Entrevista/ Fundo italiano de climate tech está de olho em Portugal
Oficialmente lançado em março deste ano, o COREangels Climate já reúne mais de 20 business angels de Itália, Espanha e Portugal, e pretende atingir, no mínimo, 2 milhões de euros até final de 2024. Michele Morabito e Federico Giannetti, managing partners, falam da sua aposta nas Climate Tech.
Investir em start-ups early stage com produtos e serviços vocacionados para a tecnologia climática é o objetivo do jovem COREangels Climate, um fundo de business angels que, apesar de ter sido criado em Itália, atua também nos mercados português e espanhol.
Integrado na empresa internacional COREangels, que tem sede em Portugal, este fundo é liderado pela dupla Michele Morabito e Federico Giannetti, profissionais ligados ao universo dos investimentos, com especial apetência para o setor das tecnologias climáticas. Trabalharam na criação do projeto durante um ano e há pouco mais de três meses lançaram a COREangels Climate que ambicionam transformar numa “frente unificada do Sul da Europa que possa mais tarde envolver-se com ecossistemas mais desenvolvidos como os do Norte da Europa”.
Como surgiu a ideia de criar este fundo?
Federico Giannetti (FG): A ideia de criar o COREangels Climate surgiu da minha formação e experiência. Nos últimos anos, trabalhei como profissional de investimentos num fundo em Itália, com especial incidência no setor das energias renováveis. Nesta função, identifiquei uma lacuna, especialmente no mercado italiano, onde não havia nenhum investidor direcionado para investimentos verticais em tecnologias inovadoras e em projetos “inéditos” que nós, como private equity, procuramos para o desenvolvimento em larga escala (conhecido como “pipelines”).
Adicionalmente, tenho um doutoramento em capital de risco com uma tese de investigação sobre previsão de modelos para o desempenho dos fundos de capital de risco a nível mundial. Ao estudar os ecossistemas do Norte da Europa, percebi que o mundo do capital de risco, particularmente naqueles ecossistemas mais avançados em comparação com o Sul da Europa, há anos que estava focado em tecnologias de combate às alterações climáticas (climate tech).
Isto levou à criação de fundos com capital significativo e a retornos notavelmente mais elevados comparando com os fundos generalistas e fundos de outros verticais. Com isso em mente, juntamente com o Michele, que traz anos de experiência em estratégia e consultoria financeira para start-ups, tivemos a ideia de lançar um veículo de investimento em Itália, com o foco exclusivo em investimentos em climate tech, uma área que ainda não tinha sido explorada. Trabalhámos nesta ideia durante um ano, estudando vários setores, procurando inspiração em modelos de sucesso do Norte da Europa, e estabelecendo relações com os fundos climáticos existentes.
Durante este processo, entramos em contato com a COREangels International, uma comunidade global de fundos de business com sede em Portugal, que já tem uma presença com mais de uma dúzia de fundos de business angels na Península Ibérica, na América Latina, nos EUA, no Médio Oriente e na região do Pacífico, mas ainda não tinha estabelecido presença em Itália. Abraçamos o modelo COREangels, que promove o investimento de business angels com uma abordagem profissional e participativa, e reconhecemos o valor acrescentado e a distintivo da sua abordagem internacional para o nosso projeto.
Assim, em conjunto com os líderes do COREangels, trabalhamos na estruturação da COREangels Climate, que conduziu à inauguração do Comité de Investimento no final do fevereiro e que marcou o lançamento oficial da empresa e a aprovação do nosso primeiro investimento.
“A nossa missão gira em torno de garantir um impacto climático tangível e manter a fiabilidade nos nossos investimentos, evitando qualquer forma de greenwashing”.
Qual é a missão e a estratégia?
F.G.: Em resumo, o COREangels Climate é um fundo de business angels que se concentra em start-ups de tecnologia climática early stage em Itália, Espanha e Portugal. Em primeiro lugar, é necessário definir o que queremos dizer com tecnologia climática, que não deve ser confundida com sustentabilidade, greentech ou tecnologia limpa. A climate tech, de facto, engloba todas as tecnologias e soluções explicitamente dedicadas à redução das emissões de CO2 e GHG.
A nossa missão gira em torno de garantir um impacto climático tangível e manter a fiabilidade nos nossos investimentos, evitando qualquer forma de greenwashing. Para avaliar o potencial impacto dos objetivos em termos de CO2 na respetiva indústria e na sua área geográfica, desenvolvemos um modelo proprietário. Estamos atualmente a colaborar com terceiros para validação, estabelecendo dois indicadores: impacto climático; uma métrica não financeira, e taxa de retorno climático, uma métrica financeira ligada a esse impacto.
