Entrevista/ “Ter dados só por ter não cria valor às organizações”

Tem pouco mais de um ano de atividade, mas já tem as suas soluções de analytics em três continentes. João Paulo Oliveira, cofundador e CEO da BiLD Analytics, explica a história desta empresa que nasceu de uma spin-off da NOVA IMS.
Com o foco no desenvolvimento de modelos preditivos que ajudam as empresas a atingir os seus objetivos, a jovem BiLD Analytics fechou o primeiro ano de atividade com presença em três continentes – Europa, EUA e Ásia. O projeto criado por dois amigos, e com a parceria da start-up The Loop Co.,tem soluções analíticas em diferentes segmentos, com foco em Business Intelligence e Data Science. Quer continuar a aposta no mercado internacional, onde já tem uma presença forte e onde é possível encontrar desafios interessantes e valiosos.
Como surgiu a BiLD Analytics?
A BiLD analytics nasceu na sequência de um trabalho de grupo do mestrado em Information Management & Business Intelligence, da Nova Information Management School (considerado por três anos consecutivos o melhor mestrado do mundo nesta área), em que os dois sócios fundadores se conheceram, ou seja, eu e o Diogo Dias. Nascemos assim como spin-off da Universidade Nova de Lisboa. Nesta fase inicial, a empresa foi investida pelo grupo The Loop Co., permitindo desta forma criar os meios e a estrutura para a empresa crescer.
O primeiro passo foi dado por sentirmos que o potencial de analytics nāo estava a ser aproveitado ao máximo nas multinacionais onde trabalhávamos. Decidimos demitir-nos e criar a BiLD analytics, com o intuito de pôr ao serviço das empresas as melhores técnicas e os melhores softwares mundiais que permitem criar valor empresarial através dos dados.
“Tivemos de ter a coragem de largar empregos estáveis e começar uma aventura do zero (…)”
Quais os maiores desafios que enfrentaram até aos dias de hoje?
O início é sempre o mais difícil. Tivemos de ter a coragem de largar empregos estáveis e começar uma aventura do zero: sem clientes, sem dinheiro e sem colaboradores. Felizmente, tivemos a resiliência e confiança no valor que conseguimos acrescentar. Além disso, encontrámos um parceiro que acreditou no nosso valor e nos aportou a estrutura e capital financeiro necessários ao nosso crescimento, a The Loop Co.
Hoje, pouco mais de um ano volvido, temos a segurança de uma equipa sólida e alargada e um conjunto de clientes que continuam a acreditar em nós.
Quais os serviços que oferecem?
A proposta que oferecemos, apesar de totalmente focada na área de analytics, é bastante alargada e pretende responder aos desafios globais que cada uma das empresas enfrenta nesta área. Dividimos o nosso trabalho em quatro áreas: consultoria na definição da estratégia global de analytics de cada organização; desenvolvimento dos projetos necessários para a execução desta estratégia, numa perspetiva chave na mão; training, ou seja, trabalhamos com os clientes para fazer upskilling das equipas internas, de forma a que estejam preparadas para os desafios desta nova área e ainda outsourcing, isto é, colocamos alguns dos nossos consultores mais experientes nos clientes, de forma a poderem ajudar internamente as equipas de desenvolvimento.
De que forma têm ajudado outras empresas a usar dados e informação para melhorar a sua performance?
Apesar da nossa curta existência já encontrámos clientes com necessidades muito diferentes. Apoiámos, por exemplo, a criação de ferramentas de gestão para clientes em que os processos ainda são geridos através de folhas de excel partilhadas entre os diferentes colaboradores e onde é necessário implementar processos automáticos e eficientes. Por outro lado, também prestámos serviços de automatização de reporting, isto é, geração de reports automáticos, através de dashboards, sobre as diferentes áreas operacionais e financeiras; também na criação métodos de análise preditiva, através de ferramentas que permitam às equipas de gestão fazer análises preditivas de variáveis fundamentais para o negócio. Outro exemplo é a transição para a cloud, ou seja, apoiar o cliente no processo de refazer e transferir os modelos de dados de ferramentas obsoletas para a cloud.
