Opinião

Diga sim ao dizer mais vezes “Não”

Susana Alves, professora no ISG*

Ao leitor que está desse lado, convido-o(a) a refletir na resposta a esta questão: nos vários contextos ou esferas que compõem a sua vida, quantas vezes disse que “sim”, quando na realidade queria dizer que “não”?

A origem etimológica da palavra “não”, parece bastante fácil de entender: do latim “non”, significa negação, por oposição ao sim. O que acontece é que apesar de este significado poder parecer bastante óbvio, não é assim tão evidente a utilização do termo “não”, no quotidiano.

Se por um lado, todas as nossas escolhas têm ganhos e perdas, é igualmente verdadeiro que cada uma dessas escolhas tem intrinsecamente um “não” ou um “sim” associado. Afirmo “um” mas na realidade, pode ser até mais do que um.

Por outras palavras, para cada “sim” que afirmamos, também dizemos “não” a outras questões, podendo até implicar um custo para outras tarefas que valorizamos individualmente. Possivelmente, deixamos de ter tempo para atividades que promovem o nosso bem-estar; deixamos de passar mais tempo com pessoas de quem gostamos muito; deixamos de ter tempo para aquele projeto que nos apaixona, etc.

Se fosse apenas uma consequência ocasional, nem teria muito impacto nas nossas vidas e provavelmente nem faria sentido tecer quaisquer comentários, mas…e se for frequente, qual o preço a pagar?

A arte da relação humana deve ser fluida, confortável e sem grande desgaste nem desconforto, quer para quem se afirma, quer para quem recebe, compreende e respeita. Todavia, da teoria à prática vai uma distância considerável que remete para questões que têm origens diversas, por exemplo: a nossa educação (o que fomos habituados a ouvir em casa e na escola) quando dissemos não aos nossos pais ou aos nossos professores e obtivemos um feedback negativo; o nosso percurso de vida e o que estivemos/estamos habituados a observar e a aceitar; do facto de sermos seres relacionais (o que é fantástico) e nos preocuparmos com o que os outros podem cogitar sobre o que pensamos e dizemos; o receio ou medo de não sermos bem interpretados pelos outros, quando dizemos o que realmente sentimos; de ferir suscetibilidades e por exemplo, ter a carreira estagnada por uma avaliação ou apreciação de uma chefia e/ou instituição; entre tantas outras causas que na origem, nos impedem realmente de dizer que “não”.

O mais importante que eu aprendi depois dos 40 anos foi a dizer não, quando é não, já dizia Gabriel Garcia Márquez.

Diz-se que quando não se aprende com amor, aprende-se com a dor. Mas, quando o “não” não se aprende em casa e/ou na escola (através dos cuidadores e professores), ainda poderá ser aprendido ao longo das circunstâncias que a vida nos traz.

Tenho-me cruzado com muitas pessoas com esta dificuldade em dizer mais vezes “não” ou assumir mais vezes o que realmente querem fazer ou dizer e acabam por fazer muitas coisas que não querem fazer de todo. Carregam vários “chapéus” profissionais, nem sempre por vontade de os assumir, mas porque nunca tiveram a coragem de dizer algo do género “não posso aceitar”, “não tenho interesse nesse projeto”, “não consigo acumular o trabalho do colega durante mais tempo”, “não tenho agenda para essa reunião esta semana” por exemplo. No final, iniciam-se muitas coisas que não se terminam (por falta de tempo), não se cumprem as verdadeiras prioridades inerentes ao desempenho da função e/ou paga-se um preço demasiado alto para a saúde, como por exemplo o burnout.

Em boa verdade, dizer “não”, não carece de explicação e/ou justificação, mas, com sinceridade e educação, pode haver um esclarecimento breve e sucinto. Dizer “não”, não é o mesmo que dizer que somos más pessoas ou que não temos vontade de ajudar! Dizer “não” ajuda-nos a escolher onde pretendemos canalizar o nosso tempo e a nossa energia! Ajuda-nos a priorizar os nossos objetivos e interesses.

Fugimos da nossa identidade e do nosso autoconhecimento quando nos submetemos aos desejos dos outros e não aos nossos. É preciso reconhecer os nossos próprios limites, é preciso aprender a assumir e a fazer as coisas que realmente queremos, sem receio de consequências por sermos quem somos.

Não seremos egoístas, seremos respeitados e seguramente, continuaremos a ter boas relações com os outros. Além disso, nunca poderemos agradar a todos e como disse o autor e dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt, uma pessoa está tão exposta à crítica, quanto à gripe.

* Susana Alves, psicóloga-coach, consultora, formadora e docente na Pós-Graduação em Coaching Executivo e Liderança de Alta Performance no Instituto Superior de Gestão (ISG)

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