Opinião
Ao intervalo, Trabalho-1 – Capital-0.

Um dos adquiridos do discurso público dos últimos anos é de que a automatização do trabalho, sobretudo do trabalho repetitivo e mecanizável, acabará por destruir emprego em números nunca até agora vistos, mesmo em momentos de revolução tecnológica anteriores, como o advento da eletricidade ou da própria internet.
Eu mesmo me reuni ao número daqueles que escreveram sobre o famoso estudo da universidade de Oxford que previa a possibilidade do desaparecimento de 47% dos empregos hoje conhecidos nas duas próximas décadas. Mas, a verdade é que as sociedades no geral deparam-se hoje com o problema inverso: o do pleno emprego e da consequente falta de trabalhadores.
Os motivos variam. No Reino Unido, o Brexit combinado com a pandemia levou ao regresso maciço de emigrantes europeus aos seus países de origem. Segundo o Economic Satistics Centre of Excellence há cerca de 750.000 trabalhadores a menos na força de trabalho britânica relativamente a 2019. Mas, esse fenómeno conjuntural deve ser cotejado com o que se está a passar em toda a União Europeia e nos EUA. Na América, o número de vagas por preencher atingiu o número mais alto das últimas duas décadas.
Na Europa há países a reportar um crescimento de salários próximo dos 10% no último ano, como é o caso da Hungria. Por todo o mundo ocidental, faltam agricultores (até mesmo por cá, como o caso de Odemira tão eloquentemente demonstrou), mineiros, trabalhadores para restaurantes e hotéis. Há mais de 40 anos que a percentagem de remuneração do capital cresce sobre a tranche de remuneração do trabalho. Mas essa tendência parece finalmente estar a inverter-se. Finalmente, o crescimento das remunerações começa a suplantar o rendimento do capital. Longe vão os tempos em que Davos se debruçava, através dos bilionários lá presentes, sobre o desaparecimento do trabalho e em que poderosos tycoons (Bernikoff, da Salesforce, por exemplo) propunham a criação de rendimentos básicos universais para compensar tanto homeless em São Francisco.
Estamos pois perante a inversão da verdade aceite até há pouco de que a automatização e a Inteligência Artificial acabariam com o trabalho. Afinal há trabalho a mais e trabalhadores a menos e, são estes últimos que parecem estar a ganhar força de negociação.
Significa isto que a automatização abrandou de velocidade? Claro que não. A pandemia, na realidade, acelerou esse movimento. Os robots não adoecem e podem continuar a produzir sem precisar de vacina. O PIB dos EUA está praticamente ao nível de 2019 apesar de existirem hoje menos 7 milhões de empregados do que naquele ano. Isso só significa que a automatização continua a substituir o trabalho humano. Mas, ao mesmo tempo que isso aconteceu, o envelhecimento progressivo da população continuou com o número de reformados a engrossar, muitos procuraram ocupações por conta própria e abdicaram de receber um salário, encontrando ocupação na chamada gig economy (distribuidores de refeições Uber, por exemplo).
Finalmente, os movimentos anti-globalização começam a encontrar eco nos governos e muitos levantam barreiras alfandegárias a produtos asiáticos (Portugal é o maior produtor europeu de bicicletas, low e high tech. Sem as tarifas aduaneiras impostas às bicicletas chinesas, não se fabricaria por cá uma só bicicleta). O chamado on-shoring ganhou força e levantar de novo indústrias relacionadas com, por exemplo, equipamento de proteção pessoal é hoje uma prioridade. Finalmente, o aumento de salários na China leva a que indústrias inteiras voltem a ser competitivas em países como o México ou mesmo os EUA. Portanto, estamos em pleno naquilo que se chama o período de transição.
Por um lado faltam garçons e pedreiros. Por outro, produz-se cada vez mais com uma força de trabalho decrescente e com mais automatização. Mas de uma coisa podemos ter a certeza: no futuro, trabalharemos menos horas fora de casa e mais em casa, menos dias na semana e esta é a melhor parte, talvez quem trabalhe ganhe mesmo mais salário. Sobretudo se se dedicar aos trabalhos de rotina que ninguém quer fazer, mas que, durante algumas décadas ainda serão necessários. Quanto ao Futuro com letra grande… logo se verá!