Opinião

iLoF, a plataforma inteligente que quer democratizar o acesso à medicina personalizada

Luís Valente, CEO da iLoF

Chama-se iLoF (inteligente Lab on Fiber) é uma start-up portuguesa especializada na área da saúde que está a conquistar espaço na cena internacional e que acabou de conseguir um financiamento de um milhão de dólares da Microsoft Ventures (M12) e do Mayfield Fund. Em entrevista ao Link To Leaders, Luís Valente, CEO da iLoF,  falou do percurso da start-up e de como gostariam de ajudar encontrar um tratamento para um dos grandes desafios na área da saúde: a doença de Alzheimer.

Uma plataforma que permite, com base numa gota de sangue, recolher e guardar numa biblioteca virtual biomarcadores de diversas doenças, assim como perfis biológicos personalizados de distintos tipos de pacientes. Este é core business da iLoF, uma jovem start-up criada em Portugal no ano passado, focada na área da saúde e que quer contribuir para ajudar a resolver alguns dos grandes desafios da indústria da saúde.

Atualmente, a trabalhar com hospitais e farmacêuticas mundiais, a longo prazo a iLoF ambiciona que a sua plataforma permita e acelere a chegada de um novo tratamento eficaz para uma das muitas doenças heterógenas ainda atualmente incuráveis, como é o Alzheimer, mudando a vida de milhões de pessoas que sofrem de patologias complexas em todo mundo. Luís Valente, CEO da ILoF, traça o percurso deste projeto que nasceu de trabalhos de investigação académicos e das ambições da equipa que, desde a primeira hora, pensa global.

Como nasceu a iLoF?
A iLoF nasce do reconhecimento de que os enormes avanços da medicina nos últimos séculos se basearam na ideia de que o mesmo tratamento é eficaz em toda a população – quando, infelizmente, nem sempre é assim. Grande parte dos desafios da indústria da saúde de hoje passam por lidar com doenças complexas, heterogéneas, que nascem por diversos fatores e apresentam diversos comportamentos em diferentes indivíduos. Foi com base nesta ideia que fundamos a iLoF.

Em 2019, as nossas cofundadoras Joana Paiva e Paula Sampaio (atuais CTO e CSO), estavam a desenvolver uma tecnologia agnóstica baseada em Fotónica (uma tecnologia baseada em Luz) e Inteligência Artificial, que já tinha mostrado excelentes resultados a estratificar pacientes na área oncológica (cancro gástrico). Como a Joana estava no final de um programa de doutoramento, achámos que era a altura certa para tentar levar a plataforma para o mercado.

De que forma?
Começámos num processo de fundraising e ao final de três meses já tínhamos uma term sheet no valor de algumas centenas de milhares de libras de investimento, provenientes de um fundo de investimento britânico, com o propósito de montar a empresa e realizar uma prova de conceito

Acabamos por não aceitar essa proposta e juntamo-nos a um programa de aceleração: o Wild Card. Ao longo de mais de quase meio ano, para além de termos a sorte de encontrar e trazer para a equipa a nossa quarta cofundadora (Mehak Mumtaz, atual COO), conseguimos validar a necessidade da nossa plataforma por meio de mais de 100 entrevistas documentadas com stakeholders da indústria da saúde, farmacêutica e tecnológica, em quatro continentes.

Ainda antes do fim do programa, conseguimos “letters of interest” de três grupos farmacêuticos mundiais demonstrando interesse na nossa plataforma, e terminamos por assegurar um investimento de um investidor de impacto social no valor de 2 milhões de euros (EIT Health). E assim, nascia a iLoF (inteligente Lab on Fiber).

“Obter as primeiras reuniões com executivos da indústria farmacêutica (…) foi talvez uma das coisas mais difíceis (…)”

Quais os desafios que encontraram pelo caminho?
A área da saúde é uma das mais conservadoras: é necessária muita persistência, tenacidade, mas também know-how. Mais do que conhecer a tecnologia, é preciso conhecer muito bem a “pain”, a necessidade que vimos resolver.

Obter as primeiras reuniões com executivos da indústria farmacêutica para validar o “product-market-fit” e ter deles as primeiras manifestações de interesse foi talvez uma das coisas mais difíceis, mas também daquelas que hoje nos traz mais proveitos.

