Opinião
The great resignation: moda ou tendência?

À entrada do terceiro ano, já não tencionava voltar a escrever acerca da pandemia. Baseado nas minhas previsões de leigo e na minha confiança na ciência, para mim seria uma questão de meses, a partir da vacinação, para que a vida voltasse ao antigo normal.
Mas a vacinação teve uma geometria variável entre os países e por isso cheguei a ecoar vozes que se manifestavam sobre ou contra a desigualdade na distribuição das vacinas, o que poderia implicar atrasos na irradicação da pandemia e poderia provocar o surgimento de variantes de preocupação.
Mas parece que ainda não vencemos esta batalha, não obstante o esforço e o esgotamento pessoal dos que estão a usar todas as suas capacidades técnicas, humanas e profissionais para que, um dia, a humanidade possa livrar-se desta pandemia.
Reorganização das cadeias de valor
Continuamos focados no combate, mas ainda não sabemos as sequelas, principalmente ao nível da saúde das pessoas, não obstante já estarem identificados sintomas do chamado covid longo. Do ponto de vista económico, uma das implicações é a necessidade de se repensar a cadeia internacional de abastecimentos, que era considerada otimizada num contexto de especialização internacional, mas a realidade mostrou que, com a emergência de novos riscos (pandemia), esta cadeia de abastecimento pode precisar de ser readaptada. Devido a este facto muitos países hoje repensam as suas estratégias de re-industrialização e diversificação. Isso cria uma tendência de reorganização da cadeia de abastecimentos internacionais e alterações na cadeia de valor dos produtos e serviços.
Reorganização sócio económica do trabalho
Há também um novo fenómeno que se observa no mercado laboral, principalmente, dos Estados Unidos da América (EUA) que merece alguma atenção porque ainda não são totalmente conhecidas as causas. O fenómeno precisa ser estudado e compreendido para que se possa, ao nível macro ter políticas públicas, e ao nível micro, políticas para se adaptar ao novo contexto, pois poderá implicar uma reorganização económica, tecnológica, social e familiar do trabalho. Tal como ainda há muitas perguntas sem resposta sobre a covid, também sobre este fenómeno ainda faltam muitas respostas. Falamos especificamente do autodespedimento ou The great resignation, termo cunhado por Anthony Klotz, psicólogo organizacional e professor da Texas A&M University.
Dados do Departamento do Trabalho dos EUA mostram que só em novembro de 2021, um recorde de 4,5 milhões de trabalhadores deixaram os seus empregos. O mesmo serviço mostra que em setembro este valor tinha sido 4.4 milhões de trabalhadores, e que havia 10.6 milhões de empregos disponíveis para 6.9 milhões de desempregados.
Os especialistas apresentam alguns dados e tentam encontrar as respostas às interrogações. Vamos aos dados, e o que se sabe é que é no setor dos serviços onde se verificou esta sangria de força de trabalho: educação, saúde, distribuição, hotéis e restaurantes. Facilmente se verifica que são estas áreas as mais afetadas pela pandemia e pelas medidas de confinamento, pois são sectores que envolvem muito contacto pessoal.
Não existindo ainda explicações, o que é apresentado são apenas hipóteses: pode ser o desgaste destes profissionais durante mais de dois anos de pandemia e terão agora uma janela de oportunidade para recuperar forças, repensar a vida ou eventualmente reconversão e o autoemprego, o desejo de assumir o controlo do seu trabalho e vida pessoal. Como argumento a favor apontam a necessidade de cuidar dos filhos até 5 anos na sequência do fecho das creches, um fenómeno que afeta mais as mulheres.
Poderá ser o receio de contaminação, dado a forte exposição aos contactos pessoais e medo de contaminar familiares? Como argumento apontam a saída de muitos trabalhadores mais velhos, acima dos 55 anos, provavelmente com problemas crónicos de saúde.
Mas também pode ser a reconquista de maior autonomia e mais flexibilidade por parte dos profissionais, num contexto em que já é possível o trabalho remoto. Ou seja, se for o caso, estaremos então perante uma tendência que seria a de os colaboradores serem mais independentes, terem mais flexibilidade, estarem mais com a família. Neste caso estaremos perante a necessidade de reorganização económica e social a vários níveis: primeiro, as empresas perderão colaboradores pelo que terão de recorrer mais ao outsourcing, quebrando algum vinculo laboral e enfraquecendo a força laboral, a cultura e os valores organizacionais. Em vez de trabalhadores em regime de teletrabalho, passaríamos a ter prestadores independentes a prestarem serviço a partir de casa, em regime de outsourcing. Isso coloca também questões de cibersegurança.
Ao nível macro, pode ter implicações ao nível do sistema de segurança social que terá de ter mais recursos para subsídios de desemprego, pois poderá ser mais fácil um indivíduo prestador de serviço se encontrar em regime de desemprego, relativamente a um trabalhador da empresa.
Uma outra explicação possível tem a ver com os programas de apoio social fornecidos pelo governo, mas que já estão terminando, ou seja, quando os créditos fiscais terminarem e os estudantes terem de retomar os pagamentos, provavelmente implicará o retorno ao mercado de trabalho.
Contexto desafiante
Em que contexto tudo isso se passa? É um contexto desafiante para os lideres a diversos níveis: endividamento das economias para fazer face à pandemia, inflação elevada, disrupção na cadeia de abastecimentos internacionais o que complica mais a oferta e lança mais elementos para a inflação, baixas taxas de crescimento económico, altos custos de transporte internacional e subida dos preços do petróleo, sem descurar as questões geopolíticas.
Moda ou tendência
Senhoras e senhores líderes, o autodespedimento, se for tendência, será uma questão de tempo até atravessar este outro lado do atlântico. Este pode ser o momento de auto empoderamento para os trabalhadores. Como lidar com este novo fenómeno, que pode ser mais uma sequela da pandemia?