Opinião

Um Programa aquém dos desafios

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal

Na perspetiva de um novo ciclo político que agora se inicia, interessa antecipar os desafios que irão condicionar o futuro de Portugal nos próximos anos.

É à luz destes desafios que devem ser delineadas as políticas públicas que nos podem conduzir ao crescimento que aspiramos. O Programa do Governo identifica quatro grandes desafios estratégicos:

  • Alterações climáticas;
  • Demografia;
  • Desigualdades;
  • Sociedade digital, da criatividade e da inovação.

Acrescentaria, pela sua importância:

  • O desafio dos mercados globais, sujeitos às ameaças da onda de protecionismo que hoje vivemos, mas onde as empresas se habituaram, contra todas as adversidades, a explorar oportunidades para crescer.
  • O desafio do endividamento, do Estado e das empresas, onde encontramos um forte constrangimento ao investimento.

Serão necessárias, e aí estou em consonância com o Governo, políticas públicas e um ambiente económico nacional favoráveis ao investimento e inovação, à qualificação dos recursos humanos e à melhoria da competitividade externa.

No que diz respeito à qualificação dos recursos humanos, é possível identificar uma evolução positiva nas linhas de atuação preconizadas neste Programa. São criadas expetativas pela vontade de uma maior ligação da formação profissional ao mercado de trabalho, com o reforço da integração, flexibilidade e eficácia da respetiva política. Tudo isto vem ao encontro do imperativo da requalificação da atual força de trabalho que foi, justamente, enfatizado no recente Congresso da CIP.

No entanto, o Programa do Governo falha sobretudo pela insuficiência das medidas apresentadas com vista a um enquadramento mais favorável ao investimento e inovação e à competitividade externa.

Desde logo, no domínio da fiscalidade, não será o tímido aumento do limite máximo de lucros que podem ser objeto de reinvestimento, no quadro da Dedução de Lucros Retidos e Reinvestidos, ou a vaga promessa de melhoria dos incentivos fiscais ao I&D que responderão à necessidade, reconhecida pelo Governo, de “uma fiscalidade que favoreça o investimento e a capitalização das empresas”.

O Governo continua a rejeitar a redução do IRC (quer na taxa, quer nas derramas). Tendo em conta as reduções previstas em França, Portugal passará, brevemente, a ter a taxa marginal máxima de IRC mais elevada de toda a União Europeia. Não será este, certamente, o enquadramento fiscal adequado a um país que pretende atrair investimento.

Mais grave ainda, é o facto de o Programa do Governo abrir a porta a novos aumentos da tributação das empresas.

Para o investimento público, o Governo traça, corretamente, dois objetivos: melhorar a capacidade de resposta dos serviços públicos e melhorar as infraestruturas que contribuem para o aumento da competitividade da economia portuguesa. Mas a grande aposta no caminho de ferro pouco avança. A grande prioridade nacional que deveriam ser as duas ligações ferroviárias competitivas e diretas com os mercados europeus, em via dupla e bitola europeia, viabilizando um transporte de mercadorias eficiente, não é assumida.

Relativamente à capitalização e financiamento das empresas, o Programa é parco em medidas, não se vislumbrando uma estratégia de atuação sobre um sistema financeiro que continua a não ser capaz de redirecionar o crédito para os setores produtivos.

No domínio crucial da justiça, o foco está dirigido apenas aos cidadãos, com ausência de medidas dirigidas à justiça económica.

Em suma, o Governo subestima, na minha opinião, a aposta nas empresas e na sua produtividade como condição comum para vencer os desafios que, corretamente, identifica.

Ora, todos eles estão profundamente relacionados com a produtividade, seja oferecendo oportunidades que, se corretamente exploradas, potenciarão a sua evolução, seja como condição para que sejam ultrapassados com sucesso.

O problema está, pois, na insuficiência das medidas preconizadas. Seria preciso mais e melhor, seria preciso apostar verdadeiramente nas empresas, para escaparmos ao determinismo das previsões, que teimam em apontar para um longo caminho de abrandamento económico, e crescer a ritmos alinhados com a nossa ambição.

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Antonio Saraiva

Antonio Saraiva

António Saraiva nasceu em novembro de 1953 em Ervidel. Diretor da Metalúrgica Luso-Italiana desde 1989 e administrador a partir de 1992, adquiriu a empresa ao Grupo Mello em 1996, sendo atualmente presidente do conselho de administração. Começou a sua carreira na Lisnave, aos 17 anos. Completou o Curso da Escola Industrial e frequentou o Instituto Superior Técnico. Foi membro da Direção da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos de Afins de Portugal (AIMMAP), de 2001 a 2003, vice-presidente de 2004 a... Ler Mais..

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