Entrevista/ “Este governo fez algo negativíssimo para a atividade de business angels”

Pedro Falcão assistiu de perto à evolução do ecossistema português de start-ups. Fez parte de dois unicórnios e está atualmente à frente da LC Ventures, um fundo de investimento que pretende investir mais de quatro milhões de euros no próximo ano.
O Link To Leaders esteve à conversa com o managing partner da LC Ventures durante o Business Angel Summit, um evento que ocorreu na semana passada, em Lisboa, e que reuniu algumas das mais importantes entidades de fomento ao empreendedorismo em Portugal.
Como vê a evolução do cenário português de start-ups?
Como eu já invisto desde 2000 em start-ups de base tecnológica posso dizer que o salto foi brutal. Nós olhamos para trás e em 2000 – e mesmo antes disso, no final dos anos 90 – não se falava de business angels ou de capital de risco. Só a partir de 2003 é que saiu a primeira legislação para capital de risco em Portugal, que depois foi melhorada e renovada em 2007.
Mas demos um salto brutal. Entre 2009 e hoje duplicámos em número de sociedades de capital de risco, aumentámos significativamente o capital sob gestão e, em termos de business angels, também demos um salto. Se formos ver a atividade de investimento deste tipo de investidores houve um crescimento em mais de duas vezes desde há nove anos.
Se há espaço para crescer? Há e se formos comparar com os nossos vizinhos espanhóis estamos muito longe em volume e, portanto, temos muito para fazer.
Tendo isso em conta, onde é que as entidades que apoiam o empreendedorismo em Portugal se devem focar: apoiar a criação de novas start-ups ou a ajudar a amadurecer as que já existem?
Em termos de start-ups não nos podemos queixar porque não só temos muitas pessoas que às vezes até deixam os seus empregos e decidem criar uma start-up, como também temos muitas estrangeiras que vêm para Portugal por sermos um ótimo país para começar, porque existe talento e estamos inseridos num contexto com custos mais adequados face aos Estados Unidos ou à Alemanha. Portanto, felizmente, temos start-ups de todo o mundo – especialmente da Europa – a virem para Portugal e a fazerem aqui a sua base.
Por isso, deal flow [ou propostas de negócio] não são o problema. O problema é a questão da simplificação dos procedimentos nas constituições das empresas, embora Portugal já a empresa online e a empresa na hora há mais de doze anos, mas em termos fiscais temos de mudar radicalmente.
Temos incentivos para business angels individuais poderem receber o dinheiro de volta, mas – à boa maneira portuguesa – conseguiu-se complicar de tal maneira o processo que, se forem perguntar, por exemplo, ao Ministério das Finanças qual foi o número de pessoas que beneficiou desse incentivo, eu até duvido que haja uma. É tão complicado ir buscar aquele incentivo, e é tão pequeno, que acaba por não ser relevante.
[Por oposição], em Espanha, durante muito tempo eles também tiveram um incentivo do mesmo género, mas depois, devido às reivindicações, os business angels juntaram-se em estruturas – neste caso veículos de investimento – e começaram a usufruir das mesmas condições [que eram aplicadas aos investidores individuais]. Devemos fazer o mesmo aqui em Portugal.
Por outro lado, há que dizer que este governo fez algo negativíssimo para a atividade de business angels no que é, a nível europeu, chamado participation exemption. Basicamente, o que este regime diz é que se se tiver uma percentagem mínima de participação numa empresa, e se a mesma for detida durante mais de 12 meses, caso haja mais-valias, essas não pagam impostos.
Em Portugal, essa percentagem era de 5% – o que era alinhado com a atividade de business angels – e foi aumentada para 10%. Isto é altamente contraproducente. O que aconteceu foi que alguns business angels de nicho começaram a exigir percentagens maiores, de forma a garantir que em todo o período têm 10% de participação, e houve os outros que acabaram por prescindir desse tipo de incentivo porque é altamente negativo para as start-ups em fases embrionárias terem de ceder demasiada percentagem da sua participação. Em termos fiscais, esse mecanismo não está ajustado para apoiar os business angels.
Mesmo quando uma start-up falha, o Estado nunca perde dinheiro porque é daqueles acionistas que tem um dividendo preferencial: os impostos.
Fazendo já parte do ecossistema há alguns anos, quais são – a par da legislação – as maiores dificuldades que os investidores enfrentam em Portugal?
Se formos ver noutros países, temos pessoas que são diretores e CEOs que utilizam o seu dinheiro para investir, tornando-se business angels. Cá também existem, só que tudo tem a sua proporção. Nós temos poucos ricos. Os nossos diretores e CEOs não ganham assim tanto, quando comparados com os outros países. Juntamente com falta de incentivos que existe para esta atividade são poucos aqueles que realmente fazem isso. Quem o faz ou são pessoas que já criaram uma start-up no passado, que ganharam dinheiro e depois o “devolvem” à atividade, ou aqueles que gostam de ser mentores e de apoiar as start-ups. Portanto, são essas pessoas. Podíamos ter muitos mais a fazer investimentos.
Se formos ver, temos muitas pessoas a investir no imobiliário porque em pouco tempo há um retorno grande e com poucas complicações, mas isto é um ciclo que está agora a terminar. A vantagem de apoiar financeiramente start-ups é que a melhor altura para investir é justamente nos momentos de crise. Ou seja, temos de criar os mecanismos para permitir que nessas alturas estas pessoas possam investir.
