Entrevista/ “Acho que os seniores podem ajudar a equilibrar o mercado de trabalho em muitas áreas”

António Moreira, fundador da Love It Portugal

“Ser empreendedor nesta fase exigiu de mim alguma abertura e disponibilidade para aprender”, explica António Moreira, que aos 62 anos antecipou a reforma para criar a plataforma Love it Portugal.

A Love it Portugal é uma plataforma de ecommerce 100% dedicada a promover produtos portugueses e que tem a particularidade de ter nascido da motivação de um empreendedor que, apesar de perto da idade da reforma, pôs mãos à obra e resolveu abraçar um novo desafio empresarial. Não dominava o universo do digital, mas não foi nada que o atrapalhasse. Aprendeu, rodeou-se da equipa e parceiros certos e hoje a sua plataforma já chega aos mercados europeus, assim como aos Estados Unidos e Canadá.

Um ano depois de ter iniciado a atividade, António Moreira falou ao Link to Leaders da sua ambição de fazer com que a “Love It Portugal seja conhecida e reconhecida como uma marca que divulga produtos de excelência 100% portugueses, por todo o mundo”.

O que o motivou a criar a Love It Portugal?
Por motivos profissionais, sempre viajei muito pelo mundo e, nos aeroportos, com os colegas de viagens, jogávamos o jogo do Stop com marcas por países. Nessas viagens, via Portugal pelos olhos de quem está de fora e tendo essa perspetiva algo diferente do nosso país, percebi que a riqueza do país era reconhecida em termos de clima, gastronomia, tradição, valores e até de condições de vida e trabalho, mas que Portugal tinha, na altura, poucas marcas que representassem e promovessem os seus produtos – e nós temos matérias-primas de altíssima qualidade, que são muito nossas e que nos permitem fazer produtos diferenciados.

Hoje, a situação a nível da projeção internacional do país é, felizmente, muito diferente e temos alguns setores que dão cartas a nível mundial, como o calçado, têxtil, cerâmicas, cortiça, vinhos, tecnológicas, entre outras, e existem já várias empresas que são para mim uma grande inspiração.

E foi este o mote para o lançamento da Love It Portugal. Apaixonado pela ideia e pelo país, antecipei a reforma, aos 62 anos, para me poder dedicar inteiramente a este projeto e, desta forma, ajudar a divulgar os produtos nacionais, não só junto dos portugueses, mas também junto da comunidade portuguesa no estrangeiro e junto dos estrangeiros que já nos visitaram e ficaram a gostar de Portugal.

Qual a sua experiência profissional anterior? Estava ligada a este setor de atividade?
O meu trajeto profissional sempre foi ligado, maioritariamente, à logística, transportes internacionais e supply chain, em empresas líderes de mercado, nacionais e multinacionais. Nunca tinha estado ligado ao ecommerce, nem nunca tinha tido uma marca minha. E, nesse sentido, a Love It Portugal veio desafiar-me em muitas áreas.

Em mais de 30 anos de carreira, que muito me orgulho, assumi vários cargos de direção, desde aduaneira, logística contratual, transportes nacionais e internacionais, projetos, operações, comercial, entre outros. Assumi também a direção do projeto logístico da Expo’98 em Lisboa, cargo de grande intensidade, mas que me deu uma enorme satisfação profissional e pessoal. Sempre fui uma pessoa de projetos e este projeto pessoal foi sendo adiado por razões várias, mas sempre esteve presente em mim.

“(…) ser empreendedor nesta fase exigiu de mim alguma abertura e disponibilidade para aprender”.

Como é ser empreendedor aos 62 anos?
Nesta idade, tenho uma larga experiência e muitas vivências válidas, que me permitem ter uma visão concreta do que quero e dos próprios negócios. Mas, por não ser nativamente da geração digital, há uma série de ferramentas para as quais eu não estava desperto. Então, ser empreendedor nesta fase exigiu de mim alguma abertura e disponibilidade para aprender.

Este é um projeto que me motiva muito a nível do conhecimento. Tem produtos físicos, que implicam uma seleção cuidada, e está baseado no online, o que implica conhecimentos noutras vertentes, nomeadamente tecnologias, marketing digital e redes sociais. E nesta matéria eu tinha um gap identificado: as redes sociais, plataformas que nunca tive e sobre as quais sabia que tinha muito a aprender – desde relacionamentos, ascendências, engagements, etc. Foi, por isso, que desde logo admitimos uma pessoa para me apoiar nessa área.

Fiz formações específicas, sobretudo de comércio online e marketing digital, e vi centenas de horas de vídeos no YouTube para me atualizar e formatar, quer sobre plataformas de ecommerce, quer de marketing digital. E tenho muitos mais para ver.

