Opinião

The great resignation: o grande arrependimento e a desistência silenciosa

Carlos Rocha, economista e gestor*

Deus fez do arrependimento a virtude dos mortais (Voltaire).
Não restam dúvidas, tal como temos estado a escrever, ainda não conhecemos na sua totalidade, as consequências e sequelas da pandemia da Covid-19 nos vários aspetos da vida em sociedade.

Ao nível da saúde física, apesar da maioria das pessoas que teve Covid-19 ter-se recuperado completamente, desconhecem-se quais as implicações a longo prazo, nomeadamente os efeitos da Covid longa que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), afetou cerca de 145 milhões de pessoas em todo o mundo. Esta organização estima que entre 10 a 20 por cento dos pacientes desenvolvem a Covid longa.

Do ponto de vista da saúde mental, o que se sabe, segundo dados da OMS apresentados em março passado, é que a taxa de suicídios aumentou em mais de 25% a nível mundial, o que demonstra que a Covid-19 teve um forte impacto na saúde mental e no bem-estar das pessoas. Agora em setembro foi revelado um estudo denominado “Survey Attack: Relatório de Bem-Estar Teletrabalho 2022” onde se revela que, desde o início da pandemia, 34,4% dos profissionais europeus em teletrabalho se automedicaram para melhorar o seu bem-estar.

No mercado laboral temos estado a acompanhar os efeitos que a Covid tem tido no mercado de trabalho dos Estados Unidos da América (EUA) e as tendências que surgem e que depois se propagam pelo mundo. Para o entendimento deste fenómeno, precisamos cruzar duas áreas cientificas; a Economia do Trabalho e a Gestão dos Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas.

Enquanto que a Economia do Trabalho procura compreender a influência dos aspetos macroeconómicos no funcionamento e na dinâmica dos mercados de trabalho, a Gestão dos Recursos Humanos procura aplicar um conjunto de técnicas especificas na gestão das relações das pessoas com as organizações, visando atingir os objetivos organizacionais, proporcionando a satisfação dos colaboradores. No artigo anterior abordamos três fatores que influenciaram a dinâmica do mercado laboral nos EUA.

O movimento The Great Resignation (que temos tratado aqui, aqui e aqui) surgiu como uma consequência direta da pandemia. Mas o fenómeno já não se resume ao mercado dos EUA onde retirou cerca de 500.000 pessoas do mercado laboral, segundo dados do National Bureau of Economic Research. Também no Reino Unido, dados das estatísticas oficiais, mostram que cerca de 642.000 pessoas com menos de 65 anos deixaram de trabalhar desde a pandemia, sendo que 350.000 devido aos efeitos de longo prazo da Covid. Ao mesmo tempo, a taxa de desemprego caiu para valores historicamente baixos, ou seja 3.6% reflexo da saída de pessoas do mercado laboral. Por idades, os maiores de cinquenta são os que lideram a “desistência silenciosa”.

Desistência silenciosa

Pois, temos mais um fenómeno, chamado de “desistência silenciosa” (quiet quitting), um movimento que surgiu (na rede social TikTok) na esteira da pandemia da Covid-19, em que os trabalhadores resolveram abandonar o empenho constante e fazer apenas o mínimo que lhes é exigido por lei. Os defensores argumentam que é uma resposta à cultura abusiva que se vive atualmente no mundo laboral, mas também uma das sequelas sociais da pandemia.

E qual o comportamento de um(a) demissionário(a) silencioso(a)? É uma relativa apatia face ao trabalho, não fazendo além do mínimo exigido nem se esforçando além do exigido. Por exemplo, alguém muito empenhado, que trabalhava para além do horário e que respondia à correspondência fora do local de trabalho, passa a sair pontualmente no horário definido e deixa de responder às mensagens.

Há quem considere isso como uma consequência da insatisfação no local de trabalho, o que deve merecer a atenção dos gestores de recursos humanos. Uma sondagem da Gallup estima que os desistentes silenciosos já são cerca de 50% da força de trabalho nos EUA.

As empresas e os seus gestores também devem-se preocupar devido ao efeito que esse comportamento pode ter na produtividade. Segundo dados do Bureau of Labor Statistics nos EUA, a produtividade não agrícola nesse país caiu 2.5% no segundo trimestre, um valor nunca visto desde 1948. Trabalho remoto, fadiga de Zoom e confinamentos, tudo são efeitos da Covid e que causam estes fenómenos.

Grande arrependimento

Ainda nos EUA, devido à Covid e ao confinamento, a cada mês, cerca de 4.2 milhões de trabalhadores desistiram dos seus empregos, e já lá vão cerca de 21 meses. Consequentemente, o mercado laboral ficou mais favorável aos trabalhadores e as empresas tiveram que pagar muito mais para reter os talentos ou para contratar novos para substituírem os desistentes. Assim, os trabalhadores conseguiram ganhos ao nível dos salários, da autonomia e da flexibilidade, enquanto que outros optaram por abrir negócio próprio.

Mas uma grande fatia desses desistentes, ou que mudaram de emprego, não ficou satisfeita com o novo emprego e, com o mercado laboral ainda a seu favor, conseguiu, ao fim de pouco mais de um ano, retornar aos seus antigos empregos. Estes trabalhadores desistentes que retornaram ao seu antigo trabalho são agora categorizados como trabalhadores bumerangue e formando o movimento do grande arrependimento (great regret). Segundo uma pesquisa mais recente da empresa Visier, os bumerangues ganham atualmente mais 28%, enquanto que os que apenas mudaram de emprego ganham apenas mais 10% (segundo a Pew research Center) relativamente aos trabalhadores que permaneceram nas empresas.

Dados da Joblist´s de junho mostram que 26% se arrependeram, enquanto a Harris Pool mostra cerca de 20% de arrependidos. São basicamente três as razões para o arrependimento: i) não encontraram um melhor emprego, ii) o novo emprego não foi o que estavam à espera e iii) tiveram saudades dos colegas e do seu antigo emprego.

É caso para dizer, o grande arrependimento reflete a frase “Quando estás bem e não sabes”!

*As opiniões são apenas do autor e não vinculam nenhuma instituição.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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