Entrevista/ “Ninguém compra um imóvel sem o ver”
Apesar do momento excecional que vivemos, o mercado imobiliário em Portugal tem vindo a dar sinais claros de recuperação, continuando a manter-se como uma boa opção de investimento, defende Francisco Horta e Costa, managing director da CBRE Portugal, em entrevista ao Link To Leaders. O responsável fala ainda das áreas de aposta da consultora e deixa conselhos a quem quer investir no setor.
Terá a pandemia amedrontado os investidores imobiliários? Nem por isso. Os grandes negócios continuam a concretizar-se. A CBRE assessorou 21 transações de investimento em Portugal, no último ano, totalizando mais de 205 mil metros quadrados, com destaque para os negócios da venda da Expo Tower e do IADE, e do antigo Hospital da CUF, junto ao Palácio das Necessidades, que irá ser transformado num empreendimento residencial. Destaca-se ainda o apoio na transação do Lagoas Park, comprado pelo fundo britânico Henderson Park à Kildare, por 421 milhões de euros.
Para 2021, Francisco Horta e Costa, managing diretor da CBRE Portugal, mantém-se otimista: “Temos muitas operações a decorrer neste momento nas diferentes áreas de negócio, desde a área de imóveis de rendimento e promoção, passando por todas as áreas que trabalham com ocupantes. Só na área de investimento são mais de quarenta operações que totalizam um valor superior a 1.000 milhões de euros e o departamento de escritórios prevê colocar entre 25.000 a 30.000 m2 distribuídos entre 20 operações até junho deste ano”.
O setor imobiliário vai sobreviver a um novo confinamento?
Sim, sem qualquer dúvida. Os investidores continuam ativos e interessados em oportunidades de investimento e o mercado residencial provou que é bastante resiliente, mesmo em contexto de confinamento. A maior dificuldade é não se poder viajar e não se conseguir fazer visitas presenciais aos imóveis, mas a tecnologia neste aspeto evoluiu muito e é possível fazer visitas virtuais bastante próximas da realidade.
“Por mais desenvolvida que esteja a tecnologia das visitas virtuais, ninguém compra um imóvel sem o ver”.
Que medidas deviam ser implementadas para que o setor pudesse continuar a trabalhar?
A principal medida deveria ser a autorização para fazer visitas aos imóveis por parte dos potenciais interessados, garantidas todas as medidas de segurança. Por mais desenvolvida que esteja a tecnologia das visitas virtuais, ninguém compra um imóvel sem o ver.
Que consequências se esperam da atual pandemia?
A principal consequência tem a ver com o impacto na economia. Prevê-se que o PIB tenha sofrido uma queda de mais de 8% em 2020 e isso naturalmente tem consequências na saúde financeira das empresas e das pessoas, enfraquecendo a economia como um todo. Apesar das estimativas de crescimento para 2021, vamos demorar muito tempo a recuperar o que se perdeu.
No entanto, não se preveem descidas significativa nas rendas comerciais, mas sim um aumento no conjunto dos incentivos que os proprietários possam oferecer aos seus inquilinos, como aumentos de períodos de carência ou nas contribuições para obras. Já no que diz respeito ao setor habitacional e, segundo os dados da Confidencial Imobiliário, as rendas caíram quase 17% em 2020 e provavelmente não irão recuperar em 2021.
“Num ano bastante conturbado como o de 2020, marcado por um evento que parou o mercado durante vários meses, o setor teve um desempenho que se pode considerar satisfatório”.
Como está a dinâmica de mercado neste momento?
O mercado imobiliário tem que ser sempre analisado setor a setor, mais ainda num contexto de pandemia, uma vez que há setores muito mais afetados do que outros. Num ano bastante conturbado como o de 2020, o setor teve um desempenho que se pode considerar satisfatório. O take-up de escritórios ficou 20% abaixo do ano anterior e o volume de investimento cifrou-se em 2,9 mil milhões de euros, sendo este o terceiro melhor resultado de sempre e que inclui a maior operação de investimento em escritórios alguma vez registada em Portugal (a aquisição do Lagoas Park por parte da Henderson).
Entramos em 2021, apesar de tudo, com menos incerteza, mas com “nuvens” que ainda pairam (e vão continuar a pairar) sobre o mercado. A grande incerteza prende-se com o prolongar dos “lockdowns” e das eventuais vagas adicionais que ainda possam vir a verificar-se e quais as consequências que as mesmas possam ter na saúde e na confiança das empresas e dos investidores. Até agora, os sinais que temos são positivos: os investidores estão ativos em Portugal e há várias operações (algumas de grande dimensão) que deverão concretizar-se no primeiro trimestre de 2021.
Não se vislumbram transações no setor dos centros comerciais, por razões evidentes, mas deverão ocorrer compras e vendas de hotéis, sendo este um tipo de ativo em que os investidores apostam no longo prazo. Da mesma forma, já estão previstas várias operações de arrendamento de escritórios, fazendo antever um ano com uma dinâmica razoável. De certa forma, os intervenientes no mercado habituaram-se a tomar decisões neste contexto e antecipam uma melhoria considerável no crescimento da economia.
