Opinião

Dizem que querem mudança? Então, ousem-na!

Mário Ceitil, presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas

Procurando evitar o risco de ser “folcloricamente polémico”, e tentando não cair nas armadilhas de ser mais um “arauto das novidades que já toda a gente conhece”, replico aqui uma ideia que, apesar de já ter sido muito falada e debatida, creio que ainda não esgotou completamente a sua heurística, nem no que respeita ao seu sentido mais profundo nem, muito menos, ao nível da repercussão e possível extensão das suas potenciais aplicações práticas.

Refiro-me em concreto ao facto de, apesar de o velho estilo de liderança baseado no binómio “comando e controlo” ter sido praticamente erradicado dos discursos da gestão, na prática, e como é referido num artigo publicado o ano passado na Harvard Business Revue, ainda não ter realmente emergido uma alternativa verdadeiramente estruturada, consolidada e, sobretudo, generalizada a esse estilo de liderança.

Assinalo que tenho verdadeira consciência da possível perplexidade causada por esta afirmação, tanto mais que eu próprio tenho publicado variadíssimos textos sobre, justamente, novas modalidades de liderança, que vão proliferando num mundo onde causas e situações cada vez mais complexas vão exigindo respostas diferentes ao nível das modalidades de gestão e de liderança das pessoas. No entanto, vários estudos que têm vindo a ser publicados (vide HBR, Jul/Ago 2019), mas, sobretudo, a convivência com as realidades concretas de muitas empresas, têm-me de facto levado a concluir que aquela famosa e verrinosa afirmação de que, com indesejável frequência, “na prática, as coisas são muito diferentes da teoria”, tem realmente uma expressão mais real e concreta na vida quotidiana das empresas e nas práticas de liderança do que aquilo que se poderia supor, ou desejar.

Na minha leitura, e referindo-me em concreto às teorias e modelos de liderança, esta situação não resulta nem do facto de as pessoas desmerecerem as próprias teorias (basta ver, a título de exemplo, as interessantes estatísticas de vendas de livros de gestão, pelo menos daqueles que mais são bafejados com “o estigma dos gurus”), nem tão pouco de não considerarem a sua importância e pertinência face aos complexos contextos que vão encontrando. Acredito mais em que, como é referido no citado artigo da HBR, o problema reside no facto de, nos momentos críticos, “os executivos sentirem uma grande ambivalência em mudarem os seus próprios comportamentos”.

Ora, como as ambivalências apresentam um grande potencial para libertarem doses generosas de ansiedade, às quais o “comum dos mortais” se furta através do refúgio aos hábitos mais arraigados, que precisamente lhe dão uma certa sensação, porventura ilusória, de segurança, o que acontece é que nas situações que suscitam maior ambivalência, as pessoas, e os líderes, em concreto, confrontados com a imperatividade de tomarem decisões rápidas e de elevada criticidade, acabam por se refugiar naquilo onde se sentem mais seguros, ou seja, nos seus paradigmas e práticas habituais. Assim, e embora acreditem que podem realmente existir outras modalidades de ação e de decisão hipoteticamente melhores, acabam por ceder à ansiedade da ambivalência e claudicam ao apelo conservador de “fazer mais do mesmo”.

É facto que os executivos de hoje têm uma formação, e mesmo uma educação, que em princípio lhes assegura um manancial de informação e um “capital psicológico” que lhes permite aguentar situações mais complexas e emocionalmente duras e tomar melhores decisões em ambientes de complexidade crescente. Por isso, eles e elas sabem bem que, nos dias de hoje, para que as suas empresas se tornem realmente sustentadas e inovadoras, é fundamental “to push power, decision making, and resource allocation lower in the organization” (id.).

No entanto, nos momentos mais críticos da decisão, e confrontados com a ambivalência de, por um lado, darem de si próprios a imagem de executivos modernos, de mentalidades abertas e apostados no empoderamento dos colaboradores, mas, por outro lado, sentirem a pressão para garantir os bons resultados do negócio, ficam muitas vezes “terrified that the business will fail into chaos if they loosen the reins”(ibidem) e a ambivalência imaterial esfuma-se quase por magia, claudicando sobe o peso, bem vernáculo, da materialidade das “rédeas”, esse vetusto e poderoso artefacto das artes de “comando e controlo”.

Possivelmente acharemos estas situações normais e naturais. Possivelmente acabaremos sempre por considerar que, em última análise, os executivos são pagos para apresentar resultados. Mas se não houver nada de permeio nesta premissa, será que não vamos novamente cair no velho dilema dos “fins e dos meios”? Afinal, perguntamos nós, para que servem realmente os anos de investigação, os cursos de formação, as universidades e todas as outras modalidades, mais formais ou mais informais, de aprendizagem?

Na minha perspetiva, e salvo melhor opinião, servem muito simplesmente para nos ajudar a gerar melhores resultados através de práticas realmente diferentes. E, já agora, para tornar o mundo melhor. Se assim não fosse, provavelmente ainda andaríamos todos “de tanga” (figurativamente, entenda-se).

De qualquer modo, e até prova em contrário, os tais “de tanga” lá iam tendo resultados. Porque, se assim não fosse, nós hoje nem de “tanga” andávamos.

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Mário Ceitil

Mário Ceitil

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Mário Ceitil é consultor e formador na CEGOC desde 1981, tendo participado em vários projetos de intervenção, nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão dos Recursos Humanos, em algumas das principais empresas e organizações, privadas e públicas, em Portugal e em países da África lusófona. Integrou, como consultor, equipas internacionais do grupo CEGOS, em projetos europeus. É professor universitário, desde 1981, nas áreas da Psicologia das Organizações e da... Ler Mais..

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