Opinião

Ciclo de vida organizacional. Parte II – A Morte

Carlos Rocha, administrador do Banco de Cabo Verde

Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou (Eclesiastes 3:1,2).

Na parte I deste artigo tentamos fazer uma analogia entre as doenças do corpo humano e as doenças organizacionais, levando em consideração o facto das organizações serem também corpos (não físicos) com órgãos, processos, tecnologia, inputs e outputs.

Se no corpo humano a doença pode levar à morte, também nas organizações as suas disfunções internas ou as disfunções externas relacionadas com a envolvente onde opera, podem levar ao seu desaparecimento (aquisição, fusão) ou morte (falência).

A morte é um dos assuntos que o ser humano, em condições normais, menos gosta de falar, não obstante ser uma das certezas que temos, sendo a outra, o pagar impostos. Perder um ente querido, de maneira nenhuma é uma coisa agradável, da mesma forma que, salvas as devidas proporções, perder o emprego ou a empresa não é agradável, embora estas últimas possam ser recuperadas. Mas ambas acontecem.

Naturalmente não é bom para o currículo do líder constar o encerramento de uma organização, quer seja por má gestão quer seja por incapacidade de se adaptar ao ambiente externo. É claro que cada caso é um caso específico e que merece ser analisado, pois nem tudo é má gestão, mas, às vezes, é porque a liderança não conseguiu reunir os recursos necessários para tomar a decisão que poderia salvar a sua organização, e essa decisão poderia ser, por exemplo, a aquisição de uma nova tecnologia necessária à sobrevivência da sua organização.

Como referimos na parte I do artigo, segundo o estudo da consultora INNOSIGHT, poucas empresas estão imunes ao processo de destruição criativa e que a longevidade das empresas do índice S&P 500 tem vindo a reduzir-se, passando de 33 anos, em 1964, para 12, em 2017. Ou seja, as empresas estão com uma longevidade cada vez menor, contrariamente à espécie humana que cada vez mais aumenta a esperança de vida. Julgo que, paradoxalmente, esses dois fenómenos – aumento da longevidade humana e redução da longevidade organizacional – têm um elemento em comum: a tecnologia.

Hoje os avanços da tecnologia aplicadas à medicina ajudam na prevenção, no diagnóstico, na recuperação e na cura de patologias que antes eram fatais para o corpo humano. Hoje os avanços da tecnologia fizeram desaparecer gigantes como Blockbuster ou Kodak, fizeram adoecer gigantes nas finanças com o surgimento das fintch e insurtech (banca e seguros), na indústria automobilística, na indústria da produção musical, na distribuição alimentar e no retalho em geral, na comercialização da atividade turística e no alojamento, etc. O que dizer quando a tecnologia móvel 5G, a Inteligência artificial, a Internet das Coisas, a robótica e a tecnologia blockchain, todas juntas estiverem em velocidade cruzeiro? Muitas empresas e serviços morrerão, mas muitas novas surgirão, e a um ritmo maior do que conhecemos hoje.

A tecnologia é disruptiva na medida em que cria novos modelos de negócios que tornam os modelos incumbentes totalmente desatualizados, permite criar novos produtos e serviços e cria novas necessidades nos consumidores. Ela é disruptiva também porque altera os canais como são distribuídos os produtos ou serviços, ou seja, a tecnologia está em toda a cadeia de valor dos processos, desde a conceção, a produção, distribuição e pós venda. Para se ter uma ideia concreta basta lembrar hoje como se pode fazer uma viagem de turismo utilizando a tecnologia para comprar e pagar a viagem (terrestre, aérea), o alojamento e a alimentação apenas com um smartphone e algumas aplicações e mínima interação humana.

No fim de tudo isto, a questão será sempre como a liderança (das empresas, dos governos e organismos nacionais e internacionais) deverá gerir as oportunidades que a tecnologia oferece para ser usada para o bem das pessoas e do ecossistema da humanidade, não obstante o processo de destruição criativa de empresas, serviços e produtos.

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Carlos Rocha

Carlos Rocha

Carlos Rocha é economista e atualmente é vogal do Conselho de Finanças Públicas de Cabo Verde e ex-presidente do Fundo de Garantia de Depósitos de Cabo Verde. Foi administrador do Banco de Cabo Verde, onde desempenhou anteriormente diversos cargos de liderança. Entre outras funções, foi administrador executivo da CI - Agência de Promoção de Investimento. Doutorado em Economia Monetária e Estabilização macroeconómica e política monetária em Cabo Verde, pelo Instituto Superior de Economia e Gestão – Lisboa, é mestre em... Ler Mais..

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