Opinião

Designed in Ireland. Hand-Made in Portugal.

André Marquet, cofundador da Productized

Quando Steve Jobs regressou à Apple, e se tornou CEO, os seus produtos começaram a trazer a seguinte inscrição “Designed by Apple in California, Assembled in China” que se pode traduzir por “Projetado pela Apple na Califórnia, montado na China”.

No artigo “O paradoxo da produtividade em Portugal”  falei sobre o paradoxo da produtividade portuguesa, e usei alguns exemplos académicos, empresas fictícias, e como poderiam mudar o seu modelo de negócio para vencer esse paradoxo. Mais recentemente escrevi o artigo “Como seria a nossa vida se o nosso PIB per capita fosse igual ao da Irlanda?”

Mensagem no verso de um produto Apple, produzido a partir de 2004

No artigo de hoje trago exemplos concretos, de duas empresas, uma portuguesa e outra irlandesa, sua cliente, que ilustram precisamente estes dois artigos. Falo-vos da empresa de bicicletas InCycles, cuja principal unidade fabril tive a oportunidade de visitar recentemente, mas poderia trazer tantos outros como a empresa de sapatos sueca C-PQ que vende toda a sua linha de sapatos destacando, com proeminência, que são feitos à mão “hand-made in Portugal”. Para o caso, trago a empresa irlandesa de bicicletas Kuma Bikes que fabrica entre outras, o seu modelo mais popular, a Kuma Bikes M1 com um preço base de venda ao público de 3.450€, uma bicicleta elétrica com quadro de alumínio, desenhada sobretudo para responder às necessidades do mercado norte europeu e satisfazer a procura interna do mercado irlandês, dado que naquele país existe um incentivo à compra de bicicletas elétricas de 1500€ para colaboradores que se comprometam a ir de bicicleta para o trabalho. Em Portugal existe um incentivo da mesma natureza, mas de apenas 500€ para bicicletas da mesma tipologia.

As Kuma Bikes M1 são todas fabricadas em Portugal, pela InCycles, na sua fábrica, que tive oportunidade de visitar, no distrito de Aveiro, e que conta entre os seus clientes, com nomes muito conhecidos como a Lime e a Uber.

A bicicleta Kuma Bikes M1 a ser construída na Fábrica da Incycles no distrito de Aveiro.

Para a InCycles, vamos especular que esta bicicleta terá um custo à saída da fábrica, quando vai empacotada, a caminho do porto de Leixões para onde é exportada para a Irlanda, de 1350€. Neste caso, a InCycles também é responsável por adquirir a diversos fornecedores externos os componentes da bicicleta, o quadro em alumínio chinês, a bateria sul-coreana, a correia alemã, entre muitos outros, que vamos situar nos 800€, ficando com uma margem bruta de 400€ para suprir o custo de produção fabril, os meios de produção, o capital humano, entre outros custos de operação, resultando, portanto, num lucro de 150€ por cada bicicleta vendida.

Já a Kuma Bikes, que é uma empresa de serviços, e compra à InCycles cada bicicleta por 1350€ e a consegue vender por 3.450€, tem uma margem bruta de 2150€ por cada bicicleta, e um lucro de 750€ por cada bicicleta vendida.

A bicicleta Kuma Bikes M1 montada, tal como apresentada no site da empresa

Ou seja, a empresa irlandesa, que controla a marca e as vendas ao consumidor final, captura grosso modo 6 vezes mais valor por cada bicicleta! Isto é, agrega mais valor, e por isso será potencialmente muito mais rentável. Esta tem sido resumidamente a história económica portuguesa, desde que o economista David Ricardo no século XVIII formulou a sua teoria económica da vantagem competitiva, usando já na altura o exemplo de Portugal e da Inglaterra – a Irlanda na altura não existia como nação independente.

O verdadeiro paradoxo, é porque é que não há mais “Kuma Bikes” à Portuguesa – durante muitos anos, poderíamos ensaiar uma resposta no facto de pura e simplesmente não existirem pessoas com as competências necessárias, de não termos designers, de não termos engenheiros, ou gestores com as devidas habilitações, mas, atualmente, essa narrativa é cada vez mais difícil de manter, dado que o país forma muitos milhares de pessoas com estas competências por ano.

Será falta de empreendedores? Ou será o ambiente cultural e ou falta de histórias de sucesso? Afinal de contas, porque é que não há mais Kevin Lacey’s portugueses que queiram montar start-ups de “produto” em Portugal? Sobretudo, e quando, ao contrário da Irlanda, temos uma base industrial instalada, flexível e competitiva, pronta para receber encomendas, testar protótipos à distância de uma pequena viagem, e não um mar a separar-nos?

Se é verdade que é crítico procurar manter e até reforçar a base industrial em Portugal, porque o setor industrial pode trazer grandes vantagens competitivas aos países ditos desenvolvidos, nomeadamente por encurtar o ciclo de desenvolvimento e aprendizagem através de prototipagem e experimentação mais rápida, já para não falar da tão importante resiliência das cadeias produtivas que ficou patente na sequência da última crise pandémica. Também é verdade que precisamos de inovar o modelo de negócio para a economia portuguesa

A InCycles ainda não tem bicicletas de marca própria de tração elétrica, que façam concorrência direta às Kuma Bikes, mas posso adiantar teremos novidades em breve. Esta empresa, como outras na nossa economia, está a fazer o seu caminho na sua jornada de produtização. Tal, como nos ecossistemas naturais, só quem está no topo de uma cadeia alimentar não tem predadores naturais.

E um bom exemplo do espírito predador é o caso da Hunter Boards, cofundada pelo Miguel Morgado, que desenha e fabrica em Portugal um skate elétrico considerado uma das melhores inovações de 2020 pela revista TIME e se prepara para lançar no dia 15 de abril, um novo produto, desta feita, uma mota elétrica igualmente inovadora.

É movido por esse mesmo espírito que estou a organizar a Productized Conference 2023, um fórum dedicado a pensar em como podemos produtizar a economia portuguesa, onde gestores de produto, engenheiros industriais, inovadores e marketeers, indústrias e fundadores de start-ups se reúnem durante dois dias para pensar e discutir acerca destas temáticas, juntamente com alguns dos principais autores e especialistas destas áreas, diretores de produto de empresas como a Google, a Firefox, ou da portuguesa Outsystems.

Deixo o convite a todos os leitores para se juntarem a este fórum de profissionais que se irá reunir na Feira Internacional de Lisboa do Parque das Nações, nos dias 11 e de 12 de outubro, para discutir estratégias e métodos de produtização nas empresas de produto digital mais inovadoras do mundo e também de Portugal.

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André Marquet

André Marquet

André Marquet é formado em Engenharia de Telecomunicações e mestre em informática, pelo ISCTE-Universidade de Lisboa. Iniciou a sua carreira como investigador de redes informáticas no INESC Lisboa. Trabalhou na Tunísia para a EFACEC. Ocupou cargos de consultor na AICEP, e na Nokia. Abraçou a Gestão de Produto na Wit Software e Huawei. Em 2009 trouxe as conferências TEDx para Portugal e cofundou e teve uma função executiva na Beta-i, um hub de start-ups de inovação. Atualmente, atua como líder... Ler Mais..

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