Opinião
VERÃO

No dia 31 de dezembro, muitos de nós não resistimos à tentação de dedicar, aos desejos que queremos ver cumpridos a nível profissional, uma ou duas passas engolidas sofregamente ao som das 12 badaladas. Um número mais reduzido, dedica tempo para fazer um balanço, decorridos seis meses do início do ano. São, todavia, poucos os que aproveitam a chegada do verão para planear os seis meses que restam até ao próximo inverno.
Parece-me que a maior parte de nós confia mais na sorte, apenas alguns dedicam tempo para avaliar o que aconteceu e raros são os que planeiam de forma séria o que querem fazer e ser nos próximos meses. Talvez por isso, este ciclo e estes hábitos nos façam sentir muitas vezes como hamsters numa roda que gira constantemente, que nos cansa e que não nos leva a lado nenhum.
Como quebrar este ciclo?
Um caminho possível parece-me ser precisamente confiar menos nas intenções generosas de final de ano e procurar mais tempo para parar e, sobretudo, para planear. Para tal, é importante perceber porque teimo a propor-me fazer sempre as mesmas alterações nas minhas rotinas e nos meus propósitos. Não estarei a ser demasiado ambicioso? Não estarei a ser demasiado exigente comigo próprio? Por outro lado, é essencial perceber o que se passou. O que é que não correu como o previsto? Ainda vou a tempo de emendar? E, por último, planear o que posso fazer num período de tempo que não seja demasiado curto nem demasiado longo. O que é exequível em seis meses? Como posso disciplinar-me para que aconteça efetivamente?
São perguntas aparentemente fáceis e “batidas”, mas para as quais raramente temos boas respostas. Porque não aproveitar este verão para tentar fazer diferente?
Os que gostam de sol e calor poderão aproveitar um passeio à beira-mar para se deixarem tocar e inspirar pelas ondas que nos molham os pés num constante vai-e-vem… Esse ritmo constante das ondas, esse movimento persistente que nunca se repete, pode ser um bom incentivo para pensarmos qual o sentido de algumas rotinas que teimamos em manter. Os mais desportistas podem aproveitar a adrenalina do kite-surf ou o equilíbrio em cima de uma prancha de padel para procurar perceber o que me desafia e me faz “sair de fora de pé”, bem como as melhores estratégias para gerir equilíbrios instáveis na minha empresa ou na equipa que lidero. Para os amantes de uma almoçarada “bem regada”, entre amigos, essa é também uma oportunidade para pensar no que queremos fazer diferente por aqueles que nos rodeiam e de quem gostamos (ou não) até ao final do ano. Acreditem que é também possível conjugar desporto ou bebida com introspeção e meditação… basta querer.
Mas o verão não é só praia e, por isso, os amantes do campo e do silêncio podem optar por um passeio por uma serra ou deixar-se ouvir nos silêncios das planícies acompanhados pelo canto das cigarras e pelos cheiros quentes da terra. Revisitar os nossos propósitos de inverno ao sabor do verão é um exercício que nos confronta com as nossas próprias contradições e que nos pode ajudar a crescer. O desafio de uma escalada, ajuda-nos a perceber porque não fomos perseverantes perante uma adversidade profissional. A imobilidade do campo, ajuda-nos a confrontarmo-nos com alguma futilidade da nossa permanente agitação e a tentar “saltar fora da roda do hamster”.
E para aqueles que vão passar o verão na cidade, uma visita a um museu pode ajudar-nos a descobrir novas perspetivas de ver a realidade e a perceber que nem sempre o que pensamos é verdadeiro ou está correto. Um passeio num parque ou o deambular pelas ruas da cidade far-nos-á relativizar o nosso absoluto e deixar-nos-á levar pelas encruzilhadas das vidas daqueles com que nos cruzamos. Talvez isso nos ajude a discernir melhor porque não cumprimos o que nos propusemos no passado dezembro e a pensar no que ainda podemos fazer até ao próximo dezembro.
O verão é uma excelente ocasião para pararmos no movimento da água do mar, para nos agitarmos na mansidão dos campos e para nos deixarmos tocar pelas idiossincrasias da cidade. Talvez assim consigamos revisitar o que nos propusemos fazer, perceber o que nos impediu e aprisionou nas rotinas de sempre e planear o que ainda vamos fazer até ao Natal.
Boas férias!