Opinião

“Much ado about nothing” (Comédia, William Shakespeare, final séc. XVI)

Rosário Pinto Correia, Católica Lisbon School of Business and Economics

Numa sinopse do plot desta comédia , ao seg. 36, pode ouvir-se “…nothing … refere-se tanto a ouvir dizer e mexericos como à falta de substância…” determinantes da comédia, que gira em volta destas duas componentes.

Shakespeare podia ter-se inspirado nos tempos que vivemos, em que a falta de substância, o ouvir dizer e os mexericos criam focos de atenção mediática tremendos e escondem não só alguma da realidade dos factos como também outros assuntos que se lhes deveriam sobrepor pela relevância que merecem.

Como se aplica esta realidade às mulheres, aos seus direitos e à forma de os conquistar?

Sendo a 100% defensora da igualdade de direitos das mulheres, tenho consciência do caminho que já se percorreu, num mundo que privilegia os homens em todos os aspetos da vida em sociedade.

As lutas que foram travadas para essa reconquista são imensas e ganhas com o esforço de muitos, sendo que os resultados ainda estão longe de serem suficientes e podermos dizer que a luta está acabada e foi ganha!

Falta ainda um longo caminho, tanto na vida familiar como na vida em sociedade e no governo dos vários organismos que a constituem, para que seja dado às mulheres igualdade de oportunidades, igualdade de retribuição, igualdade de reconhecimento, igualdade de suporte. Igualdade, sobretudo, de respeito, porque é de respeito que se trata, de facto.

As mulheres não são iguais aos homens e não devem ser olhadas como sendo iguais aos homens. É no reconhecimento das diferenças que caracterizam cada um dos sexos que está a riqueza que só a diversidade e o seu aproveitamento podem trazer.

A desconsideração das características – físicas, comportamentais, psicológicas, emocionais… – que fazem da mulher um ser diferente do homem tem como origem, antes e para além de tudo, na falta de respeito que a sociedade em geral tem pela essência do feminino.

Ganhar a batalha da igualdade tem sobretudo a ver com esta obrigação de ganhar o respeito que a mulher merece! E é por isso que alguns espetáculos a que assistimos, supostamente em defesa das mulheres, acabam por esconder realidades mais perturbadoras ou poder ter o efeito contrário por excesso de zelo.

Em vez de nos concentrarmos em aspetos relevantes desta luta, perdemo-nos em much… about nothing!

As tentativas de controlo de linguagem como a que tivemos na notícia do Observador a 18 de Agosto ou no caso Rubiales, são disso exemplo, e pouco ou nada contribuem para esta conquista do respeito de que tanto necessitamos!

Comecemos pela notícia de Agosto – “Supremo quer abolir termos que depreciam mulheres –  Supremo Tribunal indiano não quer que os juízes usem termos como “adúltera”, “mulher fácil”, “criança prostituta” ou “roupas provocadoras”, por exemplo. E fez um guia para acabar com estereótipos…que pretende acabar com palavras depreciativas contra as mulheres, nomeadamente evitando o uso de palavras como sedutora, solteirona e prostituta…”, menos mediáticas, mas não menos representativas do que quero salientar.

A necessidade de igualar tudo e todos toma o lugar da razão e do bom senso. Será que deixou de haver mulheres adúlteras? E os homens, podem ser apelidados de adúlteros sem problema?

Porque aceitamos que ser apelidada de sedutora seja depreciativo da imagem da mulher? Não temos o direito de querer seduzir? Porque tem isso de ser sinal de menos capacidade?

O objetivo de “…acabar com palavras depreciativas contra as mulheres…,” não resultará apenas reduzir a atenção para assuntos de facto importantes, como seja a forma diferente como são tratadas as mulheres e os homens adúlteros ou sedutores? Ou como são olhadas as mulheres que escolhem seduzir ou vestir-se de forma provocadora?

Temos de combater, sim, os estereótipos.
As mulheres podem, sim, ser sedutoras e simultaneamente inteligentes, capazes e eficientes.
Podem ter mau feitio ou ser assertivas como os homens e não ser por isso apelidadas de caprichosas ou brutas.
Podemos e devemos exigir o mesmo tratamento para os mesmos atos e o mesmo sentido para as mesmas palavras, e não tentar procurar conseguir o respeito que nos é devido por limitação de linguagem!

Olhando para o caso Rubiales, encontramos uma abrangência mediática desproporcionada, a apresentação da mulher como um ser frágil e indefeso, e o espaço para os mexericos – de imediato seguida por tentativas várias de explicação/aviltamento de um e outro lado.

O beijo por ter sido ou não consentido.
Haveria ou não obrigação de um pedido de desculpa.

Poderia ou não existir uma qualquer relação entre os protagonistas.

Ocorreu ou não a eventual conversa jocosa da agredida com as suas companheiras de equipa sobre o sucedido.
Beijos em circunstâncias parecidas entre homens ou entre mulheres levantaram ou não celeumas.

Assusta a dimensão que o caso tomou, relegando aspetos muito mais relevantes da nossa vida que ocorrem em simultâneo. Parece despropositada a vitimização ou a demonização da jogadora. Incomoda que se dê espaço a uma conversa assente nas “conhecidas” perfídia do ser feminino ou agressividade sexual do ser masculino!

O assédio e a agressão exercida por homens sobre mulheres têm de ser combatida. A forma de lidar com atos praticados por homens ou mulheres tem de ser igual.

A igualdade de direitos entre ambos tem de ser conquistada.
Mas não acredito que seja assim que vamos conseguir que nos respeitem!

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Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia

Maria do Rosário Pinto Correia é Founder e CEO da Experienced Management e regente da disciplina de Marketing in The New Era (licenciatura em Business Management) na CLSBE. Coordena, ainda, três programas de Executive Education - PGV - Programa de Gestão de Vendas, EI - Estratégias de Internacionalização e CE – Comunicação Estratégica, e é responsável pelo desenvolvimento de atividades da Executive Education da CATÓLICA-LISBON no Brasil e na Ásia. Licenciada em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade Católica Portuguesa,... Ler Mais..

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