Entrevista/ “Ser mulher é cada vez menos um obstáculo no mundo profissional”

Lígia Santos, CEO da Caminhos Cruzados

 

Lígia Santos lidera os destinos da Caminhos Cruzados, uma empresa vitivinícola de origem familiar que tem liderado com sucesso. Uma jovem mulher num mundo tradicionalmente de homens e quer levar longe os vinhos

Como surgiu a Caminhos Cruzados?
Surgiu em 2012 da grande vontade da nossa família em criar um projeto profissional no Dão, em Nelas – local a que todos chamamos de “casa”. O vinho já era uma paixão e sempre acreditámos muito no potencial da região. Já tínhamos alguma vinha e muitas recordações felizes de vindimas em família, por isso foi fácil projetar o sonho. Com muito trabalho e muita dedicação por parte de toda a equipa, temos tido a felicidade de trilhar um percurso recheado de sucessos, entre os quais termos sido considerados Produtor Revelação de 2015, pela Revista de Vinhos.

Como é ser uma jovem mulher à frente de uma empresa produtora de vinhos? 
Felizmente ser mulher é cada vez menos um obstáculo no mundo profissional. No meio do vinho, há muitos exemplos de mulheres de sucesso, que elevam a indústria e abrem caminho para todas nós. É seguro dizer que, hoje em dia, o vinho já não é um mundo (só) de homens. Ainda assim, passei por situações em que ser mulher constituiu um desafio. A mais marcante ocorreu durante uma visita a um país asiático onde, ao fim de três dias de trabalho e de interesse manifestado nos meus vinhos, o potencial cliente me perguntou se podia falar com o meu pai ou com o meu marido para concluir o negócio. Quanto à minha idade, ultrapassada a surpresa inicial de quando algum novo cliente me conhece, nunca senti que fosse menos levada a sério.

O que pesou na hora de deixar uma carreira na advocacia para abraçar um negócio de vinho da família?
Foi com muita ponderação que decidi deixar de lado um percurso estável e previsível, para abraçar uma mudança completa de carreira e entrar num mundo que me era desconhecido. Foi um passo que exigiu (e continua a exigir) muita dedicação diária e uma aposta consistente na formação. Ajudou a tudo isto o facto de ter tido o apoio das pessoas que me são próximas e que foram diretamente afetadas por esta mudança.

Que desafios encontrou pelo caminho? 
Tive de aceitar começar do zero, com tudo o que isso representa. Procuro ter, no dia-a-dia, a humildade de admitir que não sei o suficiente sobre determinados assuntos e a vontade de saber mais. Faço os possíveis por receber o máximo de formação que passa, por vezes, pela frequência de cursos creditados, mas tantas outras por perguntar às pessoas que trabalham comigo como se faz isto ou aquilo. Já passaram três anos e, hoje em dia, movo-me com mais conforto e naturalidade na indústria do vinho. Mas não deixa de ser um desafio diário, porque o vinho é um mundo. É parte do encanto da indústria, mas é também muito exigente.

Desdobra-se entre Lisboa, Nelas e as viagens frequentes a diferentes geografias para levar o nome da Caminhos Cruzados a outros países. Qual o segredo para gerir a sua agenda?
Tem de haver um grande amor pelo que se faz, já que exige uma dedicação quase total. A Caminhos Cruzados é um projeto familiar e diz muito a toda a família. Sinto-me sempre, por isso, muito apoiada. Tenho ainda a sorte de estar rodeada de gente muito capaz e dedicada na empresa, gente que partilha comigo a vontade de fazer o projeto crescer e vingar.

O que distingue os vossos vinhos? 
A Caminhos Cruzados tem uma identidade muito própria que passa para todos os nossos vinhos. Somos uma empresa jovem e moderna, mas de raízes antigas e profundas nestas terras onde hoje produzimos vinhos. Os nossos vinhos são feitos de forma muito tradicional, com as castas de excelência da região, mas com uma imagem mais fresca, numa adega com um design atual e com a tecnologia mais recente, permitindo-nos criar aquilo que carinhosamente apelidamos de “O Novo Dão”.

Como têm dado a conhecer os vossos produtos?
O vinho conhece-se à mesa, entre pratos e gargalhadas. Na impossibilidade de nos sentarmos à mesa de todos os consumidores, participamos em muitas feiras nacionais e internacionais e muitas provas onde temos a oportunidade de contar um pouco da nossa história e dar a conhecer os nossos vinhos. Tentamos também ter uma presença forte nas redes sociais, que muitas vezes nos permitem manter uma relação com consumidores fisicamente mais distantes.

E qual a estratégia que têm adotado para colocar Nelas no mapa dos grandes vinhos do Dão?  
No que toca aos nossos vinhos, a estratégia é sempre baseada na consistência da qualidade aliada a alguma inovação. A somar aos vinhos e como parte indissociável destes, estamos agora a estrear a nossa nova adega, um projeto notável de arquitetura e design e que rompe completamente com o paradigma do Dão. Nesta nova adega vamos desenvolver um projeto de enoturismo que vai permitir uma aproximação maior entre os nossos consumidores e aquelas que são as nossas raízes.

Como procuram inovar? 
Procuramos a inovação sempre que esta se revela uma mais-valia para nós e para a indústria. Há várias maneiras de interpretar uma casta, uma região, e são esses novos olhares sobre uma coisa já conhecida que nos interessam.

Quanto faturaram no último ano?
Cerca de 700 mil euros

Quanto representa o mercado interno no negócio? 
Cerca de 40%.

E qual o peso de países como China, Brasil, Angola, França, Suíça, Alemanha, Canadá na faturação da empresa?
Angola, Brasil e EUA são os nossos maiores mercados, sendo que a exportação representa cerca de 60% da faturação. É uma alegria ver como os vinhos portugueses, no geral, e os nossos em particular têm tanta aceitação pelo mundo.

Projetos para o futuro…
Temos muitos! Neste momento, estamos concentrados em explorar todas as potencialidades da nova adega e do projeto de enoturismo. No que respeita a vinhos, aguardamos com muita expetativa a saída do Teixuga Tinto, o nosso topo de gama que vem na linha do Branco, recentemente considerado o melhor vinho branco do Dão pelo Concurso da Feira do Vinho do Dão.

Respostas rápidas:

O maior risco:  Trocar o conhecido pelo desconhecido.
O maior erro: Passar muito tempo a martirizar-me com erros ou imperfeições, em vez de tentar perceber qual a melhor maneira de evitar que se repitam.
A melhor ideia: Dedicar-me a um projeto familiar e apaixonante!
A maior lição: A única maneira de compreender uma indústria nova e complexa é fazer parte dela, não ter vergonha de perguntar, de experimentar e, inevitavelmente, de errar.
A maior conquista: Realizar um sonho, viver um projeto que transforma a nossa vida e os nossos dias, que nos tira horas de sono, e impregna as nossas conversas e interesses.

Comentários

Artigos Relacionados

Paulo Doce de Moura, Investment Advisor do Banco Carregosa
Sónia Jerónimo