Opinião

Demografia e fluxos migratórios

Eugénio Viassa Monteiro, professor da AESE-Business School*

Grande evolução tem havido neste domínio. Há alguns anos, espaços abertos, quase sem vivalma, eram preservados assim, como uma reserva estratégica e, talvez um ativo a ser desenvolvido num futuro, que nunca mais chegava.

Nos últimos tempos houve três tipos de movimentos que chamaram a atenção e levaram a atitudes bem diferentes perante os que queriam emigrar para novos continentes ou para países vizinhos.

  1. Países houve que numa atitude fechada e isolacionista, souberam tirar partido da mão-de-obra qualificada que os procurava, mas eram e são muito restritos nos direitos a conceder-lhes, sobretudo de cidadania, mesmo após anos e anos de trabalho nesses territórios. Parece haver implícito um certo tipo de racismo para preservar as características da sua população, não deixando que os emigrados adquiram direitos, ou que os adquiram apenas dentro de estritos limites. Vejo entre estes o Japão e a Suíça.
  1. Outros países, num dado momento impediram a emigração de cidadãos de certas origens e etnias, sem um motivo entendível que o justificasse. Um vasto país asiático, quase vazio, dificultava a emigração de cidadãos oriundos da China, por exemplo.
  1. Ainda outros, abertos à imigração, porque dela necessitavam, mas com restrições. Estes verificaram na prática que fora uma boa aposta, pois a variedade de proveniências, a sua formação e, sobretudo, os hábitos de trabalho mostraram como isso era importante para o desenvolvimento do país.

Pensando nos tempos coloniais, a força das armas dos invasores parecia permitir-lhes tudo. Sempre me pareceu que qualquer Estado moderno tem o dever de reciprocidade: se uns países concedem certos benefícios a outros, estão a espera de receber em troca algo da mesma importância para os cidadãos do seu país. E, quantos mais direitos possa um país conceder, melhor, pois a terra é toda ela herança de todos os homens, não só dos que desenvolvem armas mortíferas com capacidade de eliminar quem não interessava, como de outros mais pacíficos que organizaram o país, dotando-o de Instituições de ensino, de saúde de segurança para toda a população, além da rede de infraestruturas necessárias, para fomentar o seu desenvolvimento.

Qual é o panorama atual? Que forças estão a influir nos processos migratórios? A atitude dos povos das zonas mais ricas foi limitadora do crescimento da sua população interna, durante um longo período de tempo. Não apenas a China, mas também o Japão, a Europa e outros países, ditos avançados. Isso levou a que muitos deles fossem incapazes de continuar a gerar riqueza, por falta de mão-de-obra manual e intelectual no país, tendo que abrir a mão à imigração, com boas qualificações profissionais. E esse fenómeno está a tornar-se mais agudo, pois são muitos os países abastados que necessitam de mão-de-obra qualificada. A Alemanha já fez saber que precisa de mais de ½ milhão de jovens engenheiros, cada ano, para trabalhar na sua indústria. Além disso, criou um fundo para permitir aos jovens irem estudar para lá.  Esperemos que, entretanto, as políticas demográficas e os apoios a famílias numerosas levem a uma situação menos desequilibrada.

Talvez por esses constrangimentos, países ocupando áreas imensas, com possibilidade de desenvolverem uma rica agricultura e a exploração de recursos do subsolo, veem hoje a emigração numa perspetiva totalmente diferente: como condição para se afirmarem no contexto mundial, na geopolítica, pois a extensão da terra, só por si, não confere estatuto de importância, mas sim a sua população, com preparação intelectual e científica capaz de dominar e explorar os recursos ao dispor.

Nesta linha, alguns Estados abriram-se muito à imigração, primeiro de pessoas com formação superior muito avançada, descendo daí para outros tipos de formação que permitam a cada pessoa integrar-se na economia local, gerando riqueza com o saber e a experiência. Entre estes países muito vastos incluo os Estados Unidos, o Brasil, o Canadá, a Austrália, a Nova-Zelândia…

Países minimamente organizados, com um estilo de convivência testado, que garante a paz e a estabilidade, são os mais procurados, pois nesse ambiente social, podem-se aplicar todas as energias para construir a sua casa, produzir riqueza e trabalho para os outros; e contribuir para o bem do país de adoção.

Tenho vindo a presenciar uma forte atração por parte dos países citados, para a juventude indiana emigrar. Semeiam uma nota de que são bem quistos, estarão num país seguro e democrático, onde podem trabalhar bem, usando todas as suas potencialidades. E, sobretudo, podem desenvolver as capacidades nos domínios tecnológicos e de empreendedorismo, como a população indiana tão bem sabe fazer. Alguns países já começaram a reconhecer os cursos e licenciaturas da Índia: é o caso da Austrália, esperando-se que depressa os outros países necessitados de emigrados com cursos universitários possam seguir o seu exemplo, de reconhecer as licenciaturas feitas na Índia.

Fica uma pergunta importante no ar… E quem paga a formação dos que emigram, por vezes com cursos universitários muito exigentes e dispendiosos? Parece que o país recetor faz um grande favor em receber engenheiros, dirigentes de empresas, investigadores e médicos da Índia. Se calhar, até certo ponto, faz. Mas falta ver este assunto na outra perspetiva: o país de acolhimento, nada gastou para a formação dos imigrados com formação universitária exigente e muito cara, como acontece com os médicos, engenheiros e empreendedores da Índia. É uma pergunta em aberto sobre a qual os Governantes, que precisam de imigrados altamente qualificados, deveriam pensar, debruçar-se, para tentar de certo modo custear tais estudos universitários, dos que chegam agora, como dos que foram chegando nos tempos passados.

*Professor da AESE-Business School, do IIM Rohtak (Índia) e autor do livro “O Despertar da Índia”

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Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro

Eugénio Viassa Monteiro, cofundador e professor da AESE, é Visiting Professor da IESE-Universidad de Navarra, Espanha, do Instituto Internacional San Telmo, Seville, Espanha, e do Instituto Internacional Bravo Murillo, Ilhas Canárias, Espanha. É autor do livro “O Despertar da India”, publicado em português, espanhol e inglês. Foi diretor-geral e vice-presidente da AESE (1980 – 1997), onde teve diversas responsabilidades. Foi presidente da AAPI-Associação de Amizade Portugal-India e faz parte da atual administração. É editor do ‘Newsletter’ sobre temas da Índia,... Ler Mais..

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