Entrevista/ “As mulheres são uma das prioridades da nossa política externa”

Numa antecipação ao Dia Internacional da Mulher, a embaixadora do Canadá em Portugal, Elise Racicot, partilhou com o Link To Leaders a sua visão do papel da mulher na sociedade, nos negócios e na política.
“Para mim, o importante é que haja mais diversidade e representatividade para que se beneficie de olhares e ideais diferentes e para que o mundo dos negócios e da política tire partido dessa riqueza”. Esta é a visão de Elise Racicot, embaixadora do Canadá em Portugal, sobre o papel de homens e mulheres na vida empresarial e na política. Proveniente de um país reconhecidamente multicultural, e visto como um exemplo no que respeita à igualdade de género, a embaixadora do Canadá falou ainda da forma como os homens de negócios estão a lidar com a cada vez maior ascensão das mulheres no mercado de trabalho de topo.
Aborda ainda a sua experiência pessoal e, enquanto mulher e profissional, não hesita em assumir que a maternidade forçou-a a rever os seus limites, “a ver a carreira diplomática de outra forma, a encontrar maneiras de conjugar melhor a vida familiar e profissional”, explica. Deixa ainda algumas sugestões para que as jovens executivas possam trilhar um caminho de sucesso.
Estes são também alguns dos temas que Elise Racicot irá abordar no evento de celebração do Dia Internacional da Mulher, com mote #EmbraceEquity, organizado pela CGI, uma consultora de origem canadiana. Terá lugar na próxima sexta-feira na Biblioteca de Belém e no Corações com Coroa Café, e o Link To Leaders é media partner exclusivo.
O que falta para termos mais mulheres na política?
Eu diria que as leis e políticas de paridade de género são fatores de grande impacto, mas acredito que talvez os modelos ou exemplos positivos sejam ainda mais prolíferos para incentivar o aumento de mulheres ativas na política nas próximas gerações.
Segundo a ONU Mulheres, existem apenas 24 mulheres a servir como Chefes de Estado e/ou Governo no mundo – dados de 1 de setembro de 2021. Muitas dessas mulheres estão a granjear elogios pelas suas lideranças inovadoras e eficazes, oferecendo perspetivas únicas e revolucionárias sobre os desafios que os seus países enfrentam.
E qual é a realidade no Canadá?
No Canadá, temos uma mulher franco-canadiana a chefiar o Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma mulher sino-canadiana a liderar o nosso Ministério do Comércio Internacional, uma mulher ucraniana-canadiana como vice-primeira Ministra e Ministra das Finanças, e uma mulher Inuit como Governadora Geral do Canadá – o equivalente a Chefe de Estado no nosso sistema político. Essa diversidade de mulheres em cargos chave com exposição a nível global permite a outras de diversos backgrounds projetarem-se e sonharem com uma carreira política.
Todavia, permitam-me também acrescentar que ainda enfrentamos alguns fatores limitativos, que infelizmente se tornam cada vez mais preocupantes. Sem querer fugir à questão, um estudo recente conduzido pela Amnistia International, em colaboração com a empresa canadiana Element AI, tentou medir a escala do abuso online contra as mulheres na política e no jornalismo, usando uma métrica que envolveu pessoas voluntárias e inteligência artificial.
“(…) a cada 30 segundos, pelo menos, um tweet “problemático” ou “abusivo” tem como alvo uma mulher na política ou jornalista (…)”.
O que revelou o estudo?
Os resultados mostraram que a cada 30 segundos, pelo menos, um tweet “problemático” ou “abusivo” tem como alvo uma mulher na política ou jornalista no Reino Unido e nos Estados Unidos. Descobriu-se igualmente que as mulheres negras eram 84% mais propensas a serem mencionadas nesse tipo de tweets. Estou convicta de que essa realidade de hoje em dia representa um dos maiores desafios para se ter mais mulheres interessadas em abraçar uma carreira na política.
Que iniciativas tem promovido a Embaixada do Canadá para contribuir para a igualdade entre géneros?
A Embaixada do Canadá em Portugal tem colaborado com empresas do setor privado, com organismos públicos nacionais e locais e com entidades internacionais na organização de iniciativas que promovem a diversidade, inclusão, equidade e igualdade de género. Por exemplo, temos partilhado com vários parceiros as melhores práticas do Governo canadiano em termos de recrutamento, atração e promoção de talentos, utilizando a análise de Género+. Esta ferramenta tem sido importante para definir políticas e programas públicos, nomeadamente o orçamento de género que apresenta princípios a implementar no orçamento federal do Canadá e de todas entidades que o compõem.
As mulheres são uma das prioridades da nossa política externa. Na negociação do Acordo Económico e Comercial Global entre a União Europeia e o Canadá (CETA), que celebra já cinco anos desde a sua entrada em vigor, o Canadá exigiu a inclusão de um capítulo sobre género para garantir que todos os esforços seriam feitos para que os benefícios resultantes deste acordo fossem também partilhados com empresas lideradas por mulheres.
E em que outras ações têm participado?
Temos vindo a apoiar igualmente conferências académicas sobre o tema, seja através de iniciativas organizadas pela própria Embaixada ou com apoio financeiro, logístico e identificação de oradoras(es) canadianas(os), como por exemplo, a recente conferência “Women in Diplomacy and Globalization: “Building Consensus and Common Agendas in the 21st century” que foi organizada em colaboração com a Associação das Mulheres Embaixadoras em Portugal e a Universidade Católica. Além disso, tentamos igualmente implementar na nossa política interna e nas ações em que participamos os princípios da igualdade de género, exigindo por exemplo que haja mulheres palestrantes nos painéis e eventos que organizamos ou apoiamos.
