedade. Ou estão? A comparação é inevitável e o resultado é frequentemente um sentimento de inadequação. Como competir com essa ideia romântica e, diga-se de passagem, muitas vezes irreal?

As perguntas  que devemos fazer são “por que esta geração tem tanta necessidade de encontrar o propósito? Será que é algo intrínseco aos tempos modernos ou é um sintoma de um mundo que, ironicamente, oferece demasiadas opções?”

Temos várias razões para estarmos aqui:

1.Declínio das estruturas tradicionais;

2. Demasiado tempo nas mãos: o homo sapiens nunca foi tão saudável, produtivo e longevo

3. Abundância de escolhas: há uma quantidade sem precedentes de opções em termos de carreira, estilo de vida e identidade. Isto leva a uma “paralisia de escolha”, em que abunda a ansiedade e a indecisão;

4. Pressão social e expectativas: as redes sociais amplificam  a pressão para ter uma vida “significativa” e “bem-sucedida”.

Mas este é apenas um lado da moeda. Do outro lado, vemos uma sociedade que, muitas vezes, infantiliza os jovens. Se algo corre mal, ou é porque os pais e as escolas não os prepararam bem o suficiente, ou porque as empresas não dão o apoio necessário. Este paternalismo, combinado com uma falta de responsabilidade individual, cria uma narrativa em que os jovens são constantemente vítimas. Mas será que são mesmo? Ou esta é apenas uma forma conveniente de evitar falar sobre esforço, resiliência e, sim, sobre a ideia de que a vida nem sempre tem um grande propósito?

Olhemos para exemplos mais concretos. Muitas empresas criaram programas de bem-estar mental para os seus jovens colaboradores, incluindo aulas de ioga, coaching e até sessões de mindfulness durante o horário de trabalho. Nada contra estas iniciativas — bem-estar é importante. Mas será que estamos a criar um ambiente onde qualquer pressão normal de trabalho é vista como algo insuportável? Nos anos 80 ou 90, se alguém estivesse “stressado”, a solução era, muitas vezes, conversar com os amigos no final do dia, não uma sessão de meditação guiada.

Estamos a criar uma geração de jovens que não sabe lidar com a frustração porque cresceu num ambiente que tenta proteger de todas as adversidades. Ao mesmo tempo, os discursos motivacionais e as histórias de sucesso “instagramáveis” só aumentam as suas expectativas irreais. No final, a combinação de paternalismo e ideais inalcançáveis cria uma geração que, ao menor sinal de dificuldade, pensa (e até sente!) que o mundo está contra si.

Mas não sejamos injustos. Existem muitos jovens que estão a lutar por causas reais, seja no nos direitos humanos ou em inovações tecnológicas que realmente fazem diferença. Estes são os exemplos que devíamos destacar — não os que passam os dias a questionar se o trabalho de oito horas é um atentado à sua felicidade.

A solução talvez não seja acabar com a ideia de propósito, mas redefini-la (ou enquadrá-la). Propósito não precisa ser grandioso; pode ser algo tão simples como fazer bem o que fazemos, ser útil para a sociedade e encontrar pequenas alegrias no dia a dia. Nem tudo precisa ser uma missão transcendental.

Portanto, antes de criticarmos ou protegermos em demasia os jovens, talvez devêssemos perguntar-nos: estamos a dar-lhes as ferramentas certas para navegar num mundo cheio de contradições? E eles, estão dispostos a fazer o esforço necessário para encontrar o seu lugar, mesmo que esse lugar não seja perfeito?

Tal como diz Richard Dawkins, “Quando estiver morto, não saberei que estou morto. Será exatamente como antes de eu nascer.”

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Rita Vilas-Boas

Rita Vilas-Boas

Rita Vilas-Boas é investidora e consultora de start-ups, com mais de 20 anos de experiência em gestão, tendo desempenhado vários cargos de liderança em sete países, em três continentes. Trabalhou 10 anos em empresas de FMCG (P&G e L'Oréal) assumindo inúmeras funções comerciais regionais e globais. Durante cinco anos trabalhou para empresas familiares capazes de entregar excelentes resultados globais de P&L. Viveu em Xangai durante quatro anos liderando a estratégia de marketing e o portefólio de uma start-up, uma das... Ler Mais..

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