Opinião

Iniciativa empreendedora e sociedade

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Tenho observado, em variados recantos do mundo, o valor da iniciativa pessoal na solução dos problemas que afetam pessoas singulares ou a sociedade. Muitos dos problemas têm uma amplitude e exigência de investimentos que dificilmente uma pessoa só ou mesmo em grupo pode dar resposta.

Nessas alturas uma entidade superior, eleita para governar, com recursos, deverá fazê-lo, conhecendo as ideias de quem maduramente pensou e se abriu à discussão.

Há muitos exemplos de como uma ideia incoada por uma pessoa, depressa cresceu e incentivou empreendedores e pessoas de bem para a replicarem noutros locais. Estou a pensar no Aravind Eye Care System, na Índia, iniciativa de um médico, cirurgião dos olhos, que ao reformar-se, aos 58 anos, como é usual na Índia, criou uma pequena clínica com 11 camas (em 1978) e hoje é um vasto complexo de 13 hospitais e mais 75 centros de consulta, no Sul da Índia. E o mais interessante é que desde o início teve a preocupação de atender e operar às cataratas os mais pobres que nada podiam pagar. Hoje mantém uma proporção de cerca de 40% que paga a conta dos serviços recebidos e os restantes 60% pagam muito pouco ou nada. No último ano, aquele complexo de saúde deu 4,4 milhões de consultas e fez mais de 0,5 milhões de operações às cataratas!

Outra iniciativa, para acabar com os intermediários e apoiar diretamente os agricultores, foi a criação do sistema cooperativo numa povoação do Estado de Gujerate, chamada Anand, que hoje conta com 3,6 milhões de cooperantes, organizados em três níveis: as cooperativas em cada uma das aldeias, agrupadas em uniões de cooperativas numa vasta área e, no topo, a federação das uniões.

No ano 2015 vendeu $3,2 bn dos seus produtos. As diferentes réplicas em toda a Índia, levaram a que hoje cerca de 70 milhões de famílias tenham um fluxo de um segundo rendimento por via da interação com as cooperativas.

Impulso à iniciativa empreendedora

Onde há iniciativa, parece haver criação de valor e, em concreto, de riqueza e postos de trabalho.

Uma sociedade necessita de profissionais de todo o tipo: para planear, organizar, administrar e executar, para investigar, para os trabalhos rotineiros de logística, transportes e armazenamento, de contabilidade, de segurança e defesa, etc. E, sobretudo, de algumas pessoas com capacidade de intuir o que a sociedade precisa e corresponder, pois as suas ideias e capacidade de realizar põem todos os outros profissionais em movimento, utilizando as skills de cada um e produzindo abundante riqueza ao satisfazerem necessidades da sociedade.

O impulso empreendedor parece inato, em boa parte. Há quem veja necessidades às quais dá resposta; ou antecipa outras…. Os exercícios de simulação parecem sugerir que se pode estimular uma criatividade prática, abrindo os horizontes mentais. Se acontece uma certa situação ou se alguns parâmetros oscilam, como agir? Isso pode criar mais agilidade mental e conforto face às incertezas e riscos de empreender.

Há quem sugira que em matérias que se orientam para a ação, como produzir ou dar um serviço tido como necessário, a familiaridade intuitiva ajuda muito; por isso, tudo quanto sejam trabalhos práticos aplicados à realidade dos artefactos, para que funcionem melhor e eficazmente, fazem despertar o gosto de encontrar saídas para cada situação, eventualmente introduzindo melhorias ou redesenhando os produtos, ou ainda inventando soluções mais completas e avançadas, com incorporação de tecnologia.

Outros sugerem ter no ensino aos níveis mais elementares, uma componente criativa, não de repetir, mas induzir a perguntar e a dar respostas ao que indagou. Com trabalhos práticos e ao ar livre, submetendo a questões que façam pensar sobre como influir sobre a realidade, modificando-a…

Espaço de liberdade e estímulo da sociedade

Um enquadramento adequado para realizar as boas ideias, tem de ser bem pensado e ajustado à situação de cada país ou de cada zona do país. Falo no apoio que podem significar os empreendedores bem sucedidos e com posses (business angels, por exemplo) que entrem na fase inicial da realização das novas ideias; algum tipo de apoio a fundo perdido para as start-ups; capacidade de obter empréstimos dos bancos em melhores condições para o lançamento de iniciativas; tudo isso pode ser útil para o impulso inicial. Mas é ainda mais importante um ambiente de apreço, de louvor e agradecimento às pessoas de ideias divergentes, que demonstraram serem possíveis, para o bem de todos.

*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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