Opinião
A riqueza na base da pirâmide

Este é o título, traduzido para português, do livro do Prof. C.K. Prahalad, narrando um conjunto de situações nas quais demonstra, claramente, que o estrato social esquecido, por ser muito pobre, é também consumidor de produtos e serviços, essenciais para os mais ricos, desde que os mais pobres tenham acesso a eles.
Basta pensar um pouco no que aconteceu, na Índia: até ao ano 1995, no tempo da liberalização do setor das telecomunicações, estas eram consideradas um luxo e não haveria nessa altura nem 5 milhões de linhas de rede fixa em funcionamento, em toda a Índia.
Ao dar-se a abertura do setor, entraram muitos empresários e operadores de telecomunicações que imprimiram uma dinâmica tecnológica notável situando-se no topo da tecnologia disponível. Ela era atualizada frequentemente, reduzindo os custos das comunicações e da instalação de novas linhas de rede.
Por cada novo avanço tecnológico, os operadores nacionais ajustavam-na, com possibilidades de redução dos custos, passando-os aos clientes para lhes reduzir a sua conta mensal. Por cada novo passo tecnológico, a redução dos preços e a consequente entrada de novos utilizadores era notável. A tal ponto que hoje encontramos na Índia mais 1.120 milhões de ligações celulares móveis ativas, para além das mais de 30 milhões de linhas de rede fixa.
É certo que os custos de comunicação são muito baixos, talvez os melhores do mundo, para todo o conjunto de serviços que proporciona, e que o operador ganha muito pouco com cada cliente. Contudo, ao serem centenas de milhões de clientes por operador, no seu conjunto, os lucros são suficientes para poder continuar a investir em novas tecnologias e para cobrir todos os custos de funcionamento.
Coisa análoga se dá com uma imensidade de produtos/serviços, por exemplo farmacêuticos ou análises de qualquer tipo: quando se fazem poucas unidades, o seu custo unitário é deveras elevado. Contudo, se se fazem milhões, os custos unitários caem abruptamente.
Quero recordar um facto que é como a coroa de glória para os produtos farmacêuticos genéricos da Índia. Em 2001, o CEO da CIPLA (laboratório farmacêutico indiano) convoca uma conferência de imprensa, em Londres. E aí anuncia que o seu laboratório irá vender o produto para a HIV (não para curar, mas para controlar os efeitos), ao preço de $1/dia, ou de $350/por ano. Os laboratórios das multinacionais, todos eles vendiam o produto para o mesmo efeito por $10.000 ou mais, por ano. Talvez para justificar o preço absurdo, vendiam três produtos diferentes a serem tomados cada dia, enquanto a CIPLA vendia tudo num produto único, muito mais fácil de se ingerir, sem esquecimentos.
Quando foi anunciado, as multinacionais começaram a disparatar, porque a CIPLA não fazia R&D e por estar a estragar o mercado. Imagino que era da maior importância para a CIPLA a missão de salvar vidas ou inibir os efeitos do HIV, mais do que lucrar e continuar a vender, serenamente, o seu produto, que, obviamente, foi um tremendo sucesso.
Com preços tão elevados das multinacionais, mesmo com os apoios dos Serviços Nacionais da Saúde, na altura não haveria mais de 200.000 utilizadores que pudessem comprar o produto, quando poderia haver cerca de 30 milhões de infetados. Hoje, em muitos países, nomeadamente na Índia, o remédio para controlar/inibir o HIV é custeado pelo Governo.
A campanha da CIPLA, de 2001, deu grande notoriedade aos genéricos indianos, ao ponto de terem uma utilização crescente em todo o mundo, ao mesmo tempo que a FDA-Food and Drug Administration dos EUA certifica ou homóloga os processos de produção da maioria dos laboratórios e fábricas de produtos médicos indianos, quando estes o solicitam.
Apesar da grande utilização de vacinas e remédios genéricos fabricados na Índia, é sempre importante que os organismos locais de verificação e aprovação dos produtos importados, atuem com o maior rigor para detetar qualquer falha no produto importado.
Muitas vezes, pode haver a tentação de usar algum componente de menor qualidade, que pode ter efeitos altamente negativos no utilizador. Deve-se dar a garantia adicional de que se é imensamente cuidadoso com os produtos para a saúde.
Muitos mais exemplos se podem encontrar para condizer com o título do livro. Importa tirar partido positivo da grande produção para a tornar acessível a quem dela necessita realmente.