A Love It Portugal obriga-me a ter uma visão holística das várias vertentes do negócio, porque todas elas são muito importantes, e isso é um grande desafio.

E é fácil ser empreendedor em Portugal?
Não é fácil em Portugal, como não será em muitos outros países. Somos um país fantástico para viver, mas relativamente pequeno e com uma economia muito dependente do estrangeiro e com dificuldades de investimento.

Acresce que o Web Summit veio posicionar Portugal no radar das novas tecnologias, o que felizmente para o país e para os profissionais dessas áreas, fez disparar as solicitações desses profissionais, mas para as empresas que estão a iniciar, lança uma dificuldade acrescida na atração e recrutamento. E esta componente digital é central num projeto desta natureza. Felizmente que a fase inicial foi bem ultrapassada e, estruturalmente, temos um projeto sólido e tecnologicamente integrado.

Claro que gostaríamos de ter um budget maior para investimento em marketing digital, mas não o tendo, temos que ser mais criativos para atingir os objetivos.

Porquê uma loja online só com produtos 100% portugueses?
Online porque é onde tudo acontece e a opção que nos permite voar mais longe, chegar a um público mais alargado, a diferentes países até. Claro que, tendo uma loja física, a experiência de compra seria diferente, mas porquê ter uma loja, quando podemos ter uma loja aberta 24h para todo o mundo? Aí a escolha foi fácil e ter um espaço físico seria sempre um complemento, mas nunca a primeira opção.

Quanto ao tipo de produtos, a escolha também foi evidente: a minha ideia sempre foi promover Portugal através dos seus produtos, mostrando a nossa arte e qualidade, por isso, todos são totalmente portugueses, feitos com as nossas matérias-primas e fabricados no nosso país. Fazemos uma seleção criteriosa dos nossos parceiros, tendo em conta o design e a qualidade dos produtos, para garantir que oferecemos o melhor aos clientes, fugindo da massificação. Acreditamos que, no curto prazo, pode ser mais difícil, mas no médio prazo terá vantagens.

Que tipo de produtos oferecem?
Atualmente, temos cinco categorias de produtos, que depois se subdividem: filigrana, malas (para homem e senhora), acessórios, flores de cerâmica e artesanato. A filigrana é a categoria de maior sucesso entre os nossos clientes, contando com brincos, colares, fios, medalhas, pulseiras e botões de punho. Nas malas, temos opções em junco, em burel e em cortiça. Estes últimos dois materiais dão igualmente corpo a vários acessórios, como porta-moedas, estojos, malas de cintura e outras bolsas variadas. Temos ainda uma seleção de delicadas flores de cerâmicas, todas modeladas à mão, e algumas peças de artesanato, como os tradicionais galos de Barcelos, andorinhas, músicos e as típicas sardinhas, tudo pintado à mão.

“Estamos a ter uma boa aceitação em França e Reino Unido (…). Fora da Europa comunitária, disponibilizamos entregas para a Suíça, Reino Unido, Noruega, EUA e Canadá”.

Quem são os seus clientes?
Os clientes são, sobretudo, portugueses, tanto os que moram por cá, como os que estão emigrados – mas não só. Neste primeiro ano, esse foi o nosso foco, porque os portugueses serão sempre os nossos melhores embaixadores – conhecem os produtos, reconhecem a qualidade e têm orgulho de usar o que é nosso.
Ainda assim, demos já alguns passos em mercados internacionais. Estamos a ter uma boa aceitação em França e Reino Unido, onde estão rendidos à nossa filigrana e às nossas flores de cerâmica, que são verdadeiras obras de arte. Neste momento, estamos online para todos os países Europeus. Fora da Europa comunitária, disponibilizamos entregas para a Suíça, Reino Unido, Noruega, EUA e Canadá.

Em termos de género e idade, a maioria dos clientes são senhoras (75%) e, porque temos várias categorias de produtos, numa faixa etária um pouco alargada, dos 30 aos 50 anos

Um ano depois do lançamento, qual tem sido tem sido a recetividade ao projeto? 
A recetividade tem sido bastante interessante. O timing de lançamento não foi o ideal, porque coincidiu com o fim da pandemia e as pessoas estavam novamente a voltar às lojas físicas, e logo de seguida começou a guerra na Ucrânia, com todos os receios e contrações que bem conhecemos. Por isso, as nossas expetativas eram moderadas, mas têm sido superadas.

