Entrevista/ “Por vezes os melhores negócios são aqueles que não foram desenhados nem pensados”

António Murta, managing director da Pathena

O cofundador e managing director da Pathena confessa que a sociedade de investimentos apenas investe em empresas que já tenham produto, clientes e, pelo menos, 500 mil euros de vendas nos últimos 12 meses.

A Pathena investe, desde 2007, em empresas pequenas que crescem potencialmente muito e que operam na área do conhecimento. Para quem não sabe, Pathena é uma homenagem à Deusa grega do conhecimento e sabedoria, Palas-Atena. Daí a associação desta sociedade de investimentos em ventures às empresas que apostam na área das Tecnologias de Informação.

Dos escritórios no Porto, ou em Minneapolis, nos EUA, a equipa liderada por António Murta gere uma carteira de participações em cerca de uma dezena de empresas nacionais, como a CardMobili, a Exago, a NMusic, a Stemmatters, a Vortal, a MedChronic, entre outras.

A Pathena tem, inclusivamente, criado valor em empresas que operam em mercados globais, a partir de Portugal. Exemplo disso são duas das empresas criadas pelos fundadores da Pathena, a Enabler, empresa integradora de sistemas de informação focada em retalho, e a Mobicomb, empresa especialista de Soluções Móveis, que foram adquiridas pela indiana Wipro e pela Microsoft, respetivamente.

Em entrevista ao Link To Leaders, António Murta fala do valor que a sociedade de investimentos aporta às empresas nas quais investe e de como vê a Pathena daqui a cinco anos.

Quantos investimentos foram feitos pela Pathena até à data?
Foram realizados 15 investimentos.

Quais os investimentos mais bem-sucedidos que foram realizados pela Pathena?
Nunca gostei disso do ‘melhor amigo’, sempre tive dificuldade a responder a essa questão. Temos investimentos bem-sucedidos, investimentos malsucedidos, e outros que ainda não sabemos o que serão (só se sabe na realidade no momento de exit).

Qual o requisito para que uma start-up possa contar com investimento da Pathena?
Requisito máximo não há… Em termos de requisitos mínimos, atualmente investimos em empresas que já tenham produto, clientes e, pelo menos, 500 mil euros de vendas nos últimos 12 meses ou um percurso de crescimento e sustentabilidade de vendas que permita antever esse valor a curto prazo.

Como está o processo para a ativação do primeiro Fundo de Investimento da Pathena?
Neste momento, temos cinco investimentos realizados e iremos realizar mais alguns, neste ano.

Considera que o financiamento é um entrave às tecnológicas nacionais?
Não, hoje em dia o entrave às tecnológicas nacionais não é o financiamento.

O que procuram os investidores portugueses?
Os investidores portugueses em empresas tecnológicas procurarão empresas com produto e modelo de negócio escalável internacionalmente. Isto associado a equipas empreendedoras com ambição e capacidade de afirmarem a sua oferta a nível internacional, com um ‘mindset’ de se complementarem para ficarem mais fortes, à medida que a empresa cresce, quer com colaboradores e sócios internacionais, quer com perfis com outras valências que aportem valor ao projeto. Isto pode parecer óbvio, mas a realidade mostra que nem sempre é assim.

Que fontes alternativas de financiamento têm os portugueses ao seu dispor?
Dependendo da fase em que está a empresa, deve-se procurar o perfil de investimento adequado. Há o momento para friends and family, para business angels, para venture capital (que pode ser seedearly stagegrowth…) ou private equity. E continua a haver espaço para a banca, em determinada fase da empresa. E há o momento para IPO (o mais difícil…).

É fácil ser-se empreendedor nos dias de hoje em Portugal?
É fácil ser-se empreendedor, não será fácil ser-se empreendedor de sucesso. Para se ter sucesso é preciso reunirem-se muitas condições, ter determinada atitude e muito, muito trabalho.

O que falta para transformar o amadurecimento que se tem sentido em Portugal na área da inovação e TI em competitividade?
Falta apurar a consciência dos empreendedores da importância de vendas e marketing no mercado global. Somos fortes em engenharia, mas, por vezes, somos desproporcionados no investimento que fazemos em engenharia vs. vendas e marketing, e falta um ecossistema organizado de investidores (em mercados mais evoluídos é mais fácil saber-se a que portas bater para determinada fase da empresa, em Portugal ainda pode ser confuso… há pouco fiz referência a diferentes tipos de investidores – noutros mercados é mais fácil identificar “quem é quem”, pelo foco que os próprios investidores assumem). Neste aspeto, ainda temos muito a fazer na construção de um ecossistema adequado.