Quais são as suas principais responsabilidades enquanto embaixadora do Canadá?
A minha principal responsabilidade é representar o meu país em Portugal. Isto traduz-se no fomento de uma boa cooperação e desenvolvimento de relações diplomáticas com o Governo português e no engajamento com vários atores do setor privado e da sociedade civil, de forma a atingir e alavancar os valores e prioridades de política externa do Canadá. Uma parte importante das minhas funções é também a de liderar a equipa da embaixada para assegurar que todos os canadianos e canadianas que vivam ou visitem Portugal tenham o devido acesso aos serviços que disponibilizamos, sejam eles consulares ou o apoio a empresas canadianas exportadoras, entre outros.
Como é que os homens (de negócios) estão a lidar com esta cada vez maior ascensão das mulheres no mercado de trabalho de topo? Desvalorizam ou respeitam?
Acredito que quem tiver competência obtém o respeito e o valor devidos. O facto da diversidade e da inclusão trazerem resultados comprovadamente melhores, tanto financeiros como em termos de inovação, transparência, etc., é mais um motivo para que todos, homens e mulheres, abracem a equidade de género no mercado de trabalho e nas esferas de poder.
“(…) o importante é que haja mais diversidade e representatividade para que se beneficie de olhares e ideais diferentes (…)”.
Na sua opinião, o que diferencia a visão das mulheres e dos homens no mundo dos negócios? E na política?
Não quero generalizar o que homens ou mulheres pensam ou acreditam. Para mim, o importante é que haja mais diversidade e representatividade para que se beneficie de olhares e ideais diferentes e para que o mundo dos negócios e da política tire partido dessa riqueza. Por essa razão, o Governo canadiano está a implementar, de forma cada vez mais abrangente, o conceito GBA+, ou Gender Based Analysis +, por que a palavra chave aqui é o “mais”.
O objetivo é que consigamos transformar as nossas políticas públicas, programas, produtos e serviços, abrindo a porta à inclusão de perspetivas diferentes da mesma realidade. Enfrentamos problemas cada vez mais complexos e imprevisíveis e, por isso, torna-se imprescindível ser-se mais criativo, mais inclusivo, mais inovador e temos de pensar em todos ângulos para resolver os desafios do mundo de hoje.
“(…) a maternidade também me forçou a rever os meus limites, a ver a carreira diplomática de outra forma (…)”.
De todos os desafios que já passou, qual o que mais a marcou e que teve impacto na sua carreira?
O meu maior e mais belo desafio foi tornar-me mãe. Pode soar um pouco cliché, mas de facto marcou-me profundamente ter tido a sorte de finalmente ser mãe. Estive quase uma década a tentar engravidar, mas tal como muitas outras mulheres, eu tive de esperar para ter estabilidade na minha carreira profissional para tentar construir uma família. Foi um caminho cheio de desafios e contratempos.
O meu filho ensina-me coisas novas todos os dias, incluindo sobre quem eu sou, o que acredito, ao que dou importância, o valor da vida… E eu diria que a chegada dele na minha vida foi o que mais impacto teve na minha carreira porque as minhas escolhas profissionais são hoje extremamente correlacionadas com a minha condição familiar. No início da minha carreira aceitei com muito entusiasmo e, diga-se de passagem sem qualquer arrependimento, posições desafiantes em países distantes, como por exemplo na República Islâmica do Irão.
Hoje em dia já não faria essas escolhas para não ter de impor essas experiências e sacrifícios ao meu filho e ao meu marido. Acho que a maternidade também me forçou a rever os meus limites, a ver a carreira diplomática de outra forma, a encontrar maneiras de conjugar melhor a vida familiar e profissional, sem nunca descurar das minhas prioridades.
Alguma vez se sentiu discriminada?
Talvez tenha sido já discriminada. É bastante possível, mas prefiro escolher não me deixar levar por esse sentimento para que a minha confiança, a minha autoestima e o meu bem-estar não sejam afetados pelo que alguém possa ou não pensar de mim. Tento sempre dar o meu melhor, de acordo com os meus valores e ética, e satisfaz-me este sentimento de dever cumprido.
“(…) tenha sempre abertura para ouvir e considerar outros pontos de vista e até de mudar o seu quando for necessário (…)”
Que conselho deixaria a uma jovem executiva com ambição de alcançar um cargo de liderança?
Acredite em si mesmo para inspirar a confiança dos outros; respeite-se para ser respeitada; seja ambiciosa sem deixar de ser gentil consigo e com outros ao seu redor; reconheça os seus limites e o seu valor. Lidere com as suas convicções, mas tenha sempre abertura para ouvir e considerar outros pontos de vista e até de mudar o seu quando for necessário. Por fim, não tenha medo de ser você mesma. Estou convicta que só assim se pode ter sucesso de verdade.
Respostas rápidas:
O maior risco: Deixar os outros ditarem quem você é ou não é.
O maior erro: Não se valorizar e não se respeitar.
A maior lição: Seja gentil com os outros, mas também consigo mesma.
A maior conquista: Conseguir atingir as minhas ambições, sem ultrapassar os meus limites, tendo sempre os meus valores como Norte.