Quais os setores que na sua perspetiva vão ser mais afetados? Residencial ou comercial?
São ambos afetados de forma diferente. O setor residencial deverá ser mais afetado no produto usado e de segunda mão e menos afetado no produto novo e de gama média/alta. As pessoas continuam a precisar de casas e continuam a existir muitos estrangeiros a querem mudar-se para Portugal. Apesar de tudo, o imobiliário residencial continua a ser visto como um produto de refúgio, numa altura em que as taxas de juro continuam muito baixas e as alternativas de investimento são voláteis.
No que diz respeito ao imobiliário comercial, um dos setores mais afetados é o do retail, principalmente nos centros comerciais, que têm estado fechados durante muito tempo. Além disso, a legislação imposta pela Assembleia da República tem sido desastrosa, com o Estado a interferir numa relação contratual entre privados, que em crises anteriores sempre souberam entreajudar-se e chegar a um entendimento. Por maioria de razão, os hotéis são um dos setores que mais tem sofrido, dada a ausência de turistas e a redução drástica nas viagens de negócios. O setor dos escritórios tem sido proporcionalmente muito menos afetado, tendo registado uma absorção em 2020 inferior ao ano anterior em cerca de 20%, e a logística será o setor onde todos querem estar dado o crescimento do ecommerce.
A nova realidade do teletrabalho vai alterar o negócio imobiliário no domínio dos espaços comerciais e de escritório?
Progressivamente iremos assistir a uma descentralização do talento corporativo. Graças à tecnologia e ao emergir do trabalhador altamente qualificado, o teletrabalho avançou nos últimos anos para um contexto em que muitos trabalhadores veem o mundo como o seu escritório. Eles estão cada vez mais a mover-se de uma forma fluida entre escritórios em diferentes cidades, entre as instalações dos clientes, aeroportos, hotéis, cafés e Uber, ultimamente aproveitando a oportunidade de trabalhar a partir de uma localização da sua escolha, que é mais conveniente para a sua vida pessoal, quando a sua agenda o permitir. Isto não quer dizer que as sedes corporativas irão desaparecer.
Os trabalhadores poderão visitar a sede menos frequentemente, mas, quando o fizerem, eles esperam colaborar com os seus colegas por períodos intensos, ininterruptos durante os quais certos projetos têm que ficar concluídos. Para fazer face a estas necessidades, os empregadores têm que criar espaços que cultivam o resultado criativo de trabalhadores altamente qualificados e fazer com que se sintam valorizados e produtivos, enquanto lá estão. Isto significa dar às pessoas um maior sentimento de acolhimento e pertença e uma oportunidade real de se envolverem com a cultura da organização.
“O setor agrícola profissionalizou-se imenso nos últimos anos, quer ao nível da exploração, quer ao nível do investimento e fazia todo o sentido que uma empresa como a CBRE acompanhasse essa evolução do lado do assessoria a compradores e vendedores nas transações e também do lado das avaliações”.
Que razões levaram a CBRE a expandir o seu negócio ao setor agrícola?
O setor agrícola profissionalizou-se imenso nos últimos anos, quer ao nível da exploração, quer ao nível do investimento e fazia todo o sentido que uma empresa como a CBRE acompanhasse essa evolução do lado do assessoria a compradores e vendedores nas transações e também do lado das avaliações. Por outro lado, muitos dos nossos clientes habituais nos setores ditos “tradicionais” do imobiliário, são também investidores em produto agrícola, que é visto como um produto resistente e que conserva o seu valor, através de períodos económicos tumultuosos e instáveis sem correlação com outros ativos concorrenciais. As yields das herdades agrícolas estão relacionadas com o preço dos alimentos e estes não têm sido impactados negativamente em pandemias anteriores.
Quantas operações têm a decorrer neste momento?
Temos muitas operações a decorrer neste momento nas diferentes áreas de negócio, desde a área de imóveis de rendimento e promoção, passando por todas as áreas que trabalham com ocupantes. Só na área de investimento são mais de quarenta operações que totalizam um valor superior a 1.000 milhões de euros e o departamento de escritórios prevê colocar entre 25.000 a 30.000 m2 distribuídos entre 20 operações até junho deste ano.
Quais os segmentos de maior aposta da consultora para 2021?
Além de Agribusiness, uma das áreas de maior aposta é a Consultoria Estratégica que vai desde o workplace (cada vez mais importante no que diz respeito à mudança dos espaços de trabalho), à consultoria de projetos imobiliários desde a raiz, integrando todo o know-how que possuímos nos diferentes setores, desde o customer journey à digitalização, até chegar à definição do melhor produto imobiliário. Outra das grandes apostas é a sustentabilidade, que iremos integrar em todas as propostas que fazemos.
“Sem dúvida há uma preocupação cada vez maior com a saúde, o bem-estar e a sustentabilidade, o que vai ter reflexos diretos na conceção e desenho de todos os tipos de ativos imobiliários”.
Quais as principais tendências no que diz respeito aos segmentos de atuação do setor imobiliário para este ano?
