Opinião
Expo Real 2023 – sentir o pulso do mercado imobiliário
Como vem sendo hábito há vários anos, outubro assinala a realização, imediatamente após o encerramento da famosa Oktorberfest, de uma das maiores feiras imobiliárias do Mundo, a Expo Real, que tem lugar em Munique na impressionante Messe München, um complexo de exposições de proporções impressionantes e construído de raiz para albergar alguns dos maiores eventos mundiais no centro da Europa.
A par da também já famosa MIPIM, que tem lugar anualmente em março no Palais des Festivals, em Cannes, estamos em presença das duas feiras obrigatórias para todos os que operam no setor imobiliário europeu e, cada vez mais, mundial, colocando em contato promotores, investidores, fundos, brokers, prop techs, entre tantos outros que nestes eventos procuram sentir o pulso ao mercado imobiliário e, naturalmente, desenvolver negócios neste setor.
Sendo uma das feiras imobiliárias mais importantes a nível mundial, a Expo Real é também conotada pelos seus participantes como o local para fechar negócios. Contrariando a tendência mais descontraída e relacional da MIPIM, a Expo Real tem em si a aura de uma verdadeira feira de negócios que permite de forma mais pragmática compreender o estado atual do mercado e aferir do real interesse dos investidores mundiais neste setor. Aqui as pessoas encontram-se para fechar negócios, sem prejuízo do lado lúdico oferecido nos dias antecedentes pela referida Oktoberfest, claro está.
Num ano marcado por forte incerteza e enorme retração no investimento imobiliário a nível mundial e mais especificamente europeu, vários foram os temas quentes na ordem de trabalho dos profissionais presentes, desde a subida galopante dos juros, o papel da digitalização na evolução do mercado imobiliário, a componente migratória mundial e, claro está, a crescente importância da ESG (environmental, social and corporate governance), sem esquecer os já tradicionais custos de construção e limitações ao financiamento verificadas ao longo dos mercados europeus.
Criando sempre forte expetativa no setor, a Expo Real de 2023 trazia consigo uma novidade em tempos de crise e incerteza, iria permitir também aferir da real pujança ou não deste setor de atividade tão importante. E verdade seja dita que os números lançaram uma aura de algum otimismo cauteloso (expressão deveras utilizada no evento) para quem augurava um descalabro do setor imobiliário europeu.
A feira decorreu com a presença de mais de 1.800 expositores, equiparando-se aos números do ano transato, contando com a presença de mais de 40.000 profissionais do setor, oriundos de mais de 70 países, números um pouco superiores até aos verificados em 2022, o que por si foi já um sinal algo positivo para contrariar o pessimismo que tem assolado esta indústria desde a pandemia do Covid-19 e início do conflito na Ucrânia. Porém, mais do que verificar os números de presença, o real interesse esteve em perceber a enorme quantidade de reuniões, encontros, eventos e outro tipo de ações que granjearam audiências massificadas, claramente reveladoras do sentimento geral do setor, o tal otimismo moderado, na procura das melhores soluções que permitam criar sinergias e parcerias para sobreviver a esta crise.
Essa é talvez a palavra mais importante, a título pessoal, que pude ouvir na Expo Real, parcerias. É cada vez mais evidente que o setor sente-se muito desamparado e que os vários players, com naturais exceções, olham para o futuro de forma mais concertada, procurando negócios em que a partilha do risco e da experiência têm um papel fundamental, especialmente considerando o crescente número de negócios transnacionais que se têm verificado (isto sem tirar mérito ao papel dos negócios desenvolvidos pelos promotores nacionais dentro da órbita dos seus países de origem, claro está).
Falando especificamente de Portugal, julgo ser defensável que há interesse no mercado imobiliário no nosso país, sem dúvida. É um interesse moderado, cauteloso, marcado por vários pontos de interrogação, especialmente quando comparamos o nosso mercado a outros países europeus onde os preços já começam a apresentar uma retração e correção forte – com crescente número de distressed assets a serem colocados no mercado. Em Portugal, como em Espanha, essa correção ainda não se fez sentir de forma intensa e é curioso verificar que continuamos um pouco em contraciclo, revelando ainda alguma subida do preço por metro quadrado, muito marcada também pela escassez de produto de qualidade (aqui está a velha regra da oferta e da procura), o que afasta sobremaneira alguns investidores que olham para os seus valores de saída não a preços atuais, mas já estimando as referidas correções dentro de poucos anos, e como tal muito menos apelativas do que poderíamos subsumir ao olhar para os “meros” números do nosso mercado atual.
Mas há interesse, e interesse crescente de mercados como o norte-americano ou novas geografias asiáticas que olham para Portugal como um safe heaven com localização privilegiada, onde o turismo continua a imperar e beneficiando de estabilidade governativa (não podemos tão facilmente dizer estabilidade legislativa face ao recente pacote Mais Habitação, fim dos golden visa ou do NHR). Não é assim de estranhar que o setor da hotelaria, ou melhor dizendo, das camas na sua generalidade (residências de estudantes, residências seniores, hostels, etc.) continua no topo das preferências internacionais de investimento, reforçando-se a procura pelos setores da logística e das ciências médicas, isto sem deixar de mencionar o investimento em imóveis residenciais para produtos de luxo e classe média-alta. O investimento em produtos residenciais de gama média ou os famosos BTR (build to rent) são também foco de interesse, mas devido aos preços praticados e dificuldade no acesso ao crédito à habitação, continuarão à espera de melhores dias, contribuindo assim para a crise habitacional a que assistimos no nosso país.
Se a Expo Real serve para sentir o pulso ao mercado, a verdade é que temos de concluir que ele continua ativo, vibrante e à procura de novas soluções para responder à crise. Exige, no entanto, uma cooperação mais intensa dos diversos atores envolvidos, uma maior consciência por parte de proprietários e promotores, maior sagacidade dos políticos na definição das suas opções e, acima de tudo, uma resiliência a que o setor já se vai acostumando, e que permita a contínua criação de investimento, habitação, produto e emprego, algo que tanto precisamos no nosso Portugal. Mas acima de tudo, a Expo Real mostra que Portugal continua a ser interessante, e temos de saber aproveitar os sinais positivos e capitalizar antes que a maré mude e nos vejamos numa possível crise irremediável.