Opinião

O paradoxo da produtividade em Portugal

André Marquet, cofundador da Productized

Há vários anos que os economistas têm vindo a alertar para o paradoxo da falta de produtividade da economia portuguesa.

O economista Fernando Alexandre da Universidade do Minho tem publicado vários estudos sobre o assunto, defendendo em grandes linhas que se, por um lado, as grandes empresas são mais produtivas do que as microempresas ou PME, por outro, não tem existido uma tradução clara entre a evolução da educação da força de trabalho e o crescimento da produtividade do trabalho.

Para o efeito deste artigo considero a produtividade do trabalho obtida pela divisão do output, neste caso receita anual, pelo input, neste caso o número de trabalhadores. Por exemplo para calcular a produtividade do trabalho da empresa ACME S.A. iriamos dividir a sua faturação anual de 1 milhão de euros pelo número de trabalhadores da empresa, neste caso seriam 50, o que daria 20.000 euros/ trabalhador/ ano. Neste caso a ACME S.A sendo uma PME estaria um pouco acima da média da produtividade do trabalho das PME em Portugal, no setor das indústrias transformadoras, que se situa um pouco abaixo dos 20.000 euros por trabalhador.

Em termos de produtividade do trabalho por pessoa empregada e hora trabalhada, Portugal tem a 3.ª produtividade mais baixa da EU, numa base (EU27_2020=100), Portugal está apenas com 71,7 da produtividade média da EU, apenas à frente da Grécia (69,3) e da Bulgária (51,4).  Os países que têm os índices mais elevados são a Irlanda (221,7), o Luxemburgo (170,5), e a Bélgica (132,2).

Binómio educação produtividade
Este é um dos maiores paradoxos da nossa economia: apesar dos níveis de educação da força de trabalho em Portugal serem hoje incomparáveis com os que tínhamos em 1998, precisamente o ano em que entrei no ensino superior, em que apenas 10% da força de trabalho tinha o ensino superior completo, hoje em dia já ultrapassa os 30%, tendo havido uma progressão semelhante no ensino secundário  – tendo Portugal já ultrapassado na percentagem de população com ensino superior dos 25 aos 64 anos, países como a Eslováquia, a República Checa, a Croácia, a Roménia ou até a Itália.

Nível de educação da força de trabalho, Portugal retirado do relatório FFMS: “Do made in ao created in – Um novo paradigma para a economia portuguesa”, Prof. Fernando Alexandre

O paradoxo resulta, precisamente, de que apesar da evolução muito positiva dos níveis de educação da força de trabalho, a taxa de crescimento anual da produtividade total dos fatores, em Portugal, se ter vindo a aplanar, mesmo desconsiderando o efeito da crise pandémica de 2020, como se pode constatar no gráfico em baixo – ou seja, o enorme esforço que o país tem feito para melhorar os níveis de educação da força de trabalho não tem tido uma tradução tão grande quanto o esperado no aumento da produtividade do trabalho e, consequentemente, do nosso tecido empresarial.

Produtividade total dos fatores, taxa de crescimento anual, Portugal retirado do relatório FFMS: “Do made in ao created in – Um novo paradigma para a economia portuguesa”, Prof. Fernando Alexandre

Quais são as causas deste paradoxo?
Na minha vida profissional, enquanto consultor de inovação, tenho tido a oportunidade de participar em diversas iniciativas para apresentar soluções para endereçar os desafios de empresas de média dimensão – em que desenvolvemos precisamente tecnologia e processos para melhorar a eficiência do fator produtivo mexendo por isso em fatores do input da produtividade. Para este exemplo, imaginemos uma empresa de bens digitais, com custos de produção marginal nulos, a ACME SA vende e-books, e assumimos que não quer dispensar nenhum trabalhador, então teríamos de olhar para o output. O que pode então uma empresa fazer para melhorar a sua produtividade?

Vender maior quantidade
A já referida ACME AS, que vende 100.000 e-books por ano, por 10 euros cada, se passar a vender 150.000 e-books por ano, cobrando o mesmo preço por e-book, aumentaria automaticamente a sua faturação em 50%, e sua produtividade também, passaria para 30.000euros/ trabalhador.

Cobrar mais pelos produtos ou serviços
Se a ACME SA que vende 100.000 e-books por ano, por 10 euros cada, passar a vendê-los por 15 euros, vendendo a mesma quantidade, aumentaria automaticamente a sua faturação em 50%, e sua produtividade também, passaria para 30.000euros/ trabalhador.

Ora acontece que poucos negócios podem simplesmente passar a vender maior quantidade ou cobrar mais pelo mesmo produto, ou serviço. Existem outras possibilidades, mas para as quais produtizar é preciso!

Mudar de modelo de negócio
A ACME SA poderia mudar de modelo de negócio. Em vez de vender 10.000 e-books por ano, por 10 euros cada, passaria a vender uma subscrição de 100 euros anual c/ acesso a um vasto catálogo de e-books, e com isso basta conquistar 20.000 subscritores e mesmo assim irá faturar 2 milhões de euros, passaria para 40.000 euros/ trabalhador.