Que aprendizagens retirou do programa de inovação aberta do EIT Health?
Imensas. Uma delas é que por maior que seja uma organização, existe sempre no mínimo uma pessoa (normalmente múltiplas) responsáveis por tomar a decisão de usar ou adquirir um produto. E normalmente, essa pessoa é completamente diferente da pessoa que irá usar o produto. Entender a distinção entre utilizador e comprador é essencial para sobreviver no B2B da área da saúde.

Outra lição é a de que grande parte das assunções não testadas que fazemos sobre uma necessidade de mercado, são falsas: principalmente no sector Health. É indispensável validar com o utilizador.

“A iLoF é uma plataforma que permite, com base numa simples gota de sangue, recolher e guardar numa biblioteca virtual biomarcadores de diversas doenças (…)”

Quais são os principais objetivos da tecnologia da iLoF?
A iLoF é uma plataforma que permite, com base numa simples gota de sangue, recolher e guardar numa biblioteca virtual biomarcadores de diversas doenças, assim como perfis biológicos personalizados de distintos tipos de pacientes.

Com esta base de dados (que pode ser comparada a um arquivo de impressões digitais), é possível oferecer ferramentas de triagem e estratificação não-invasivas, baratas e portáteis, que podem ser usadas para recrutar pacientes para estudos clínicos de forma mais barata e eficiente para a indústria, e de forma conveniente para o paciente.

Apesar da plataforma ser agnóstica nos alvos terapêuticos e ter provas dadas em áreas como a oncologia ou as doenças cardiovasculares, estamos muito focados em ajudar a chegar ao mercado um tratamento para aquele que é considerado um dos maiores desafios na área da saúde dos tempos modernos: a doença de Alzheimer.

Qual é o impacto que esta tecnologia pode ter no tratamento de doenças e no futuro do setor da saúde?
Infelizmente, grande parte das doenças para as quais não existe tratamento são doenças heterogéneas, complexas, e para as quais o mesmo tratamento não funciona para toda a população. São precisas ferramentas que estratifiquem a população com base nos seus diferentes perfis biológicos (como a iLoF), e permitam assim o desenvolvimento de tratamentos adequados a cada perfil.

No fundo, a iLoF é uma tecnologia de plataforma, e apesar de estar muito focada em transformar a experiência nos estudos clínicos, as aplicações vão muito para além disso.

Na área do cancro, por exemplo, já foram feitos pilotos de estratificação de diferentes tipos de cancro gástrico, cancro do estômago e do pâncreas e, no fundo, essa diferenciação entre perfis biológicos e subtipos de tumores permitirá ao médico definir qual é o tratamento mais apropriado para cada caso, minimizando os efeitos secundários ao mesmo tempo que se maximiza a eficácia.

“A pandemia trouxe desafios e oportunidades”.

Até que ponto e em que moldes veio a pandemia acelerar a forma de trabalhar na iLoF?
A pandemia trouxe desafios e oportunidades. Por um lado, tendo a equipa técnica incubada no Centro de Investigação Médica do Porto, tivemos que rapidamente adaptar os processos para lidar com a nova realidade pandémica, e todos os protocolos de saúde que lhe são associados.

Por outro lado, tivemos a oportunidade (e responsabilidade) de aplicar a nossa plataforma ao serviço do combate à pandemia, num projeto em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e o Hospital de São João, em que criámos uma ferramenta de estratificação que permite prever a evolução clínica (tempo e gravidade da doença) de um paciente infetado com COVID-19, desde o momento da infeção e diagnóstico até à recuperação.

Acabam de assegurar um milhão de dólares em investimentos por parte da Microsoft Ventures (M12) e do Mayfield Fund. No que será aplicado este investimento?
Principalmente em dois verticais: acelerar as nossas operações atuais com os nossos parceiros clínicos (fundamentalmente na área das neurodegenerativas, como o Alzheimer), e expandir a plataforma em mais duas áreas, uma das quais é a oncologia.

“Só na doença de Alzheimer, nos últimos 14 anos, mais de 400 estudos clínicos falharam, sem nenhum tratamento novo aprovado”.

Quais são os desafios em torno do atual processo de ensaios clínicos?
Nos últimos anos, muitos estudos clínicos de larga escala têm sido suspensos ou até cancelados, aparentemente por resultados pouco promissores ou mesmo por questões de orçamento. Isto tem acontecido muito frequentemente na área das doenças neurodegenerativas, e especialmente, no Alzheimer.

Só na doença de Alzheimer, nos últimos 14 anos, mais de 400 estudos clínicos falharam, sem nenhum tratamento novo aprovado.