Um segundo aspeto fundamental da nossa estratégia é a nossa abordagem ao Sul da Europa. Queremos criar uma frente unificada no Sul da Europa que possa mais tarde envolver-se com ecossistemas mais desenvolvidos como os do Norte da Europa.
O que vos leva a investir em Itália, Espanha e Portugal? Porquê estes países?
F.G.: Itália, Espanha e Portugal partilham semelhanças culturais em termos do desenvolvimento do ecossistema de capital de risco (com a Itália, infelizmente, atrasada). As suas avaliações estão alinhadas e são ricas em soluções de tecnologia climática. Portugal tem uma economia azul próspera, Espanha destaca-se nas energias renováveis e Itália abriga excelentes centros de pesquisa. Ao investir nestes ecossistemas na fase early stage, o nosso objetivo é atuar como uma ponte para que as start-ups do nosso portefólio garantam rondas subsequentes de investimento dos fundos do Norte da Europa, acelerando o seu crescimento e internacionalização.
Como um fundo de business angles, a nossa abordagem de investimento gira em termos de providenciar “smart money”. O nosso grupo internacional de business angels possui uma experiência excecional e complementar que pode apoiar o desenvolvimento do portefólio de vários ângulos, como entrar em novos mercados ou explorar oportunidades comerciais. Simultaneamente, a nossa afiliação com a rede global COREangels, que integra centenas de business angels, permite-nos ampliar o valor que trazemos para o nosso portefólio.
Que tipo de investimentos procuram?
Michele Morabito (M.M): Definimos o nosso ‘ponto ideal’ dentro do espaço da tecnologia climática. Visamos soluções que se encontram na intersecção de hardware e software. A nossa prioridade é a inovação de hardware, uma vez que tem potencial para alcançar uma redução significativa das emissões de CO2 quando implementada em grande escala. No entanto, também consideramos a importância das soluções de software, que desempenham um papel vital na maximização da eficiência dessas soluções de hardware.
O foco do nosso investimento está na fase inicial, onde procuramos soluções com uma tecnologia Readiness Lever (TRL) [os níveis de prontidão tecnológica são um método para estimar a maturidade das tecnologias durante a fase de aquisição de um programa]. variando de 5 a 7. Isto significa que visamos tecnologias que estão à beira da comercialização, mas ainda não se tornaram mainstream. Consideramos este target como o melhor para priorizar o impacto climático e, ao mesmo tempo, maximizar o retorno.
“O nosso primeiro investimento (…) é uma empresa de deep tech que desenvolveu monitorização subaquática avançada e sistemas de comunicação, pioneira no conceito de Internet de Coisas subaquáticas”.
Quais são os pilares de investimento do COREangels Climate?
M.M.: Definimos cinco pilares de investimento distintos que se alinham com a nossa estratégia de investimento. Vejamos: remoção de CO2, um pilar que se centra em soluções que contribuem diretamente para a remoção ou prevenção de emissões de CO2, como, por exemplo, o chamado DAC (Direct Air Capture). Depois a transição energética, em que visamos tecnologias que facilitem a transição de fontes de energia convencionais, baseadas em combustíveis fósseis, para fontes de energia alternativas, mais limpas e renováveis. Este pilar engloba investimentos em áreas como o hidrogénio ou soluções geotérmicas, sistemas de armazenamento de energia, tecnologias de redes inteligentes e soluções de eficiência energética.
O terceiro pilar é a Blue Climate, um termo que cunhamos para abranger soluções dentro da indústria da economia azul que têm um impacto direto no clima. Por exemplo, olhamos para soluções relacionadas com os oceanos para a produção de energia a partir da água, reconhecendo a importância da economia azul para enfrentar os desafios climáticos. Segue-se a mobilidade elétrica e transportes, e neste pilar, concentramo-nos em tecnologias que permitem soluções de transporte de impacto zero. É importante notar que o nosso foco não está nos serviços de mobilidade elétrica partilhada, mas sim em soluções de hardware que facilitem esta forma de transporte. Um exemplo seria ser baterias de sódio para veículos elétricos.
O nosso pilar final, gestão das alterações climáticas e relatórios, centra-se em torno soluções de hardware e software para avaliar os impactos climáticos e implementação de medidas corretivas. O nosso primeiro investimento enquadra-se nesta categoria — é uma empresa de deep tech que desenvolveu monitorização subaquática avançada e sistemas de comunicação, pioneira no conceito de Internet de Coisas subaquáticas. Esta empresa monitoriza ativamente os ambientes oceânicos, reconhecendo o papel crítico que desempenham na absorção de CO2 e formando estratégias de atenuação das alterações climáticas.
Como define o ecossistema empreendedor de startups na Itália?
F.G.: O ecossistema empreendedor de start-ups em Itália hoje está um pouco atrás de outros países europeus e ainda enfrenta alguns desafios importantes, incluindo o acesso limitado ao financiamento (tanto na fase inicial como na fase tardia), complexos processos burocráticos e a necessidade de uma maior colaboração entre as start-ups, corporações e academia.
