Entrevista/ “A sobrevivência de uma start-up ou PME depende muito da área de negócio”

Peter Villax, presidente da Associação de Empresas Familiares

Resiliência e capacidade de adaptação são atributos que Peter Villax associa às empresas familiares nesta fase de crise. Em entrevista ao Link To Leaders, o presidente da Associação de Empresas Familiares falou dos desafios que os setores empresarial e empreendedor enfrentam no atual contexto sócio-económico. Acredita que “nos próximos meses vamos assistir a um regresso à “normalidade”, com calma, muita cautela e adotando as medidas necessárias”.

A Associação de Empresas Familiares nasceu em 1998 como uma associação privada sem fins lucrativos, de âmbito nacional e transversal a todos os setores de atividade. Hoje conta com mais três centenas de empresas associadas, com um peso significativo na vida económica do país.

Perante a atual crise, o seu presidente Peter Villax explica que, por um lado, uma empresa de média dimensão terá, em princípio, mais reservas para enfrentar a situação. Por outro lado, uma start-up tem uma capacidade maior de adaptação em termos de negócio e de recursos. Mas, seja qual a for a situação, o presidente da associação destaca a importância do papel do gestor, já que será esse que irá marcar a diferença, e lembra ainda que a inovação e criatividade dos empresários portugueses tem agora uma “prova de fogo”. Peter Villax acredita que nos próximos dois, três ou até seis meses vamos assistir a um regresso à “normalidade”, com calma, muita cautela e adotando as medidas necessárias”.

Quais as principais preocupações que lhe fazem chegar as empresas associadas nesta fase critica que o tecido empresarial enfrenta?
Vivemos uma situação sem precedentes, recebemos preocupações de todo o tipo dos nossos associados, mas também recebemos muita solidariedade. Temos neste momento várias empresas que responderam ao nosso apelo com a campanha “Empresas familiares a trabalhar por Portugal” e alteraram a produção das suas fábricas para produzir o que o país mais precisa neste momento, e isso é algo de que nos orgulhamos muito.

As principais preocupações que recebemos prendem-se com a dificuldade em escoar produtos, mais acentuado nas empresas exportadoras ou muito dependentes do turismo, o que leva a problemas de tesouraria, que por sua vez leva a uma enorme dificuldade em manter as empresas e fábricas em funcionamento.

“(…) quando uma família depende maioritariamente de um negócio há uma tendência para a união familiar no sentido de “salvar” a empresa”.

Como é que as empresas de cariz familiar conseguirão adaptar-se às consequências do Covid-19?
Uma das características das empresas familiares é a capacidade de resiliência e adaptação, porque o principal propósito de uma empresa familiar é a continuidade e a passagem para as próximas gerações.

Na maioria das empresas familiares, os sócios são membros da mesma família, o que leva a que a capacidade de resposta em situações de crise seja tendencialmente mais rápida comparativamente com as empresas não familiares. Por outro lado, quando uma família depende maioritariamente de um negócio há uma tendência para a união familiar no sentido de “salvar” a empresa.

Dado o atual contexto sócio-económico, todas as empresas vão ter grandes desafios para superar. No passado recente, na última crise, as empresas familiares souberam reinventar e foram um fator chave na retoma. Estou confiante que a história se possa repetir desta vez.

Pela sua especificidade estarão este tipo de empresas em melhores condições para sair ilesas no pós-Covid, ou é exatamente o contrário?
De uma forma geral, as empresas familiares estão pela sua natureza mais bem preparadas para situações excecionais como a que estamos a viver, porque têm normalmente uma gestão prudente. Porém, é natural que ou pela sua área de negócio ou por estarem já numa situação mais frágil, algumas não vão conseguir sair ilesas.

A situação económica que o Covid-19 despontou é totalmente nova, pelo que é difícil fazer futurologia, no entanto já sabemos que vai afetar fortemente o crescimento económico da maior parte dos países. Tudo vai depender do tempo que durar o isolamento social e de que forma os governos vão gerir a gradual flexibilização das medidas adotadas até voltarmos ao normal.

“(…) uma start-up tem uma capacidade de adaptação em termos de negócio e de recursos muito maior”.

E o caso das start-ups? Crê que atual situação de crise vai pôs em risco a sobrevivência de muitas delas?
A sobrevivência de uma start-up ou de uma pequena ou média empresa depende muito da respetiva área de negócio. As empresas que estão maioritariamente ligadas ao turismo, por exemplo, estão a passar grandes dificuldades, sejam start-ups ou não. Por um lado, uma empresa de média dimensão terá, em princípio, mais reservas para enfrentar situações de crise. Por outro lado, uma start-up tem uma capacidade de adaptação em termos de negócio e de recursos muito maior. Aqui o papel do gestor é fundamental e vai marcar a diferença.

A inovação e criatividade nacionais têm aqui uma prova de fogo?
Claramente que sim. E digo-lhe mais, é muito interessante ver a capacidade de inovar dos empresários portugueses. Na Associação das Empresas Familiares, temos assistido a muitos empresários de áreas afetadas pelo confinamento, a recusarem-se a fechar portas e, para isso, reinventam o seu negócio, transformam as suas fábricas e alteram unidades de produção.