Por outro lado, quando se investe em start-ups estamos a investir em postos de trabalho altamente qualificados. Investimos em cérebros, portanto, claramente traz muito mais retorno para o país do que a compra e venda de um edifício. Por exemplo, a Feedzai: quando começou, em 2009, eram só os fundadores, mas paulatinamente foram crescendo e, em 2019, já querem investir 500 milhões de dólares na própria empresa para fazê-la crescer. Ou seja, foi criado um pólo fabuloso na área do big data em Coimbra. Nunca teria sido possível ter chegado ao mesmo resultado com políticas públicas. Isto foi só uma start-up. Multiplicando por várias temos vários casos similares de sucesso e muitas delas têm conseguido criar ecossistemas muito interessantes à sua volta. Por exemplo, Braga já é um ecossistema importante por causa das start-ups, mas, mesmo noutras zonas, este tipo de projetos acaba por ter um papel interessante. Portanto, mesmo quando uma start-up falha, o Estado nunca perde dinheiro porque é daqueles acionistas que tem um dividendo preferencial: os impostos. Uma start-up para funcionar tem de ter pessoas que pagam segurança social e IRS. Mesmo quando o Estado apoia e a empresa falha, acaba por recuperar o dinheiro todo: entra por um lado e sai pelo outro. Portanto, não é um problema, mas deviam-se apostar mais nas políticas públicas.
(…) o melhor momento para se investir é nas alturas de crise, como aquela em que vamos entrar em breve, dentro de mais ou menos um ano (…)
Um estudo recente da Schroder refere que os investidores portugueses direcionam perto de 60% dos investimentos para ativos de baixo risco, mas que apesar de jogarem pelo seguro têm uma expetativa de retorno elevada – na casa dos 10% anuais. O que é que pode ser feito para atrair estes investidores para o cenário de capital de risco?
Um dos grandes problemas é que temos visto alguns business angels a quererem ser eles próprios a escolher as start-ups onde investem e só escolhem quatro ou cinco, o que não permite criar um portefólio diversificado. Só com mais investimentos é que se reduz para perto de zero o risco de perder todo o capital. 20 start-ups é o mínimo que se tem de investir e fazer isso sozinho é muito difícil – são raros os casos que conseguem fazê-lo. Por isso é que juntar-se em grupo traz vantagens. Permite diversificar o portefólio, reduzir o risco e aumentar os tickets que se investem nessas start-ups. Porque se calhar uma pessoa individual consegue injetar 50 mil euros numa start-up, mas se se juntar com outros consegue investir muito mais, especialmente se for uma start-up com potencial. Acho que isso é o essencial que deve ser feito.
Por outro lado, devem saber que o melhor momento para se investir é nas alturas de crise, como aquela em que vamos entrar em breve, dentro de mais ou menos um ano e que nos vai atacar em força. Isto acontece porque, por norma, este tipo de empresas lança serviços e produtos inovadores que ajudam a reduzir custos, que foi o caso da Feedzai, por exemplo. Quando surgiu, também num momento de crise, tinha uma solução que conseguia fazer o mesmo que a IBM por um preço 100 vezes mais em conta. São coisas assim, disruptivas, que depois têm imenso potencial nos momentos de crise.
No caso da LC Ventures quais são os vossos planos para 2019?
Vamos aumentar a velocidade de investimento. Este ano vai ser fechado com perto de 40 participadas e atenção que só começámos a investir mais fortemente nos últimos dois anos.Portanto, este portefólio foi essencialmente criado neste período. Agora vamos acelerar o passo e, para o ano, esperamos investir, no mínimo, quatro milhões de euros.
O Pedro fez parte de dois unicórnios portugueses antes destes atingirem esse estatuto. Há alguma coisa de diferente no dia-a-dia destas empresas em comparação com as outras em que já trabalhou?
No caso da TIMwe, estávamos em quatro países quando eu entrei, em 2005, e depois, passado 14 meses já estávamos em 70 países. Isto foi feito numa altura em que ainda não havia lojas de aplicações mobile. Portanto, crescer internacionalmente era mais difícil. O presidente da empresa chegou a fazer uma volta ao mundo, real, de negócios, ou seja, ia-se reunindo com outras empresas nos diversos países em que passava. Trabalhávamos sete dias por semana, das 8:30 até às 00:30 durante a semana e só oito horas ao fim-de-semana. Fizemos isto durante seis meses porque sabíamos que havia uma vantagem em sermos os primeiros a entrar em determinados mercados.Tivemos uma equipa fantástica que se manteve unida durante este meio ano, o que foi fundamental.
Na OutSystems não era tão intenso em termos de horário. Era uma empresa mais normal até porque demorou mais tempo a crescer – começou em 2000 e teve de criar o seu próprio espaço. Neste caso, foi uma solução que chegou demasiado cedo ao mercado, ou seja, agora existe um espaço chamado low code, mas na altura não havia sequer uma palavra para aquilo que a OutSystems fazia, havia poucos players e era preciso comparar quantidades que não eram exatamente iguais. Só quando este espaço foi criado é que a OutSystems passou a ser líder e depois começou a crescer exponencialmente.