No entanto, registou um crescimento e desenvolvimento significativos nos últimos anos, com um aumento do número de start-ups emergentes, bem como investidores e investimentos. Este crescimento tem sido alimentado também por iniciativas governamentais, com a Cassa Depositi e Prestiti VC, que representam o braço de capital de risco do Estado, participando no ecossistema diretamente com investimento em todo o ciclo de vida da start-up, bem como com um fundo de estratégia de fundos de apoio ao nascimento de novos fundos de venture capital em diferentes indústrias.
O cenário italiano de start-ups tem um imenso potencial e continua a evoluir, e, assim, tornou-se cada vez mais atraente, mesmo para potenciais investidores estrangeiros que sabem que investir agora em Itália é uma oportunidade. Então, novamente, talentos e competências não nos faltam. Assim, queremos ser um player estratégico até mesmo para o nosso ecossistema nativo, proporcionando-lhe uma abordagem e perspetiva internacional e permitindo ao investidor estrangeiro entrar em negócios italianos.
Em relação ao ecossistema Climate Tech, ainda estamos mais atrasados. Excluindo alguns investimentos feitos por VC generalistas, em Itália nenhum fundo ou veículo investe verticalmente em tecnologias destinadas a reduzir as emissões de CO2. Embora possamos ser um player menor, temos orgulho por sermos o pioneiro e único investidor vertical de capital de risco em tecnologia climática no país. Neste sentido, estamos também a trabalhar ativamente no sentido de estabelecer um comunidade Tech de VC em Itália.
“(…) continuamos a expandir a nossa base de investidores e o nosso ativo sob gestão, com o objetivo mínimo de atingir 2 milhões de euros até ao final de 2024”.
Que montante de investimento já angariou e quanto faz quer angariar?
M.M.: Lançámos oficialmente em março, reunindo nestes meses o primeiro grupo de mais de 20 business angels provenientes de Itália, Espanha e Portugal. O COREangels Climate é um fundo que não está fechado, o que significa que continuamos a expandir a nossa base de investidores e o nosso ativo sob gestão, com o objetivo mínimo de atingir 2 milhões de euros até ao final de 2024.
Quanto vão investir em start-ups?
M.M.: O nosso plano é criar um portefólio composto por aproximadamente 15 start-ups, com tickets de investimento individuais que variam entre 50 mil euros e 150 mil euros. É importante notar que atuamos principalmente como coinvestidores, o que serve como um fator mitigador de risco para nós. Apesar do nosso ticket de investimento ser relativamente mais pequeno e à estratégia de coinvestidor, graças ao nosso grupo de investidores internacionais e à nossa extensa rede dentro da COREangels, representamos um investidor estratégico para as nossas start-up e agimos para lhes trazer valor significativo.
Como vê a COREangels Climate daqui a três anos?
F.G.: A nossa ambição é completar o nosso período de investimento nos próximos três anos, capitalizando a nossa agilidade e capacidade de executar negócios rapidamente. Reconhecemos que os próximos anos apresentam uma janela de investimento única, oferecendo condições favoráveis para identificar start-ups early stage que possam desenvolver uma vantagem pioneira e, portanto, que tenham potencial para se tornarem futuros unicórnios. Portanto, despois de três anos, imaginamo-nos a entrar na fase de desinvestimento, continuando a apoiar o crescimento e expansão das empresas do nosso portefólio. Durante este período, iremos também definir e gerir ativamente estratégias de exit, garantindo uma abordagem completa ao ciclo de vida do nosso investimento.
“Para além das nossas principais atividades de investimento, o COREangels Climate pretende criar uma rede de parceiros corporativos, promovendo uma abordagem de inovação aberta”.
Que outros projetos podemos esperar do COREangels Climate no futuro?
F.G: Para além das nossas principais atividades de investimento, o COREangels Climate pretende criar uma rede de parceiros corporativos, promovendo uma abordagem de inovação aberta. O nosso objetivo é ajudar essas empresas a identificar soluções de tecnologia climática que não apoiem apenas as suas estratégias de descarbonização, mas que também melhorem as suas estratégias globais de negócio e operações. Já estamos a trabalhar neste sentido, colaborando com corporações proeminentes que nos procuraram para obter esse apoio.
O nosso papel vai além das empresas do nosso portefólio. Pretendemos servir de catalisador para soluções relacionadas com o clima, mesmo que não se enquadrem na nossa estratégia de investimento em termos geográficos, dimensão do investimento, estágio ou características específicas do negócio. O nosso foco será ajudar grandes corporações a descobrirem soluções que agreguem valor substancial na sua procura por estratégias net-zero.