Opinião
Moralização dos pagamentos deve começar pelo Estado

A Comissão Europeia propôs um regulamento que limita a um máximo de 30 dias os pagamentos às empresas, tornando assim mais assertiva a diretiva sobre esta matéria atualmente em vigor.
O órgão executivo da UE calcula que a liquidação atempada das faturas permite economizar o equivalente a cinco dias trabalhados por cada empresa europeia (cerca de 340 milhões de horas), o que representa uma poupança de quase 9 mil milhões de euros para a economia dos 27 Estados-membros.
Estamos, pois, perante uma medida absolutamente necessária e pertinente. Os atrasos nos pagamentos comprometem a liquidez das PME e consequentemente a sua sustentabilidade financeira, o seu risco de crédito, a sua resiliência às adversidades, a sua capacidade de investimento e a sua competitividade no mercado. Em suma, a falta de pontualidade na liquidação das faturas dificulta o crescimento das empresas, impedindo o normal desenvolvimento económico e social dos países.
Trata-se, ademais, de uma prática pouco ética e que, muitas vezes, origina morosos e dispendiosos litígios judiciais. Por conseguinte, a medida proposta pela Comissão Europeia, que prevê também o pagamento automático de juros acumulados e taxas de compensação em caso de incumprimento dos 30 dias, vai melhorar o funcionamento do Mercado Único, promovendo um ambiente de negócios mais justo e consciencioso.
Proteger as PME dos maus pagadores é absolutamente vital para a economia portuguesa. Estamos a falar de um universo de 1,3 milhões de empresas em Portugal e, destas, 46 mil eram exportadoras de bens em 2021. As PME constituem, sem dúvida, o grande motor da nossa economia. Mas, como o seu volume de negócios anual não excede os 50 milhões de euros, são mais vulneráveis a perturbações no fluxo de caixa e necessitam de uma gestão da liquidez mais eficiente.
O atraso nos pagamentos é algo que, em Portugal, tanto acomete as empresas como o Estado. Quer o setor público, quer o setor privado excedem os 30 dias estabelecidos como limite pela UE. Apesar da evolução positiva dos últimos anos, um estudo recente da Intrum indicava que o Estado e os setores da energia e dos transportes, que são os piores pagadores em Portugal, demoram em média 72 e 62 dias a cumprir as suas obrigações para com os fornecedores. E mesmo os setores mais cumpridores, como a banca e serviços financeiros, o retalho e os seguros, efetuam os pagamentos em 39, 41 e 41 dias, respetivamente.
O Estado devia dar o exemplo nesta matéria, não só porque tem a obrigação de moralizar a atividade económica, mas também pelo seu elevado peso na economia portuguesa. Muitas PME são fornecedoras do Estado e prestam serviços a entidades estatais, pelo que a sua tesouraria depende em grande medida dos pagamentos provenientes do setor público. Mais: os atrasos nos pagamentos do Estado têm um efeito “bola de neve”, pois retiram liquidez às empresas e, consequentemente, diminuem a sua capacidade financeira para pagar, em tempo útil, aos fornecedores.
Como tal, a redução dos prazos de pagamento deve começar pelo Estado. Para isso, há que melhorar os processos de contratação pública, eliminar procedimentos burocráticos, agilizar a faturação das entidades públicas e combater uma certa prepotência do Estado na relação com a sociedade civil, nomeadamente com as empresas.