Opinião

Em abril de 2008, o João Vieira da Cunha publicou um artigo** com o título “Terror ao Pequeno-Almoço”. Nessa crónica, o João contava como um diretor de vendas tinha o hábito de tomar o pequeno-almoço todas as quartas-feiras com os oito chefes de equipa do seu departamento.

Para cada um deles, esse encontro era motivo do maior pavor, ao ponto das suas mãos tremerem com medo do interrogatório que se ia seguir. Durante uma hora, eram sujeitos a um detalhado exame que acabava sempre por demonstrar a sua profunda incompetência e a sua total responsabilidade por tudo o que tinha corrido mal ou que podia correr mal. Esse gestor acreditava que o medo e a vergonha eram a melhor forma de espremer resultados dos seus colaboradores e, por isso, não hesitava em usar o terror com regularidade…

Passaram dez anos e agora quem quer gerir pelo medo já não precisa de convidar os colaboradores para o pequeno-almoço. Hoje, basta pegar no telemóvel. Isso mesmo foi demonstrado pelos acontecimentos recentes que têm ocupado longas horas de televisão e muitas páginas de jornais. Refiro-me ao dirigente desportivo que se tem destacado por gerir a sua equipa profissional de futebol humilhando-a publicamente, com os resultados que estão à vista de todos. Para nos tentarmos livrar das paixões e ódios que o futebol desperta, vamos imaginar por um instante uma situação semelhante numa empresa imaginária:

A Companhia Internacional (CI) tinha acabado de perder a primeira fase de um grande concurso público para a uma rival espanhola, a “Sociedad Anonima”. O presidente executivo da CI, inconformado com o resultado, pega no telemóvel e escreve uma mensagem pública numa rede social onde arrasa a sua própria equipa comercial. Comenta, um por um, o desempenho de cada um dos seus vendedores: os momentos em que não convenceram o júri por falta de concentração, quando foram excluídos da apresentação ou quando, em cima do prazo de entrega da proposta, não conseguiram juntar um último argumento vencedor.

No dia seguinte, quando a equipa comercial da CI se encontrou no escritório, não conseguiam acreditar. Nessa altura, até já estavam habituados às constantes mensagens de telemóvel através das quais o seu presidente manifestava o seu desapontamento quando um negócio falhava ou não tinha sido tão lucrativo como ele queria. “Ele é assim”, comentavam uns com os outros, encolhendo os ombros como quem quer justificar algo embaraçoso. Mas desta vez sentiram que tinham de reagir, de dizer que não aceitavam que o seu profissionalismo fosse denegrido em público, pois já bastavam as humilhações privadas. Publicaram um texto na mesma rede social a dizer isso. O presidente da CI não gostou e enviou uma nota a dizer que estavam todos suspensos com um processo disciplinar.

O diretor comercial, que até aí não se tinha envolvido no problema, tentou diminuir a tensão. A empresa não podia parar, até porque havia muitos concursos com prazos a terminar em breve. A segunda fase do concurso europeu estava à porta e ainda podiam ganhar à “Sociedad Anonima”. Pediu ao presidente para ele se encontrar com a equipa comercial e acreditou que conseguia apaziguar os ânimos. Para sua surpresa, a reunião piorou ainda mais o ambiente. Conseguiu, pelo menos, que a ideia de suspender os vendedores fosse abandonada, mas a reunião foi preenchida com ameaças. Os vendedores decidiram, ainda assim, dar o seu melhor.

Ganharam alguns critérios de avaliação no concurso europeu mas acabaram por perder o grande negócio para o rival espanhol. No concurso nacional, pelo menos, estavam perto de conseguir um contrato importante que lhe abriria as portas para uma oportunidade internacional no ano seguinte. Na véspera de entregar essa proposta, porém, o presidente resolveu dar uma entrevista ao maior jornal do país onde voltava a queixar-se da sua própria equipa de vendedores. Tinha o melhor produto, acreditava ele, mas os seus vendedores comportavam-se, afirmou ele, como meninos mimados que não sabiam ouvir uma crítica. Em vez de fecharem a proposta, os vendedores só conseguiam pensar no que o seu presidente tinha voltado a dizer sobre eles. Escusado será dizer que perderam esse concurso…

A época de vendas terminou. Dois dos principais vendedores foram os primeiros a demitir-se da empresa, invocando justa causa. Seguiu-se o diretor de vendas, que ainda assim conseguiu negociar boas condições de saída desde que não falasse sobre a empresa de onde saiu. Tinha uma “cláusula de confidencialidade”, explicou ele quando lhe pediram para comentar. Os acionistas começaram a ver a empresa a perder ativos e quiseram substituir o presidente executivo mas este recusou-se a sair dizendo que não tinha feito nada de mal. Os clientes da empresa começaram a ficar preocupados – quem ia garantir as vendas no ano seguinte? Os fornecedores ficaram com receio de entregar encomendas e a produção parou. Os acionistas recorreram aos tribunais e ficou tudo em suspenso. Conseguirá a Companhia Internacional sobreviver a esta confusão?

Embora qualquer semelhança com a realidade seja pura coincidência, o absurdo desta situação é ainda mais gritante quando se imaginam acontecimentos equivalentes numa empresa. Não é difícil imaginar outros gestores que, quando se sentem em causa, são tentados a usar o terror para melhorar os resultados. Este caso mostra que é muito fácil produzir o efeito contrário, desmotivando e distraindo aqueles que podiam, por ironia, ser a solução para o problema. Num clube de futebol, uma situação destas faz parar o país, suspenso dos próximos acontecimentos. Mesmo quando as consequências estão à vista de todos, ainda há muitas vozes que parecem apoiar a conduta de quem gere desta forma. Se é assim à vista de todos, quantos casos parecidos acontecerão atrás de portas fechadas, em empresas muito ou pouco conhecidas?

* O “Terror ao Pequeno-Almoço – A Gestão que Preferia não Conhecer”

** O artigo do João Vieira da Cunha que menciono foi publicado originalmente no Diário Económico, na coluna “Discutir a Gestão” que era partilhada pelo João, por mim e pelo José Manuel Fonseca. Foi também incluído no livro com o mesmo título que os três publicámos em 2013.

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Rui Grilo

Rui Grilo

Rui Grilo é diretor do setor de educação da Microsoft para a Europa Ocidental. Ingressou na multinacional no final de 2009 para dirigir o negócio de educação na subsidiária portuguesa, tendo transitado três anos mais tarde para a estrutura europeia, como Education Solutions Specialist. Doutorado em mudança organizacional em 2005 pela Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido, a sua carreira profissional tem-se desenvolvido em empresas de relevo nos setores das telecomunicações e tecnologias da informação. Fez parte dos quadros da... Ler Mais..

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