Opinião

The great resignation: o grande desafio para os gestores do capital humano

Carlos Rocha, economista e gestor*

O vínculo organizacional. A pandemia vai-nos deixando dois legados: o trabalho remoto ao nível mundial e a grande demissão nos Estados Unidos (EUA). Ambos os fenómenos estão relacionados com a natureza do vínculo entre os colaboradores e as instituições.

A 12 de fevereiro de 2019, escrevia um artigo sobre o relacionamento entre os  colaboradores e as suas organizações, cujo título era O que o liga à sua organização?, onde eu abordava a questão do tipo de vínculo que os colaboradores desenvolviam com a instituição.

Parecia-me que, para além de já não haver emprego para toda a vida, o vínculo estaria enfraquecendo devido a fatores tais como a tecnologia, o estado da economia (traduzida em ciclos económicos) e as competências dos colaboradores ou, de uma forma mais geral, o próprio colaborador enquanto pessoa.

Nessa altura, faltavam 13 meses para que a Covid-19 surgisse e fosse declarada pandemia, que, de entre várias marcas, deixa o fenómeno do teletrabalho, a partir de casa, assunto no qual abordei com o título Lar, doce (lar) escritório, e o fenómeno da grande demissão, no qual já escrevi, a 4 de fevereiro de 2022 com o título de The great resignation: moda ou tendência? .

Contextualizando, a grande demissão é o fenómeno de demissão em massa de trabalhadores no mercado laboral dos EUA durante a pandemia da Covid-19, mas já com alguma repercussão neste lado do Atlântico (principalmente no Reino Unido). O fenómeno parece ser simples, mas as causas e as consequências são diversas.

O teletrabalho que, a princípio, foi visto como algo muito positivo para os trabalhadores por permitir estar mais tempo em casa e poupar nas deslocações, posteriormente veio a revelar que não era bem assim; muitos trabalhadores acabaram por sentir o peso da solidão que se refletiu negativamente na saúde mental, daí a necessidade de regressar o mais rapidamente ao escritório.

Para as organizações também pode não ter sido a melhor solução em termos de manutenção dos valores e cultura organizacionais porque a ausência física prejudicou a comunicação interpessoal e a colaboração. Este fenómeno representa um grande desafio para os gestores do capital humano.

Considero que a grande demissão pode ter sido o resultado de três fatores que se desenvolveram graças à pandemia de Covid-19 e catalisada pela tecnologia: o fator sanitário, o fator preferências individuais (competências, autonomia e liberdade) e o fator económico (ciclos económicos).

Fator sanitário: foi sem dúvidas um catalisador durante o confinamento, onde só era possível, à maioria, trabalhar a partir de casa.

Fator preferências individuais: ao serem obrigados a trabalhar a partir de casa, a grande maioria dos trabalhadores experimentou a flexibilidade, a autonomia e a liberdade, em contraposição com os horários e deslocações rígidas ao local de trabalho. Com o fim das restrições, muito destes trabalhadores preferiram a demissão, seja para darem um novo rumo às suas vidas profissionais, seja para cuidar dos filhos menores.

Fator económico: o terceiro fator é, sem dúvidas, o económico, na medida em que, em fases de crescimento económico, a tendência dos trabalhadores, em mercados flexíveis como nos EUA, é demitirem-se para poderem procurar novos empregos com salários mais elevados. É o que tem ocorrido desde o ano passado nos EUA onde até abril, pelo décimo mês consecutivo, acima de 4 milhões de americanos por mês, deixaram seus empregos. Paradoxalmente, só em fevereiro foram contratados mais de 6.7 milhões de trabalhadores, o que mostra a dinâmica de um mercado laboral flexível, onde as demissões e contratações são normais e rápidas. Como consequência direta desta grande demissão, houve um aumento nos salários médios, tal como mostra o organismo responsável pelas estatísticas laborais nos EUA: os salários por hora, em fevereiro, aumentaram 5.1% em relação ao ano anterior. Já em abril este ganho médio foi de 0.3%.

No Reino Unido, pela primeira vez desde que há registos, as ofertas de 1.3 milhões de vagas de emprego superaram, entre fevereiro e abril, o número de desempregados que era de 1.2 milhões, provocando um aumento forçado nos salários. Nos EUA, havia duas vagas para cada trabalhador disponível para trabalhar.

Isso pode mostrar que a grande demissão não foi tendência, exceto para os trabalhadores acima dos 50 anos que, definitivamente, se aposentaram, pois, os restantes tenderão a voltar ao mercado, mas em setores/atividades diferentes e com melhores salários.

Lições: entretanto já podemos aprender algumas lições com a grande demissão; os benefícios da flexibilidade do mercado laboral, permitindo demissões e as contratações de forma quase instantânea; e o empoderamento efetivo dos trabalhadores (sem nenhuma organização de defesa por de trás) ao provocar um aumento dos salários.

Mas há que ter em atenção que este fenómeno pode ser uma acha para a fogueira de inflação.

Desafio: os gestores do capital humano terão de pensar fora da caixa na tentativa de mitigar a grande demissão e terão de explicar esse fenómeno à alta administração. Terão de explorar mais ferramentas como o People Analytics, quer na vertente de talent pipeline, quer na avaliação da eficácia dos esforços de retenção, e entender o desempenho dos funcionários e a produtividade da força de trabalho. Boa sorte.

* As opiniões são apenas do autor e não vinculam nenhuma instituição.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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