“(…) já contamos com alguns gigantes internacionais no nosso portefólio – ExxonMobil, a Carlsberg Group ou o Governo da Arábia Saudita”.
Quem são os clientes da BiLd Analytics?
Os clientes que conquistámos até agora são o nosso principal motivo de orgulho e a confiança que depositam em nós é o combustível para o nosso crescimento. Apesar de termos menos de dois anos de atividade, já contamos com alguns gigantes internacionais no nosso portefólio – ExxonMobil, a Carlsberg Group ou o Governo da Arábia Saudita. Por outro lado, também já nos aliámos a grandes empresas tecnológicas como a Avanade e a Novabase.
Estão já a operar em três continentes. Qual o país que neste momento é mais representativo para a faturação da BiLD Analytics?
A maior parte dos clientes internacionais têm empresas subsidiárias em Portugal, fazendo assim com que de forma agregada o país com mais expressão na nossa faturação seja Portugal. De qualquer forma, é seguido de perto por países como a Bélgica, Reino Unido, Hungria e Arábia Saudita.
Numa altura em que os data scientists são apontados como os profissionais do futuro, as TI são um mercado dinâmico e a procura de talento assume-se como uma urgência. Como é que os analytics estão a mudar e fazer crescer as empresas?
O grande poder das técnicas de analytics é que este conjunto de tecnologias e modelos estatísticos não representam um fim em si mesmo, mas são algo que aumenta o valor e ajuda a otimizar os processos já existentes. Assim sendo, desde o CEO ao operário fabril, passando pela cadeia de supply chain até aos departamentos de vendas, produto, compras ou recursos humanos, todos podem beneficiar de informação privilegiada relativa às suas áreas de atuação que de outra forma não conseguiriam.
Assim, a capacidade das analytics para gerar mudanças transversais nas organizações é enorme, pela informação relevante e muitas vezes desconhecida que revelam na hora de tomar decisões. A prova disso é a vantagem competitiva que as maiores empresas mundiais conquistaram devido à estratégia transversal de analytics que utilizam.
“(…) ter dados guardados em bases de dados não exploradas é apenas um custo, sem qualquer retorno”.
Temos cada vez mais acesso a dados. Qual a estratégia que considera essencial quando temos muitos dados disponíveis e temos de os perceber? A que devemos dar prioridade?
A primeira coisa que é preciso perceber é que ter dados só por ter não cria valor às organizações. Na verdade, ter dados guardados em bases de dados não exploradas é apenas um custo, sem qualquer retorno. O que é essencial é que se tenha uma estratégia de data analytics muito bem definida e muito bem enquadrada com aquilo que são os objetivos da empresa, mais uma vez, para que a análise de dados seja um complemento ao negócio da empresa.
Com essa estratégia bem definida, segue-se a implementação de infraestrutura, softwares e processos que permitam a extração do conhecimento certo, no tempo certo e para a pessoa certa, para que isso provoque uma ação positiva. Felizmente, temos conseguido com bastante sucesso ajudar os nossos clientes na idealização e implementação desta mesma estratégia nas suas realidades.
Acha que as empresas portuguesas têm consciência da importância da análise de dados para a tomada das melhores decisões?
O processo é gradual, mas, hoje em dia, com todo o awareness que existe em torno desta área, já nenhum decisor empresarial está totalmente alheio ao tema.
As grandes organizações já começaram o processo de investimento nesta área há mais tempo, pelo que naturalmente estão num estado de maturação dos processos internos de análise de dados mais avançado. No entanto, também as PME cada vez mais percebem que é impossível gerir de forma eficaz sem medir. E foi precisamente para ajudar a criar esses processos que nascemos.
