Opinião

O amigo de Einstein e o orçamento do estado

Martim Avillez Figueiredo, fundador e sócio sénior da CoRe Capital

Albert Einstein teria um único amigo verdadeiro e, ao que se conta, só se deslocava à universidade pelo privilégio de caminhar de regresso a casa com ele. Demoravam-se em longos passeios nos jardins de Princeton, um de casaco e camisa engomada, o outro de suspensórios e camisa amarrotada, certos das incertezas que geravam entre si.

O amigo chamava-se Kurt Godel e as dúvidas que provocava em Einstein ajudam a comentar o absurdo da discussão orçamental em Portugal.

Do que se ouve, Luís Montenegro proclama certezas sobre as medidas que devem dar corpo ao próximo orçamento do Estado, enquanto Pedro Nuno Santos sublinha que não tem dúvidas de que ele é que sabe que medidas devem ser essas. Godel, aos 25 anos, demonstrou que não há certezas, tal como Einstein revelou com a mesma idade que o tempo era relativo.

Se lerem Godel, e mergulharem na sua teoria da incompletude, descobrem essa ideia simples que revolucionou o pensamento lógico e filosófico, abanando para sempre os fundamentos da matemática: dentro de um sistema, existirão sempre verdades que não podem ser demonstradas ou provadas. Não é possível, como se acreditava nesses anos 30 do século XX, reduzir tudo a demonstrações irrefutáveis – nenhum sistema é capaz de assegurar que todas as proposições que o constituem sejam verdadeiras ou falsas, o que não impede que o sistema seja verdadeiro. Essa incompletude é a maravilha, inspirando os mais conhecidos nomes Alan Turing e John Von Neuman (há cinema com a história deles) a desenvolverem computadores e algoritmos.

Montenegro e Nuno Santos, que vivem no mundo das certezas, estão convencidos que as suas ideias opostas servem igualmente as necessidades do orçamento do Estado nacional. Não servem. Elas são estruturalmente incompletas, na medida em que não existe pensamento central capaz de resolver todos os problemas, como o comunismo demonstrou. Sendo incompletas, precisam de ser completadas – mas não será a maior ou menor disponibilidade de Nuno Santos e Montenegro para negociar entre si que se demonstrará eficaz nessa tarefa.

O que o orçamento do Estado precisa é de criar as condições para que o Estado se dedique ao que é do Estado e para que a economia e a livre interação entre as pessoas vá completando, em ações infinitas e incompletas, o resto. Precisa, de forma ainda mais simples, separar medidas que promovam eficiência económica de políticas destinadas à eficiência social.

A eficiência económica, que diz respeito à inovação de mercado, às preferências dos consumidores, a mais produtividade por hora de trabalho, etc, é o resultado incerto do conjunto das infinitas decisões que compõem as interações entre pessoas livres. Não se dirige.

A eficiência social, que diz respeito às preferências sociais como saúde, educação, ambiente ou à constatação de que nem todos os setores da sociedade se equilibram nesse sistema de interações livres, deve beneficiar desse orçamento.

Dito de outro modo: se a eficiência económica é incompleta, e a social pode completar-se na relatividade das escolhas ideológicas, Montenegro deverá ser firme em assegurar que este Orçamento cria finalmente as condições para que o Estado liberte a economia nacional das suas amarras, concentrando-se naquilo que pode e deve procurar completar: a eficiência social.

Os dois amigos não terão discutido Portugal nas suas demoradas caminhadas pelos jardins de Princeton, mas por cá ganhamos em recordar as suas mentes.

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Martim Avillez Figueireido

Martim Avillez Figueireido

Martim Avillez Figueiredo é fundador e sócio senior da CoRe Capital, GP de fundos de private equity. Antes, foi COO do Grupo Impresa e anteriormente Head of Brand do SonaeGroup. Ex-jornalista, foi fundador e acionista do jornal i, eleito Jornal Europeu do Ano e, entre outros cargos, foi diretor do Diário Económico, o principal jornal financeiro português diário. Mestre em Teoria Política (Instituto de Estudos Políticos, Universidade Católica Portuguesa), onde é professor convidado, foi bolseiro da Gulbenkian na Universidade de... Ler Mais..

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