Opinião
EBITDA, um sonho nebuloso…
O EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) tornou-se num dos acrónimos mais utilizados no mundo financeiro.
Apesar da sua vasta utilização, este acrónimo é relativamente recente, sendo a criação atribuída a John C. Malone (então CEO da Tele-Communications Inc.) durante a década de 70.
Deixando de lado o motivo que levou Malone a criar esta métrica, foi durante os 80s que se popularizou, sendo utilizada frequentemente enquanto proxy para avaliar a rentabilidade de uma empresa. A simplicidade na sua determinação e a forma quase padronizada com que permite comparar várias empresas, apela, segundo Kahneman, ao Sistema 1 do cérebro humano. Sempre que possível, o ser humano prefere sistemas simples de reconhecimento de padrões, ao invés de utilização de processos mais lentos e racionais, como o cálculo e a correlação entre diferentes indicadores financeiros (Sistema 2).
Apesar da sua utilização quase diária, existem, no entanto, várias razões pelas quais este parâmetro não deve ser a base para pesquisa, decisões de investimento ou avaliações empresariais.
De forma (muito) resumida, o EBITDA nada nos diz sobre indicadores muito importantes do lado da receita, como a (i) Qualidade da Receita ou o (ii) Investimento em CapEX (capital expenditures).
- Qualidade da Receita – Nada podemos aferir sobre aquilo que é a estrutura de receitas da empresa em recorrência e/ou repetibilidade. Ou seja, a receita A, por exemplo, repete-se todas as semanas/meses ou foi um acontecimento esporádico e não repetível? Empresas com estruturas de receita recorrente são, por norma, mais estáveis e previsíveis. Peço-lhe, por favor, que pare de ler por dois segundos e pense na infinidade de subscrições mensais/trimestrais/anuais com que é confrontado no seu dia a dia. Desde o pagamento do ginásio, passando pela subscrição da NETFLIX (HBO ou outro), Spotify, Youtube, etc, chegando inclusivamente aos jornais online! Repare como as empresas preferem ter uma tipologia de receita recorrente e contratualizada, ao invés de vendas isoladas, em que, por exemplo, só compraria o jornal X quando a capa mencionasse o seu clube, o seu partido, a sua religião, ou qualquer gosto pessoal que tenha.
- Despesas de Capital (Capex) – Este é outro parâmetro sobre o qual o EBITDA nada nos diz. Empresas de capital intensivo necessitam de frequentes e avultados investimentos em novos equipamentos produtivos. Ou seja, quer pela via da depreciação dos seus ativos corpóreos e/ou pela amortização de financiamentos, um EBITDA de, por exemplo, EUR 2.000.000 (dois milhões de euros) poderá, deduzindo juros e impostos, traduzir-se num resultado líquido muito perto de zero ou mesmo negativo.
Concluindo, embora o EBITDA seja uma ferramenta útil, uma avaliação empresarial rigorosa obrigará, sempre, a uma combinação de várias métricas financeiras e análises qualitativas. Avaliações aos fluxos de caixa livres; margens de lucro; histórico de crescimento da receita; análises de dívida; e, muito importante, rendibilidade do capital investido, são indicadores imprescindíveis para uma avaliação empresarial justa. A utilização destas métricas e análises, em conjunto com o EBITDA, poderão então ajudar a formar um panorama mais abrangente – e realista – sobre a saúde e o verdadeiro potencial de uma empresa.
Para Marcus Aurelius, imperador e filósofo romano, a alma “é um sonho nebuloso”, tal como o EBITDA…
Bruno Silvestre é o fundador e o searcher de serviço da SLY Capital. Nascido e criado em Coimbra, é engenheiro mecânico e engenheiro europeu e internacional de Soldadura, tendo, mais tarde, concluído o seu MBA Executivo na Faculdade de Economia de Coimbra, antes de se lançar no empreendedorismo por aquisição.
Com 15 anos de experiência profissional em indústrias de referência como a aeronáutica militar e civil, indústria petrolífera e indústria extrativa, participou em projetos com elevado impacto nacional e internacional, como a implementação da filosofia de gestão LEAN na Manutenção da Esquadra101 da Força Aérea Portuguesa, no projeto KAOMBO da petrolífera francesa TOTAL e, recentemente, no Projeto de Expansão de Zinco da Sociedade Mineira de Neves Corvo, sempre em contextos multidisciplinares e multiculturais.