Este primeiro ano foi, sobretudo, de análise e aprendizagem: precisávamos testar os produtos, garantir que tínhamos os parceiros certos e os produtos ideais para transmitir aos clientes a mensagem que queremos passar. Tínhamos igualmente de garantir toda a funcionalidade dos nossos canais de venda e de comunicação. Ou seja, foi o ano zero, um ano que precisava de ser dedicado ao lado técnico, logístico e de produto e não tanto às vendas. Agora, tendo tudo a andar “sobre rodas”, vamos focar-nos mais nos clientes – que esperamos duplicar já este ano.

O ecommerce está bem e recomenda-se?
Durante a pandemia, o ecommerce ganhou uma nova vida, como todos sabemos, com a impossibilidade de visitar lojas físicas. E, pelo contrário, com o fim da pandemia, com uma enorme vontade de sair de casa, o comércio online decresceu – ainda assim, é inegável que estamos cada vez mais digitais e que nada bate o conforto, segurança e facilidade que uma loja online nos proporciona. Por isso, eu diria que sim, que ainda está bem e que se recomenda bastante e a prova está em todas as marcas físicas que têm hoje canais digitais.

Recentemente, a distribuidora DPD lançou o barómetro e-Shopper de 2022 que expressa precisamente isso: que os portugueses procuram cada vez mais lojas físicas, mas que ainda gastam cerca de 1.065€/ano online, apenas menos 5% face aos dados de 2021, ano de pandemia. A boa notícia para nós é que apostam, maioritariamente, no segmento de moda (61% das compras) – e aí nós temos opções diferenciadas, bonitas e versáteis para lhes oferecer.

Qual a estratégia da Love It Portugal para ganhar tração internacional? 
Estamos muito focados no digital, em canais que nos permitam ter um grande alcance. As redes sociais são, sem dúvida, um veículo de informação de excelência, mas queremos ir mais longe: vamos em breve dar entrada na plataforma Etsy, um marketplace global vocacionado mais para o artesanato e produtos mais visuais e criativos. Funcionará como uma extensão da nossa loja e vai permitir-nos chegar a um público mais específico, que gosta e procura este tipo de produtos.

O público europeu, e em particular o francês e do Reino Unido, são neste momento a nossa prioridade além-fronteiras, mas não vamos ficar por aí e em breve iremos apostar noutros mercados, nomeadamente a Suíça, EUA, Canadá e Japão. Já temos a marca e imagem registadas para toda a União Europeia, Reino Unido e Suíça e estamos em processo de registo nos EUA e Japão, pelo que o primeiro passo para a internacionalização da Love It Portugal está dado.

No digital, a abertura de mercados é fácil, o difícil é chegar aos públicos desses mercados e o digital é hoje muito caro, sobretudo ao nível do marketing e publicidade. E, neste momento, temos que definir prioridades e não podemos apostar em todos, mas lá chegaremos.

Que conselhos pode deixar às pessoas que, na sua faixa etária, queiram enveredar pelo empreendedorismo?
Cada caso é um caso, mas diria que temos de avaliar da forma mais honesta possível as nossas capacidades e, depois disso, fazer algo que nos dê prazer e estimule.

Na sua opinião o que podem os seniores, seja em pré-reforma ou já reformados, fazer pela dinamização empresarial no nosso país?
O nosso país tem um problema grave, que tem a ver com a taxa de natalidade. O rácio jovens/seniores está desequilibrado – e até muito, se compararmos com os países asiáticos. Neste cenário, acho que os seniores podem ajudar a equilibrar o mercado de trabalho em muitas áreas, onde possam aportar experiência e valor acrescentado e colmatar algumas falhas do mercado laboral.

“Além da vitalidade e dos novos conhecimentos, os mais jovens trazem uma coisa extraordinária que é a capacidade de sonhar e idealizar. Pelo seu lado, os seniores podem aportar a experiência e as vivências passadas”.

E o que podem/devem os mais jovens aprender com os mais velhos sobre negócios, empresas ou liderança?
Acho que podem aprender e progredir em conjunto. Além da vitalidade e dos novos conhecimentos, os mais jovens trazem uma coisa extraordinária que é a capacidade de sonhar e idealizar. Pelo seu lado, os seniores podem aportar a experiência e as vivências passadas. Creio que foi Jack Welch que disse que não contratava um executivo que nunca tivesse errado, porque sabia que os erros sempre acontecem, mais cedo ou mais tarde. E os seniores podem talvez acrescentar essa visão.

Que metas quer alcançar com o Love It Portugal?
O projeto está estruturalmente sólido e permite-nos projetar para novos mercados. Agora, o maior objetivo é que a Love It Portugal seja conhecida e reconhecida como uma marca que divulga produtos de excelência 100% portugueses, por todo o mundo. E, para isso, vamos todos os dias dando alguns passos e alcançando algumas metas. O caminho faz-se caminhando e nós queremos, a cada dia, estar um passo mais à frente.

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