Opinião

Narcisismo à liderança!?

José Crespo de Carvalho, presidente do ISCTE Executive Education

Vamos falar de narcisistas. Essas personagens curiosas que parecem ter saído de um livro de ficção científica mas que, infelizmente, andam entre nós.

É fácil identificá-los, mas o grande desafio é mantê-los longe de qualquer posição de poder. Porquê? Simples. Dar poder a um narcisista é como dar dinamite a uma criança: perigoso, destrutivo e, acima de tudo, previsível.

O primeiro sinal? O olhar. Ah, aquele olhar fixo e intenso, como uma águia observando a presa. É um olhar que fura a alma, mas não te enganes, não há interesse genuíno ali. Eles piscam menos do que o normal, como se estivessem sempre à espera do momento certo para atacar. Se sentires um leve desconforto ao seres encarado por alguém assim, confia no seu instinto. Aquela sensação de que algo está errado provavelmente está certa. Está ali, diante de ti, um narcisista pronto para sugar toda a energia da sala.

O segundo sinal? O sorriso. Mas não é um sorriso qualquer. O sorriso de um narcisista é uma má obra de arte. Sorriem apenas com a boca, como se os músculos dos olhos não tivessem sido informados de que é suposto parecerem felizes. Um sorriso profético, sem emoção verdadeira. E se prestares ainda mais atenção, poderás captar o temido smirk – aquele sorriso sarcástico que é metade superioridade, metade prazer pela desgraça alheia. É um sorriso que deveria vir com um aviso: “Cuidado, veneno à solta.”

Agora, você podes estar a pensar: “Mas como é que alguém assim pode chegar a um lugar de liderança?” Ah, é aqui que reside o perigo. O narcisista tem uma capacidade incrível de manipular as perceções, criando uma imagem de confiança, de competência, quando na verdade está apenas a construir um império de ego. E o que acontece quando dão poder a um narcisista? É o mesmo que dar alimento a um monstro. Quanto mais poder têm, mais acreditam na sua invencibilidade, mais distantes ficam da realidade e mais destrutivos se tornam.

Então, como destruir o monstro? Não, não estamos a falar de um confronto direto, porque isso seria exatamente o que ele quer: um palco para exibir as suas habilidades de manipulação. A chave está na estratégia silenciosa. O antídoto perfeito para um narcisista é alguém que seja como ele nunca poderá ser. Este indivíduo não só tem aquilo que o narcisista mais inveja – empatia, alegria genuína, sensibilidade – mas também possui algo ainda mais letal: a capacidade de não se deixar manipular. É esta resistência à manipulação que faz o narcisista tremer. Este contraste, esta pessoa diametralmente oposta, através da sua intuição consegue ver através das jogadas emocionais o esquema do narcisista, o que o deixa frustrado e, finalmente, o afasta.

Mas atenção: não penses que o narcisista irá embora em silêncio. Não, eles nunca desaparecem sem antes tentarem uma última cartada de manipulação. No entanto, o medo de se verem desmascarados perante alguém que lhes dê silêncio e que não caia nas suas armadilhas é demasiado grande. A frustração e o ressentimento são os seus piores inimigos, e nada os faz sentir mais impotentes do que alguém que se recusa a alimentar os seus egos.

A lição aqui é clara: narcisistas devem ser mantidos a uma distância segura das cadeiras de liderança. Quando nos deixamos encantar por sorrisos falsos e olhares penetrantes, acabamos por entregar o poder a alguém que, na sua essência, só está interessado em uma coisa: alimentar o próprio ego, custe o que custar. E o preço a pagar, para as empresas e organizações, é demasiado alto.

Portanto, o melhor conselho é simples e direto: identificar e eliminar. Um narcisista no poder é um desastre anunciado, e cabe-nos a todos garantir que estas figuras, que pisam mais almas do que tapetes, fiquem bem longe das decisões que importam. Afinal, um líder deve ser alguém que inspira confiança, não alguém que inspira medo. E, acima de tudo, que sorri também com os olhos.

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José Crespo de Carvalho

José Crespo de Carvalho

Licenciado em Engenharia (Instituto Superior Técnico), MBA e PhD em Gestão (ISCTE-IUL), José Crespo de Carvalho tem formação em gestão, complementar, no INSEAD (França), no MIT (USA), na Stanford University (USA), na Cranfield University (UK), na RSM (HOL), na AIF (HOL) e no IE (SP). É professor catedrático do ISCTE-IUL, presidente da Comissão Executiva do ISCTE Executive Education e administrador da NEXPONOR. Foi diretor e administrador da formação de executivos da Nova SBE e professor catedrático da Nova SBE (Operations... Ler Mais..

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