“(…) a empresa que se veja numa situação financeira complicada a última coisa que vai querer é ficar endividada na incerteza de conseguir pagar mais tarde”.

Que avaliação faz das medidas de apoio governamental à economia e às empresas nacionais? Na sua opinião são suficientes ou estão aquém das expetativas?
É em situações como esta que faz diferença ser um país pobre e fortemente endividado comparativamente com a maioria dos países europeus. Penso que o Governo está a fazer o possível para apoiar as empresas tendo em conta o panorama geral, mas, claro que se pode sempre fazer mais. Por exemplo, a abertura de linhas de crédito às empresas são uma medida muito importante, no entanto, uma empresa que se veja numa situação financeira complicada a última coisa que vai querer é ficar endividada na incerteza de conseguir pagar mais tarde.

Outros países da União Europeia preferiram isentar as empresas do pagamento de impostos enquanto se mantiver esta situação, mas para isso é necessário que haja margem orçamental por parte do Estado para implementar este tipo de medidas. Por outro lado, o lay-off ajuda a garantir a viabilidade de muitas empresas, mas deixa algumas famílias em situações complicadas. Há sempre o reverso da medalha.Temos todos de fazer um esforço para juntos ultrapassar este período difícil.

Estima-se que mais de 70% de todas as empresas têm uma estrutura e uma propriedade familiar, que representam 50% do emprego em Portugal e 65% do PIB, e consideradas muitas vezes o “motor da economia”.  Como vai ficar a economia se este motor falhar?
Acredito que este motor tem ido às revisões com a periodicidade recomendada e que se encontra bem oleado para manter a sua atividade quase em pleno.

“Se não houver mais nenhum percalço pelo caminho e se este vírus não pregar mais nenhuma partida, até ao fim do ano o ecossistema empreendedor (…) deverá estar perfeitamente normalizado e adaptado a uma nova realidade”.

Sem querer fazer futurologia, como prevê que o ecossistema empreendedor nacional (envolvendo start-ups, incubadoras, investidores, venture capital…) vá sair desta crise?
Penso que nos próximos dois, três ou até seis meses vamos assistir a um regresso à “normalidade”, com calma, muita cautela e adotando as medidas necessárias. Se não houver mais nenhum percalço pelo caminho e se este vírus não pregar mais nenhuma partida, até ao fim do ano o ecossistema empreendedor que refere deverá estar perfeitamente normalizado e adaptado a uma nova realidade. No entanto, importa referir que tanto a vida empresarial como a vida pessoal dificilmente será a mesma… Quero dizer com isto que a maior parte dos novos negócios que surgirem e os investimentos que forem feitos, muito provavelmente terão a situação que estamos a viver presente e vão naturalmente acautelar-se e tirar daqui os respetivos ensinamentos.

“Juntos, Governo, empresários e sociedade civil vamos ter de nos reinventar para superar este desafio também!”

Que propostas concretas sugere aos agentes económicos e ao governo para que haja respostas rápidas para minimizar o impacto desta crise?
A melhor forma que o governo tem para minimizar o impacto da crise que aí vem é fortalecer o SNS através de bens, equipamentos adequados, meios humanos, organização e coordenação. Já para não falar na imperativa generalização dos testes ao Covid-19 e, posteriormente, dos testes de imunidade. Quanto mais rápida for a resposta do nosso sistema de saúde e mais depressa sairmos do isolamento/confinamento, mais depressa a economia regressa à “normalidade”.

O Governo está a dar o seu melhor para encontrar as melhores respostas para esta crise, como referi, o raio de ação económica do nosso país é limitado. Juntos, Governo, empresários e sociedade civil vamos ter de nos reinventar para superar este desafio também! Já o fizemos muitas vezes no passado.

Como pode a Associação de Empresas Familiares ser um elemento agregador de forças entre os diferentes players do mercado para que o regresso à normalidade se faça com menos danos possíveis?
A Associação é uma importante ponte, entre associados e Governo, e entre os próprios associados. No primeiro caso, tentamos transmitir aos nossos governantes as inquietações dos empresários portugueses e trabalhamos para, em conjunto, alcançar as soluções mais vantajosas para todos. No segundo caso, identificamos potenciais parcerias e oportunidades para e entre os nossos associados. Em ambos os casos estamos muito empenhados em reforçar a nossa atuação para apoiar ainda mais os nossos associados.

“Reinventem os vossos negócios, socorram-se das ferramentas tecnológicas de que dispomos atualmente e estejam atentos à necessidade do mercado.”

Que conselhos pode a Associação transmitir às suas associadas e às PME, de uma forma geral, para melhor ultrapassarem esta fase da melhor forma possível?
Primeiramente unam-se, as famílias e sócios para pensar como poderá ser o futuro da empresa. Não esquecer o bem-estar dos trabalhadores, são a força interna mais importante e decisiva para o sucesso ou insucesso da empresa. Reinventem os vossos negócios, socorram-se das ferramentas tecnológicas de que dispomos atualmente e estejam atentos à necessidade do mercado!

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