Opinião

Qual é o impacto da estagflação nas start-ups europeias inovadoras?

Ana Barjasic, CEO da Connectology

A angariação de fundos por start-ups inovadoras é difícil – isto não é surpresa. No entanto, as coisas vão ficar ainda mais complicadas para os fundadores e investidores. Chegou a hora de apertar o cinto.

Implicações negativas globais, a lamentável invasão russa da Ucrânia e a estratégia zero-Covid que paralisa as vidas de milhões de residentes e trabalhadores nas megacidades chinesas estão a criar sérias turbulências económicas e nas cadeias logísticas de fornecimento, que lentamente vão afetar em cascata os ecossistemas de start-ups e de inovação em todo o mundo.

As previsões não são muito otimistas e a recuperação não será assim tão rápida. Pela primeira vez depois de 1970, estamos a enfrentar estagflação – uma combinação de alta taxa de inflação, lento crescimento económico e elevada taxa de desemprego.

O economista Nouriel Roubini, que previu o colapso económico de 2008, considera que a situação atual é o resultado de várias forças estagflacionistas, tais como o aumento das tensões geopolíticas, recuo na globalização e reintrodução de barreiras comerciais, envelhecimento da população, ou seja, população mais velha que gasta e não trabalha versus população menos jovem que poupa e trabalha, restrições de migração em economias desenvolvidas, alterações climáticas e aumento  dos preços da energia, pandemias recorrentes, desafios de cibersegurança, desigualdade de rendimentos e, finalmente, o fato do dólar americano se ter tornado numa “arma”.

O YCombinator, o famoso acelerador de Silicon Valley com um histórico de milhares de investimentos em promissoras start-ups em fase inicial através de um modelo de negócio inovador (125.000 USD por 7% da empresa, o denominado SAFE), enviou recentemente uma carta aos fundadores das empresas do seu portfólio que fez soar alarmes nos vários continentes. Em resumo, os empreendedores do YCombinator são aconselhados a adaptar-se rapidamente à nova realidade do mercado e a tentarem manter as suas empresas vivas, planeando o futuro e alterando a mentalidade em torno da estratégia de angariação de fundos, reduzindo os custos, e, em última análise, a prepararem-se para o pior, ao mesmo tempo que criam oportunidades para transformar o abrandamento económico numa vantagem.

Desde então, um número de investidores emblemáticos, como a Sequoia, começou a emitir declarações semelhantes para as empresas dos seus portfólios. Se tais mensagens estão a ter origem em líderes mundiais do ecossistema da tecnologia e inovação, qual é a perspectiva para os outros?

“A Europa está atrasada” é uma frase que ouvimos demasiadas vezes.

Mercado fragmentado, diferenças de culturas empreendedoras, de inovação, de línguas, de sistemas jurídicos e pesada burocracia resultaram na falta de apoio e capital suficientes para os inovadores europeus escalarem, colocando o ecossistema tecnológico europeu com todo o seu potencial atrás dos EUA e da China.
No entanto, a Europa identificou legitimamente a sua lacuna no mercado de deep tech e criou instrumentos financeiros que têm o poder de desempenhar um papel de salvaguarda para os empreendedores e investidores privados europeus no atual contexto de desaceleração económica, prestando apoio, que é hoje mais relevante do que nunca, como, por exemplo, através dos instrumentos financeiros do European Innovation Council (EIC).

O EIC é o maior fundo de inovação da Europa com foco em start-ups de deep tech, com mais de 10 mil milhões de euros, lançado pela Comissão Europeia.

Por muito que o EIC seja importante para os empreendedores europeus fecharem rondas de financiamento, é igualmente relevante para os investidores privados europeus, uma vez que reduzem o seu elevado risco de investimento em tecnologias inovadoras na fase inicial. Isto traz-nos ao ponto inicial deste artigo sobre a maior dificuldade que se avizinha na angariação de fundos devido ao atual ambiente económico. Para começar, a inflação e o aumento das taxas de juro vão tornar muito mais difícil aos gestores de fundos de capital de risco convencerem investidores a investir nos seus fundos, levando a que globalmente venha a haver menos dinheiro disponível para novas empresas, resultando assim em menos investimentos e avaliações mais baixas.