Criar novos produtos ou serviços
A ACME SA, em vez de vender apenas 100.000 e-books por ano, por 10 euros cada, passa a vender também artigos científicos (mais 1000 a 100 euros cada), e-magazines (mais 1000.000 a 1 euro cada uma), e com essas receitas adicionais irá faturar 3 milhões de euros, passaria para os 60.000euros/ trabalhador.

Infelizmente, as duas opções acima são ainda mais difíceis, porque necessitam de grande investimento de talentos e recursos, de vários profissionais altamente qualificados que possam ajudar as empresas a inovar e produtizar. Para inovar e atacar o problema da produtividade nas nossas empresas precisamos de falar do elefante na sala: as economias modernas são essencialmente economias do talento!

A guerra pelo talento
De acordo com o relatório “Taxing Wages 2022” da OCDE divulgado recentemente, somados todos os tributos em sede de IRS, Segurança Social e Taxa Social Única, em Portugal a carga fiscal sobre o custo laboral atinge os 41,8%, para um contribuinte solteiro, sem filhos e com um salário médio – sendo ainda maior para quem tem salários superiores à média. Portugal fica assim no TOP10 dos países da OCDE com maior carga fiscal sobre os custos totais do trabalho.

Imposto sobre rendimento mais contribuições previdência de empregados e empregadores, 2021 (Em % do custo do trabalho.)

Como resultado, a capacidade de retenção de talento das nossas empresas, sobretudo as nossas PME para aumentar a produtividade pela via da diferenciação do modelo de negócio, ou da criação de novos produtos e serviços, com maior vantagem competitiva está seriamente comprometida. Porque os nossos melhores talentos transitam de “nível de valência” assim que o podem fazer, preferindo emigrar ou cada vez mais frequentemente, trabalhar remotamente para empresas sedeadas no estrangeiro – capazes de pagar melhores salários – porque são mais competitivas.

Portugal na Hannover Messe 2022
A participação de Portugal na edição da Hannover Messe 2022 que terminou na semana passada, como país-parceiro, foi uma excelente iniciativa e ajudará as empresas a serem mais competitivas por via de poderem vender mais e melhor. Parece-me que o raciocínio de que atrair as PME alemãs, o reconhecido mittelstand enquanto Investimento Direto Estrangeiro, não pode ser a panaceia para resolver o paradoxo de competitividade portuguesa. Existe cada vez mais dificuldade de retenção de talento nas empresas nacionais por causa da falta de competitividade fiscal dos custos totais do trabalho. Até porque o Investimento Direto Estrangeiro também é afetado por essas mesmas causas, não apenas o tecido económico de origem nacional.

De certa forma, este paradoxo toma contornos ainda mais absurdos se pensarmos que vivemos “num país e dois sistemas”. Existe um sistema fiscal “pior” para os nacionais, a larguíssima maioria dos trabalhadores em Portugal, e que é o objeto de apreciação no já referido relatório da OCDE, e que nos coloca no TOP dos custos fiscais sobre o trabalho, e que tem como consequência a alienação social, a desmotivação profissional, a emigração qualificada e a incapacidade de retenção de talento no tecido empresarial.

Qual esquizofrenia fiscal, existe um sistema “melhor, altamente seletivo, que funciona apenas para alguns residentes estrangeiros, segundo a lista publicada anualmente pelo Ministério das Finanças, para os imigrantes portugueses regressados após cinco anos fora, para os jovens profissionais… uma verdadeira manta de benefícios fiscais com muitos “If-Then-Else”, o que em nada ajuda à nossa competitividade e coesão económica enquanto nação.

Vivemos hoje um momento de transição da economia mundial, em que os ventos tecnológicos, económicos e geoestratégicos parecem correr de mais feição para a nossa latitude. Em que na transição climática, podemos beneficiar das energias renováveis, em que a transição digital nos dá uma nova centralidade ao nível das infraestruturas e empresas do digital, e em que a transferência do epicentro económico para a Ásia e os choques energéticos estão a ser contrariadas pelo renascimento industrial do Ocidente.

Espero que possamos aproveitar estes ventos alísios para repensar a nossa politica de competitividade da fiscalidade do trabalho, para que as mesmas razões que nortearam, e bem, a politica fiscal deixem de ser exceções e se espalhem para os restantes contribuintes sem discriminar gregos e troianos, sob pena de ficarmos condenados a ser uma sociedade que fica eternamente no limbo do desenvolvimento, incapaz de transitar para um nível de competitividade superior de produtividade, para atingirmos o potencial de produtividade da nossa força laboral e empresarial.

Comentários
André Marquet

André Marquet

André Marquet é formado em Engenharia de Telecomunicações e mestre em informática, pelo ISCTE-Universidade de Lisboa. Iniciou a sua carreira como investigador de redes informáticas no INESC Lisboa. Trabalhou na Tunísia para a EFACEC. Ocupou cargos de consultor na AICEP, e na Nokia. Abraçou a Gestão de Produto na Wit Software e Huawei. Em 2009 trouxe as conferências TEDx para Portugal e cofundou e teve uma função executiva na Beta-i, um hub de start-ups de inovação. Atualmente, atua como líder... Ler Mais..

Artigos Relacionados

SandraSilva diretora geral Mary Kay