Por um lado, chegou-se à constatação de que o mesmo medicamento não pode ser testado em toda a população, e de que são necessárias ferramentas de estratificação para dividir a população consoante o seu perfil biológico e resposta à terapêutica. Por outro lado, os métodos de inclusão e recrutamento para os estudos são ainda muito invasivos, caros e inacessíveis, usando ferramentas como a punção lombar ou a tomografia por emissão de positrões (PET). Tudo isto faz com que 90% dos pacientes desistam do estudo clínico, o que aumenta em muito o custo do estudo e dificulta a aprovação de um tratamento.

O Alzheimer é um caso claro das dificuldades dos estudos clínicos nos dias de hoje. Porém, infelizmente, está longe de ser caso único.

“(…) tem existido uma aposta clara dos empreendedores (e dos investidores) em tecnologias que possam transformar e moldar os cuidados de saúde no futuro”.

Considera que a inovação na saúde tem sido acelerada com a ajuda das start-ups?
Sem dúvida. Apesar de ser uma área extremamente tradicional, tem existido uma aposta clara dos empreendedores (e dos investidores) em tecnologias que possam transformar e moldar os cuidados de saúde no futuro.

Um caso claro são as start-ups de tele-health, que têm agora a oportunidade de permitir o acesso a cuidados de saúde de qualidade a milhões de pacientes de risco, que podem assim contactar com o seu médico sem o risco de infeção por COVID-19 associado com uma visita ao hospital.

Que mercados são mais representativos para a iLoF neste momento?
Fundamentalmente os mercados do centro e norte da Europa, onde os maiores polos farmacêuticos e de biotecnologia estão localizados.

Quais são os vossos principais clientes?
Primariamente empresas a atuar no ramo de desenvolvimento de novos tratamentos (como biotecnológicas ou farmacêuticas), ou hospitais a implementar ferramentas de “pre-screening”/triagem de doenças raras ou complexas, como é o caso da doença de Alzheimer.

Que tipo de ajuda têm obtido por parte da Oxford Foundry?
Um apoio incansável de mentoria personalizada, acompanhado por formação de topo e o acesso a uma rede de networking que nos permitiu seguramente acelerar o negócio em várias ordens de magnitude. A estratégia da Universidade de Oxford em apoiar apenas 10 empresas por ano faz com que possam dedicar muito mais tempo e energia às start-ups do portefólio, e possam também “adaptar” o programa a cada empresa. Muitos dos nossos clientes e alguns dos advisors foram, de uma forma ou de outra, introduzidos por intermédio da Oxford Foundry. É sem dúvida um ecossistema único a nível mundial.

“(…) o objetivo é assumirmo-nos como a plataforma inteligente capaz de democratizar o acesso à medicina personalizada (…)”

Qual será a vossa estratégia a curto médio prazo?
A curto prazo tencionamos expandir a equipa para 20 pessoas até ao final do ano, de forma a responder aos projetos e pilotos que temos a arrancar em diversas verticais com os nossos parceiros clínicos.

No geral, o objetivo é assumirmo-nos como a plataforma inteligente capaz de democratizar o acesso à medicina personalizada, fazendo com que empresas farmacêuticas e de biotecnologia possam desenvolver tratamentos precisos de forma flexível e eficiente, enquanto transformamos a experiência do paciente, tornando-a mais confortável e acima de tudo humana.

Projetos para o futuro…
A nível prático, aumentar a presença da iLoF fora da Europa, fundamentalmente no mercado americano, onde o acesso a estudos clínicos é ainda bastante inconveniente para o paciente.

A longo prazo, gostaríamos que a plataforma permitisse e acelerasse a chegada de um novo tratamento eficaz para uma das muitas doenças heterógenas ainda atualmente incuráveis (como é o caso do Alzheimer), mudando a vida de milhões de pessoas que sofrem de patologias complexas em todo mundo.

Respostas rápidas:
O maior risco: Back-packing na América Latina no período da passagem de um dos piores furacões dos últimos 50 anos (não foi planeado, mas valeu a pena o risco).
O maior erro:
Work-sleep balance. Infelizmente, por mais entusiasmante que seja o projeto, o dia continua a ter o mesmo número de horas.
A maior lição: “’If a man knows not to which port he sails, no wind is favorable.”
A maior conquista: Ver a iLoF e os seus cofundadores selecionados pela Forbes como “30 under 30” na categoria de Ciência e Tecnologia.

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