Por que é que o setor das TICE ainda não ocupa uma posição destaque na nossa economia?
Porque só muito recentemente vemos uma atitude natural nos nossos empresários TICE para pensar global e grande. Começa a aparecer e vai melhorar nos próximos 10 anos…

As nossas tecnológicas são competitivas nos mercados externos? O que falta fazer?
Os nossos engenheiros são. Os nossos produtos podem ser. Falta mais peso em vendas e marketing, em canais, em parcerias internacionais, falta assumir de raiz que não seremos nós a fazer tudo, para levar as nossas soluções para os diferentes mercados….

Em que nível de desenvolvimento se encontra o sistema de capital de risco português?
Ainda com muito para caminhar e se fortalecer …

O António exerceu funções como diretor de Sistemas de Informação da Sonae Distribuição, fundou a Enabler, é sócio fundador de várias outras empresas de TI, entre as quais a MobiComp (adquirida pela Microsoft), a IT Peers, a Profimetrics, a QuiiQ e a Cardmobili. De que forma a sua envolvência multifacetada nestas empresas o ajudou a ser o que é hoje e a estar à frente da Pathena?
Cada investimento é uma experiência diferente. Na Pathena, somos muito presentes e ativos nos investimentos que fazemos, ajustando a contribuição às necessidades que as empresas têm e ao valor que cada sócio da Pathena pode aportar. Nalguns temas, não aportamos valor. Noutros, podemos aportar muito valor e ajudar a chegar de “A a B” à primeira, quando o empreendedor passaria pelo processo de tentativa e erro, queimando tempo e dinheiro, e podendo perder a janela de oportunidade. Aprendemos ao longo dos anos que é diferente liderar de influenciar; que um produto excelente com um mau modelo de negócio pode não valer nada; que pode estar “tudo certo” e falhar, se as pessoas não forem boas; que é importante termos uma direção clara, mas que, por vezes, os melhores negócios não foram desenhados nem pensados, pelo que é importante estar no sítio certo naquele momento… Cada experiência tem espaço de oportunidade de incorporar vivências e conhecimento adquirido em experiências anteriores, o que é muito valioso. Mas vai ser sempre diferente das anteriores, permitindo também aprender coisas novas para as seguintes. É muito interessante…

Como vê a Pathena daqui a 5 anos?
Com o atual fundo em fase de desinvestimento e com um novo fundo – focado em IT e Biomédica – em fase de investimento, será uma Pathena mais internacional, quer a nível dos seus investidores, quer a nível dos seus investimentos.

Foi lançado recentemente um conjunto de 60 medidas da iniciativa “Indústria 4.0”. Em que medida é fundamental a digitalização das empresas portuguesas?
É fundamental, na medida em que o mundo se digitaliza… Se as empresas portuguesas não se digitalizarem, ficarão ‘fora do mundo’. A função Chief Digital Officer que não existia há 5 anos, é hoje normal nas empresas.

As empresas portuguesas estão preparadas para a transformação digital?
Como em tudo, umas sim, outras não… Em geral, diria que sim, dado que Portugal é ‘letrado’ em novas tecnologias e tem excelentes engenheiros.

Um conselho a quem está a lançar uma start-up e procura investimento…
Idealizar, planear e entregar. É preciso ter ideias claras, ser convincente, acreditar. E é necessário planear, saber-se o que se quer, conseguir projetar o futuro com sustentação. O presente amanhã será passado. É preciso entregar todos os dias. Os ativos são perecíveis – um bom protótipo hoje é um mau produto daqui a 12 meses. Se consegui um bom protótipo em 3 meses, passados 9 meses tenho de ter uma boa primeira versão de produto (que foi pensado desde o início). É preciso entregar em contínuo. Entregar cria track record, gera confiança. E há a hora em que é preciso provar no mercado. São precisos clientes. Que digam bem, que referenciem, que ajudem a ter mais clientes, pelo que é preciso que a solução funcione. A partir daqui, os clientes são eles próprios investidores (as receitas que se obtêm com vendas são usadas para financiar o negócio). E, nesta altura, o empreendedor pode escolher os outros investidores, pois haverá vários interessados.

Respostas rápidas:
O maior risco:
 ter razão antes de tempo.
O maior erro: uma pessoa mal escolhida.
A melhor ideia: aquela que congrega forte valor económico (potencial e realmente entregue) com valor social (resolve um problema importante da Sociedade).
A maior lição: performances passadas não garantem performances futuras.
A maior conquista: a serenidade da consciência tranquila, inscrita nos Outros.

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