Opinião

A mediocridade sublimada

Mário Ceitil, presidente da APG*

Vivemos um tempo de diversidade, de celebração da diferença e de procura de sinergias. Esta valorização da diversidade tem vindo a ser cada vez mais assumida pelas organizações, como atesta uma famosa frase de um CEO que afirma enfaticamente: “se houver nesta empresa alguém que pense como eu então um de nós está a mais”.

Vivemos realmente um tempo de diversidade. E a valorização dessa diversidade é de tal monta que até se aceita a diversidade de alguém que tem uma atitude adversa em relação…à diversidade.

Este é o caso de (ainda) muitas pessoas que, não conscientes do caráter potencialmente muito produtivo da diferença, continuam a vê-la não como uma oportunidade, mas sim como uma ameaça. Essas pessoas, por detrás da sua aparência de “cidadãos honestos”, escondem um mindset profundamente conservador, reagindo como base num binómio passivo/agressivo a tudo aquilo que perturbe a equívoca estabilidade do seu quotidiano. Como o musgo, uma planta que se desenvolve em locais esconsos e pouco iluminados, a profunda aspiração de tais pessoas, os “musgos organizacionais”, é justamente acomodarem-se na penumbra das organizações e irem sedimentando os seus rituais monótonos à medida que o tempo vai passando, sempre na expectativa de que ninguém os force a desalojarem-se do confortável recanto onde aguardam, placidamente, a bem-vinda chegada da tão esperada reforma.

Apesar da sua atitude permanentemente reativa e da recusa militante a tudo quanto é novidade, os “musgos” conseguem, todavia, não serem incomodados por quaisquer vislumbres de culpabilidade. Pelo contrário, através de um processo de reorientação cognitiva, conseguem ilibar-se da sua mediocridade através de alibis honrosos, ou seja, argumentos aparentemente lógicos, embora enviesados, que lhes permitem racionalizar e sublimar a sua pequenez.

Esses argumentos organizam-se e ordenam-se num argumentário consistente que constitui a base de uma espécie de cartilha que serve de sustentáculo às suas crenças dogmáticas.

Para se perceber melhor a substância e extensão desses argumentos, passo a apresentar a:

CARTILHA DO “MUSGO” IMPENITENTE

Eu, cidadão vulgar, me apresento perante vós sem inquietações de culpa nem anseios de metafísica, saudando o ressurgir de um valor que, apesar de ser continuadamente denegrido pelos ditos profetas da grandeza, continua a ser o principal alicerce das sociedades e das organizações sustentáveis: a mediocridade.

Num mundo agitado, em que todos parecem sofrer da ansiedade do sucesso, eu, à correria louca pelo protagonismo e à obsessão compulsiva da visibilidade, prefiro cultivar o recato do silêncio e o conforto da penumbra.

Deixem-me em paz; a única coisa a que aspiro é à a suprema tranquilidade de ser, simples e basicamente, banal.

Ao contrário daquilo que alguns supostos eruditos apregoam, que o que é bom é ser diferenciado, eu prefiro mil vezes passar despercebido num mundo em que todos se atropelam para serem os maiores. No fundo, quem se destaca, acaba por “pagar as favas” e eu nem quero que reparem em mim, desde que obviamente me paguem o salário e me deem as regalias a que tenho direito. Por isso, dou-me muito bem com as promoções automáticas, infelizmente em vias de extinção. O que é preciso é mesmo saber esperar.

Ao contrário daqueles que procuram sempre os trabalhos ditos mais “inteligentes”, eu prefiro uma função simples e não tenho nada a opor à repetição. Aliás, se é verdade aquilo que os neurocientistas dizem, que o nosso cérebro funciona em modo de poupança de energia, eu, como pessoa consciente das preocupações ecológicas, procuro naturalmente poupar o máximo de energia, num esforço para me manter tanto quanto possível com o cérebro em modo de repouso.

Às vezes chamam-me estúpido e acusam-me de defender a mediocridade como um valor a seguir. Mas, como muito bem escrevia Oscar Wilde, “os estúpidos e os medíocres obtêm o melhor deste mundo”. Ora, como eu não me considero propriamente um génio e não me preocupo nada com isso, dou-me muito bem com a mediocridade e acho sinceramente que os verdadeiros estúpidos são todos aqueles que passam a vida a combatê-la.

Muitas vezes ouço falar das emoções intensas daqueles que experimentam a vitória. Mas toda essa efusão emocional não passa de um fogo fátuo, que “dá forte, mas passa depressa”. As pessoas como eu é verdade que não sabem nada sobre a vitória, mas, em contrapartida, também raramente conhecem a derrota; vivem, ainda citando Wilde, “como queríamos todos viver: indiferentes e sem inquietudes. Não perturbam, mas também não são perturbados”.

Vivemos atualmente numa sociedade que parece abominar aquilo a que chamam pequenez, também designada por “mentalidade mesquinha”. Em boa verdade não entendo bem a razão dessa atitude. Bem sei que a História está cheia de grandes figuras, que são celebradas pelos seus feitos gloriosos. No entanto, se formos a ver, a maior parte dessas pessoas tiveram vidas desgraçadas, ou pelo menos de grandes privações. E afinal para que é serviu tudo isso? Para serem recordadas no futuro? Por mim, valorizo mais o presente e gosto de pertencer à grande maioria da população anónima, aqueles que vivem o seu quotidiano sem grandes altos nem baixos, numa pacata simplicidade feliz. E depois, em boa verdade, não serve de nada preocuparmo-nos muito com o futuro. Como ouvi dizer a alguém, que já não sei bem quem foi, “no futuro estaremos todos mortos”. Então…

Por tudo isto declaro que não gosto de surpresas. Portanto, rejeito à partida tudo aquilo que, na minha perspetiva, me possa levar a correr riscos que eu tenha eventualmente dificuldade em enfrentar. Alguns dizem que com esta mentalidade “não vou longe” e que nunca conseguirei “surfar as ondas do progresso”. E depois? Qual é o problema? Na vida há lugar para todos: alguns, querem “surfar” ondas grandes, mas eu prefiro mil vezes “não fazer ondas”.

E já que tenho vindo a citar alguns adágios populares, aqui deixo alguns que contêm uma sabedoria ancestral que vai perdurando ao longo dos séculos: “No meio é que está a virtude”, “devagar se vai ao longe” e o meu preferido “quem espera sempre alcança”.

Por isso não vale a pena esfalfar-me a construir um hipotético futuro: se eu tiver juízo e a suprema paciência de esperar, mais cedo ou mais tarde, será o futuro que me irá encontrar.

*Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas

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Mário Ceitil

Mário Ceitil

Licenciado em Psicologia Social e das Organizações pelo ISPA, Mário Ceitil é consultor e formador na CEGOC desde 1981, tendo participado em vários projetos de intervenção, nos domínios da Psicologia das Organizações e da Gestão dos Recursos Humanos, em algumas das principais empresas e organizações, privadas e públicas, em Portugal e em países da África lusófona. Integrou, como consultor, equipas internacionais do grupo CEGOS, em projetos europeus. É professor universitário, desde 1981, nas áreas da Psicologia das Organizações e da... Ler Mais..

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