Opinião

“Geração ansiosa” ou o mundo em transformação? Resposta ao debate sobre a “Geração propósito”

Rita Vilas-Boas, investidora e consultora de start-ups

O artigo “Geração propósito: jovens inspirados ou à beira da fragilidade?” levantou uma discussão polémica, mas necessária, sobre a obsessão contemporânea (?) com a busca de sentido da vida profissional. No entanto, e para compreender mais a fundo este fenómeno, é essencial considerar as mudanças estruturais que moldaram – ou, melhor escrito, estão a moldar – os jovens de hoje.

O psicólogo social e autor Jonathan Haidt, no seu livro “A geração ansiosa”, apresenta argumentos sólidos sobre a forma como o contexto social e tecnológico dos últimos 15 anos alterou drasticamente o desenvolvimento emocional dos jovens. Antes de descartarmos esta busca por propósito como uma “ilusão” moderna, devemos compreender os motivos por detrás da sociedade atual.

  1. A geração do smartphone e a nova cultura da fragilidade

Haidt defende que a viragem decisiva na forma como os jovens se percebem e interagem com o mundo ocorreu entre 2010 e 2015, com a adoção em massa dos smartphones e das redes sociais. A infância estruturada, antes repleta de jogos ao ar livre e exercício físico, foi substituída por um modelo de socialização mediado por ecrãs. O resultado? Um aumento alarmante de ansiedade, depressão e dificuldades emocionais entre os jovens.

Ao contrário do que se pensa, a fragilidade emocional não é inata à geração Z — ela foi construída por uma cultura que eliminou riscos e tornou o desenvolvimento pessoal mais dependente do mundo digital. A geração anterior ainda aprendeu a lidar com frustrações através da experiência direta: conflitos resolvidos presencialmente, fracassos vividos sem o filtro do Instagram, erros cometidos sem terem registos permanentes na internet. Hoje, tudo é documentado, avaliado, julgado e comparado.

Isso ajuda a explicar a necessidade de um “propósito” na vida profissional: os jovens cresceram num ambiente que reforça constantemente a ideia de que devem ser especiais, autênticos e impactantes. No entanto, essa promessa de individualidade entra em choque com a realidade do mercado de trabalho, onde a progressão é lenta e os desafios são muitos. (e sim, há exceções, sobretudo nas áreas tech, mas são isso mesmo, exceções!)

  1. Propósito ou ansiedade? O papel das redes sociais

O meu artigo original menciona a influência das redes sociais na idealização da vida profissional e pessoal. Mas Haidt vai além disso e demonstra como a exposição contínua às vidas “perfeitas” nas redes sociais cria uma dissonância cognitiva: os jovens sabem que nem tudo é real, mas não conseguem evitar a constante comparação.

Se, nos anos 80, o objetivo da vida era garantir estabilidade, hoje é ser “inspirador”, “impactante” e “autêntico”. A necessidade de pertença sempre existiu, mas antes era mediada por interações reais. Hoje, mede-se em “likes”, número de seguidores e interações, ou seja, através de um sistema que amplifica a insatisfação.

Haidt sugere ainda que a maior parte da ansiedade dos jovens não vem apenas da incerteza sobre o futuro, mas da ilusão de que todos os outros encontraram o seu propósito enquanto eles ainda estão à procura. Este ciclo de comparação infinito gera um paradoxo: ao mesmo tempo que os jovens rejeitam a ideia de que o trabalho deve definir a sua identidade, sentem uma pressão esmagadora para que ele seja significativo.

  1. A infância blindada e a falta de resiliência

O artigo toca noutro ponto importante: o paternalismo excessivo na educação dos jovens. Haidt confirma essa tendência e associa-a ao modelo da “infância blindada”, no qual pais e educadores eliminaram riscos naturais do crescimento, impedindo o desenvolvimento da resiliência. Ou seja… em teoria, a responsabilidade é sobretudo dos educadores que, na maioria das vezes, são os pais!

Nas décadas passadas, as crianças brincavam na rua, resolviam conflitos sem intervenção adulta e aprendiam a lidar com o fracasso de forma natural. A partir dos anos 2000, a cultura do “superprotecionismo” tomou conta da educação, reduzindo a exposição a pequenos desafios que ajudam a construir resistência emocional. Ou então, como já vi, são os pais a resolver os conflitos dos filhos! Onde já se viu isto?

O resultado? Jovens que chegam ao mercado de trabalho menos (ou nada!) preparados para lidar com as dificuldades, mais ansiosos e mais propensos a interpretar desafios comuns como ameaças ao seu bem-estar psicológico. Isso não significa que esta geração seja inerentemente fraca, mas sim que foi criada num ambiente que desincentivou o desenvolvimento da resiliência.

  1. A busca pelo propósito como estratégia de sobrevivência

Se tudo isto é verdade, então por que se tornaram os jovens tão obcecados pelo propósito? A resposta pode estar na necessidade de sentido num mundo hiper-complexo.

Nos anos 70 e 80, a progressão profissional era mais linear. Trabalhava-se num posto estável, com expectativas claras de crescimento e recompensa. Ou pelo menos parecia que sim. Hoje, as oportunidades são mais cinzentas, difusas, as carreiras são menos estáveis e lineares e, em muitos casos, a competição é global. Sem um mapa claro, o propósito torna-se um guia interno, uma forma de encontrar coerência numa realidade fluida.

Os jovens não são frágeis porque querem significado. E procuram-no porque cresceram numa era sem certezas. A tecnologia fragmentou o caminho tradicional do sucesso, tornando a navegação profissional mais difícil e incerta. Provavelmente o  propósito não é um capricho, mas sim uma resposta a um mundo onde as regras do jogo mudaram drasticamente.

  1. Para onde vamos agora?

Em vez de criticar os jovens pela sua busca incessante por sentido, talvez devêssemos ajudá-los a redefinir o que propósito realmente significa. Haidt sugere que a solução passa por equilibrar expectativas com realidade, promovendo ambientes que incentivem a autonomia sem cair no paternalismo.

Em conclusão e como dizia Charlie Munger, um dos meus pensadores favoritos, “a primeira regra para uma vida feliz é ter expectativas baixas. Se tiver expectativas irrealistas, passará a vida inteira miserável”.

Comentários
Rita Vilas-Boas

Rita Vilas-Boas

Rita Vilas-Boas é investidora e consultora de start-ups, com mais de 20 anos de experiência em gestão, tendo desempenhado vários cargos de liderança em sete países, em três continentes. Trabalhou 10 anos em empresas de FMCG (P&G e L'Oréal) assumindo inúmeras funções comerciais regionais e globais. Durante cinco anos trabalhou para empresas familiares capazes de entregar excelentes resultados globais de P&L. Viveu em Xangai durante quatro anos liderando a estratégia de marketing e o portefólio de uma start-up, uma das... Ler Mais..

Artigos Relacionados