Opinião
“Fogo que arde…e se vê!”

Portugal, país da “geração melhor preparada de sempre”, país que (e bem) recebe de braços abertos muitas das inovações tecnológicas e muitas das maravilhas da modernidade, é também um país que passa “do dia para a noite” em poucos dias, alternando um optimismo juvenil com um pessimismo por vezes doentio.
País de muitos contrastes e tantas belezas, é também um país que teima em ser “grande” em muitos eventos mobilizadores, em acontecimentos muitas vezes irrepetíveis e efémeros, e “pequeno” em muito do que obriga a preparação prévia, trabalho árduo e compromisso permanente.
Infelizmente, situação que se repete vezes de mais “desde que me lembro de ser gente”, voltamos este ano a chorar colectivamente, desta vez brutalmente, esta nossa característica de povo que tem tanto de fantástico como de indigente. Em Pedrógão Grande, onde o Estado falhou estrondosamente na sua função mais nobre, a de proteger fisicamente os seus cidadãos, assistimos a uma das maiores tragédias de que há memória. Para além de um dos incêndios florestais mais mortíferos da História portuguesa, europeia ou mundial, olhámo-nos ao espelho e o que vimos, do que é ser Portugal, assustou-nos. Assuntou-nos muito! E é bom que nos assuste e que não o aceitemos como inevitável!
Para nossa tristeza colectiva, poucos dias depois de Pedrogão, e como se tal não fosse suficientemente mau, assistimos estarrecidos ao furto de material militar num paiol de Tancos, roubado de uma forma inimaginável, de forma nem lembrada na famosa “guerra do Solnado”. Se tal é já de si demasiado grave, o que dizer quando acontece num mundo em guerra! Em guerra com quem abomina a nossa vida em liberdade. Liberdade pela qual tantos lutaram e muitos morreram ao longo de séculos. Liberdade pela qual – se a queremos merecer – teremos de continuar a lutar. Sempre!
Ao lermos, ouvirmos e vermos todas as explicações, todas as potenciais e reais causas apresentadas, tudo o que foi feito e tudo o que não foi feito ao longo dos anos, a sensação é de desespero e de enorme impotência. Mas não pode ser de desistência. Nunca!
Não é admissível aceitar que os incêndios sejam uma inevitabilidade, no número e dimensão com que todos os anos ocorrem em Portugal. E, ocorrendo, que não somos capazes de proteger a vida das populações. Não é admissível aceitar que possa ser roubado material militar, porque este não é responsavelmente guardado. Há um nível absurdo de irresponsabilidade e negligência na forma como, enquanto sociedade, se organizam os recursos existentes, com vista a alcançar os fins pretendidos. É exigível, e tem de ser possível, fazer muito mais e melhor com os recursos e conhecimento existentes. Há gente, há meios e há competências. Tem de haver vontade e capacidade para fazer e fazer bem.
Como se muda isto? Como se garante que tragédias destas não voltam a acontecer? Não tenho, ninguém tem soluções milagrosas e imediatas. Mas sei que, enquanto indivíduos, enquanto comunidade e enquanto país, se não mudarmos a forma como vivemos, como nos auto-responsabilizamos e responsabilizamos ou outros, não mudaremos nada de forma significativa em Portugal. E não é aceitável que não mudemos, estruturalmente. Por nós devemos fazê-lo. Pelos nossos filhos temos de o fazer.
Este é um artigo algo triste, num “Link To Leaders” que se quer alegre. Que promove – e muito bem – o optimismo, o empreendedorismo, os fazedores, os projectos e as empresas de sucesso! Mas todos nós, e em especial os jovens capazes de sonhar e executar o futuro, temos de ser relembrados de que, na vida, por trás dos momentos de felicidade desejados e dos sucessos a comemorar, existe trabalho árduo, responsabilidade e compromisso, individual e colectivo.
Porque sou um optimista, sempre e apesar de tudo, sempre e apesar dos momentos maus – alguns terríveis – com que a vida nos brinda, acredito que são os jovens, em idade e/ou em espírito, que fazem e farão de Portugal um país que vale a pena, um país onde todos queremos viver! Jovens que vale a pena alertar. E de quem são de esperar grandes feitos!
Uma nota final para um homem digno, Henrique Medina Carreira, que faleceu aos 86 anos sem nunca ceder nas suas convicções. Que descanse em paz.
Nota: Este artigo segue a antiga ortografia por vontade expressa do seu autor.