Isto é especialmente relevante para o ecossistema europeu de inovação, uma vez que muitos fundos de capital de risco na Europa dependem de dinheiro vindo do Fundo Europeu de Investimento. Inevitavelmente, os holofotes estão a mudar dos suspeitos habituais para oportunidades de financiamento disponíveis no contexto público, e o mercado privado pode ter de considerar essas opções para se manter à tona enquanto a classe política luta para encontrar as melhores medidas para aliviar o impacto da estagflação que se avizinha.

 

Versão em inglês

What is the impact of stagflation on European innovative startups?

Fundraising is tough – this comes as no surprise. However, things are going to get even more complicated for both founders and investors, so buckle up. Negative implications of global and perpetual coronavirus lockdowns and restrictions, lamentable Russian invasion of Ukraine and zero-covid strategy paralysing lives of millions residing and working in Chinese megacities are creating serious economic and supply turbulence, and slowly but surely cascading into startup and innovation ecosystems worldwide.

The predictions are not very optimistic, and the recovery will not be that quick. For the first time after 1970s, we are facing stagflation – a combination of high inflation rate, slow economic growth and high unemployment rate. Economist Nouriel Roubini, who predicted the 2008 economic collapse, considers that current condition is a result of various stagflationary forces, such as increasing geopolitical tensions, retreat from globalization and
reintroduction of trade barriers, ageing of the population – meaning older population who spend and don’t work vs. less young population who save and work, migration restrictions in developed economies, climate change and increase in energy prices, recurrent pandemics, cybersecurity challenges, income inequality and, finally, weaponization of US dollar.

YCombinator, the famous Silicon Valley accelerator with a track record of thousands of investments into promising early-stage startups via an incredible business model (125k SAFE for 7%), has recently issued a letter to its founders, sounding the alarm on both sides of the pond. In a nutshell, by challenging the definition of a normal fundraising environment, YC entrepreneurs are advised to quickly adapt to the new market reality and try to keep their companies alive by planning ahead and changing the mindset around fundraising strategy,
extending the runway as soon as possible, cutting costs, and ultimately plan for the worst, while creating opportunities to turn economic slowdown to their advantage. Since then, a number of other flagship firms, like Sequoia, have started to issue similar statements to their companies. If such messages are coming out of the world’s leading tech and innovation ecosystem, what is the outlook for others?

Europe is lagging behind is a sentence we hear all too often. Fragmented market, differences in entrepreneurial and innovation cultures, languages, legal systems and cumbersome bureaucracy resulted in a lack of sufficient support and local capital for European innovators to scale, placing European tech ecosystem with all its potential behind USA and China.

Nevertheless, Europe has rightfully identified its deep-tech market gap and addressed it by creating financial instruments that have the power of playing a safeguarding role for European entrepreneurs and private investors in the current context of economic downturn, providing support that is more relevant nowadays than ever, such as European Innovation Council. The EIC is the largest innovation fund in Europe focusing on deep-tech startups, with over 10 billion euros, launched by the European Commission.

As much as the European Innovation Council is important to European entrepreneurs for closing the market funding gap, it is equally relevant for European private investors as it assumes the high risk of investments into early-stage innovative technologies. This brings us to the issue of the chronic lack of capital to support promising startups and scaleups in Europe – fundraising has already been difficult, but it will become even more so due to the current economic environment. To start with, inflation and increase of interest rates will make it much harder for venture capitalists to convince limited partners to invest in their funds, leading overall to less money available for new companies, thus resulting in less investments, lower amounts and lower valuations. This is especially relevant for the European landscape since many venture capital funds in Europe depend on money coming from the European Investment Fund. Inevitably, the spotlight is shifting from the usual suspects to funding opportunities available in the public context, and private market may need to consider suc options to stay afloat while the public policy sphere struggles to find the best measures to ease the impact of the upcoming stagflation.

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Ana Barjasic

Ana Barjasic

Ana Barjasic trabalha com uma série de entidades dentro do sistema internacional de start-ups e investidores, como a Comissão Europeia e a Global Entrepreneurship Network (como membro da direcção em Portugal). Ana Foi coordenadora da Business Angel Week desde 2013, uma iniciativa criada pela European Business Angel Network. Nas suas cinco edições, e sob sua supervisão, a BAW tornou-se a maior iniciativa do mundo na promoção do investimento anjo e em early stage, com mais de 1200 eventos em 60... Ler Mais..

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