“Criar uma única fonte de verdade – “single version of truth” – é uma das regras fundamentais da ciência de dados”.
Devemos confiar nos dados que as plataformas digitais nos facultam?
A fiabilidade dos dados é precisamente um dos principais temas com que nos debatemos nesta área. Orquestrar e garantir a integridade dos dados que trabalhamos constitui um dos primeiro trabalhos que aconselhamos a qualquer empresa e que desenvolvemos.
Criar uma única fonte de verdade – “single version of truth” – é uma das regras fundamentais da ciência de dados. Nem sempre é fácil numa empresa grande e com diversos sistemas operacionais garantir esta harmonização, mas saber resolver este desafio é chave para conseguirmos construir ferramentas de visualização e previsão com essa base.
Um caso de sucesso da BiLd Analytics?
Um dos nossos principais projetos, que ainda está em curso, foi criar um sistema que permitisse que, em termos financeiros, existisse uma única fonte de verdade. Estamos a falar de uma empresa com centenas de milhares de colaboradores, presente em todos os continentes. O projeto é extremamente desafiante e desenvolvido com tecnologia de ponta. Está agora na fase de produção nos primeiros mercados regionais, mas o plano de desenvolvimento é que se estenda para o resto do mundo.
“Acredito que, independentemente de flutuações ocasionais no mercado por fatores externos, esta será uma das áreas de maior crescimento nas próximas décadas”.
Como vê o futuro do business analytics?
Sou obviamente suspeito para falar. Mas acredito que, independentemente de flutuações ocasionais no mercado por fatores externos, esta será uma das áreas de maior crescimento nas próximas décadas. Existe uma conjugação de fatores única: crescente interesse e valorização das empresas por este tipo de serviços; desenvolvimentos tecnológicos muitíssimo rápidos; e uma crescente massa de recursos capazes de trabalhar esta área.
Como é que se têm preparado para enfrentar este novo surto do Covid- 19?
Nós já estamos habituados a trabalhar remotamente, tanto a equipa de gestão como a equipa técnica. A equipa de gestão encontra-se dividida em três cidades e dois países – Coimbra, Lisboa e Bruxelas – pelo que este não é um desafio novo. Também a equipa técnica tem experiência em trabalho remoto e, confesso, até prefere este método de trabalho.
Hoje não temos ninguém nos nossos escritórios nem nos dos nossos clientes. É prioritário cumprir as orientações da DGS e todos fazermos a nossa parte, para que a situação se arraste o mínimo de tempo possível.
Estão preparados para a possível retração do mercado?
Estamos. A nossa gestão financeira sempre se tem pautado pela prudência e por não embarcarmos em investimentos que podemos não conseguir sustentar. Todo o nosso crescimento até agora tem sido orgânico e é assim que queremos continuar. Apesar da recente situação do surto de COVID-19 ainda estamos a conseguir fechar alguns projetos que estavam pendentes. Acreditamos que, apesar da retração global, esta área continuará a ser prioritária para as empresas.
Quais os projetos para o futuro da BiLD Analytics?
Em primeiro lugar, queremos continuar a crescer juntos dos clientes atuais, que já confiam em nós e com os quais já estamos a criar valor. Esta é a prioridade, porque sabemos que mais do que qualquer estratégia comercial muito agressiva, um cliente satisfeito é a melhor porta para o crescimento.
Em segundo lugar, queremos continuar a nossa aposta no mercado internacional, onde as empresas já se encontram numa fase mais madura nesta área e onde é possível encontrar desafios interessantes e valiosos. O Benelux e o Reino Unido serão as principais prioridades. Por último, estamos a preparar um projeto de formação inovador sobre o qual daremos novidades muito em breve.
Respostas rápidas
O maior risco: sair dos nossos empregos;
O maior erro: não ter começado mais cedo;
A maior lição: encontrar os parceiros certos é fundamental;
A maior conquista: cada um dos clientes que confiam em nós.