Vai ser um ano ainda marcado pela indefinição e pela incerteza, mas mais do que nunca o mercado vai registar velocidades distintas: o setor logístico deverá evidenciar um grande impulso, os escritórios vão revelar alguma resiliência, o turismo irá começar a recuperar assim que houver um plano de vacinação eficaz, pelo menos na Europa, o que se espera venha a verificar-se no segundo semestre. Por fim, o comércio vai estar muito dependente da evolução económica do país.
Vamos continuar a ver um forte incremento na utilização de tecnologia e digitalização: novas aplicações para melhor gestão de stocks e encomendas, generalização de aplicações de reservas dentro dos próprios escritórios para marcação de uma secretária ou de uma da sala de reuniões), mais equipamento contactless (portas, elevadores, luzes, torneiras), etc. Sem dúvida há uma preocupação cada vez maior com a saúde, o bem-estar e a sustentabilidade, o que vai ter reflexos diretos na conceção e desenho de todos os tipos de ativos imobiliários.
Tendo em conta que o imobiliário e o turismo andam muitas vezes de mãos dadas, como prevê que esta “relação” evolua este ano?
O turismo vai demorar pelo menos mais dois anos a recuperar e 2021 ainda vai ser marcado pela ausência em massa dos turistas. Os hotéis e os Airbnb vão ter um ano ainda muito difícil. Poderemos vir a assistir à mudança de usos em alguns projetos hoteleiros, nomeadamente para build-to-rent, ou seja para arrendamento habitacional.
“O Estado tem que interferir menos e tem que tornar os processos administrativos mais claros e ágeis”.
O que falta ao nosso mercado para ser mais atrativo ao investimento internacional?
Uma legislação e um quadro fiscal mais estáveis e compreensíveis. Se há leis que os próprios advogados e fiscalistas tem dificuldades em interpretar e onde as opiniões divergem constantemente, imagine os investidores! O Estado tem que interferir menos e tem que tornar os processos administrativos mais claros e ágeis. Refiro-me, por exemplo, à forma como o IVA é tratado no imobiliário ou à morosidade e complexidade dos processos de licenciamento, ambos afastam muitos investidores.
Olhando para 2020, que lições retira?
O setor imobiliário esteve estagnado durante muito tempo e o ano de 2020 veio acelerar muitas das tendências que já se tinham iniciado, como o teletrabalho ou a tecnologia das reuniões à distância em zoom ou teams. O “work from anywhere” veio para ficar. Outra das grandes lições que retiro é a de que temos que estar preparados para estes eventos e para isso temos que dotar as empresas de tecnologia, não ter medo de mudar e de diversificar os negócios para podermos atravessar estes períodos com maior tranquilidade.
As novas tecnologias podem ser uma saída para ultrapassar as dificuldades do momento?
Sem as novas tecnologias, as dificuldades teriam sido muito maiores. Na CBRE já utilizávamos o zoom antes da pandemia, o que veio a facilitar muito a forma como reagimos à impossibilidade de viajar ou de reunirmos presencialmente. No imobiliário, toda a tecnologia associada à realidade virtual também está a ter um forte impacto na forma como “visitamos” os imóveis, o que facilita depois as transações ou mesmo as avaliações.
“A inovação trazida pelas start-ups é essencial à transformação e evolução de um setor tipicamente lento a adotar novas tecnologias”.
De que forma a inovação normalmente associada às start-ups pode ser uma mais-valia para a transformação digital e dinamização do setor imobiliário dito mais tradicional?
A CBRE promove anualmente um concurso de start-ups relacionadas com imobiliário chamado “Proptech Challenge”. Neste concurso já vimos várias empresas que prometem revolucionar a forma como o imobiliário é trabalhado, por exemplo, na forma como se compra uma casa ou se avalia um imóvel. Num dos “pitches” feitos por uma dessas empresas, lembro-me de um dos fundadores dizer que não percebia nada de imobiliário, mas que percebia muito de matemática e o futuro passa muito por aqui, pelo “Big Data”, tratamento de dados, georreferenciação, etc. A inovação trazida pelas start-ups é essencial à transformação e evolução de um setor tipicamente lento a adotar novas tecnologias.
Que conselhos dá aos mais jovens que querem apostar/investir no setor imobiliário?
O setor imobiliário evoluiu muito nos últimos meses e vai sofrer transformações fascinantes a curto/médio prazo e por isso é um setor muito desafiante e atrativo. Os jovens que queiram apostar neste setor têm a grande vantagem de terem nascido num mundo muito mais tecnológico e “mobile”, mas há muitos aspetos a ter em conta no imobiliário que nunca mudam, como o “location, location, location” e, por isso, devem estar bem assessorados no momento de investir por quem tenha experiência no mercado.
Devem também aconselhar-se devidamente no que diz respeito aos aspetos legais e fiscais associados ao investimento imobiliário. Se quiserem trabalhar, enviem o CV para a CBRE!
Respostas rápidas:
O maior risco: ficar parado e não inovar.
O maior erro: recrutar à pressa.
A maior lição: nunca subestimar a pessoa que temos à nossa frente.
A maior conquista: a criação de uma plataforma ibérica de gestão de imóveis, que hoje gere ativos no valor superior a 25 milhões de euros.