Opinião

Web 3.0 – Conceitos e perspetivas

Daniel Ibri, cofundador e managing partner da Mindset Ventures

Em algum momento, já deve ter-se deparado com os termos “metaverso” e “NFT”. Enquanto metaverso se refere a espaços de realidade aumentada e virtual que dão ao utilizador de internet uma experiência totalmente imersiva, NFT — abreviação para “non-fungible token”, ou token insubstituível, em tradução literal — trata-se de um ativo digital único, com propriedade intelectual e contratos programáveis que melhoram os processos de apropriação, venda e negociação de conteúdos como arte, jogos, música e vídeos, entre outros.

Ambos os termos têm-se tornado cada vez mais populares no nosso vocabulário, mas sua criação foi possível apenas devido a um terceiro fator cujo conceito ainda permanece de certa forma obscuro para muitos de nós: a Web3.

O que é Web3?
Quando a Internet foi inicialmente concebida na década de 90, ela consistia basicamente em sites do tipo “read-only”, com praticamente nenhuma interação entre utilizadores. Essa versão da Web, conhecida como Web 1.0, evoluiu naturalmente até 2004 para um modelo parcialmente editável disponibilizado através de medias sociais. Apelidada Web 2.0, essa versão ainda vem sendo amplamente adotada, permitindo que os utilizadores interajam entre si de forma mais ativa, apesar de ainda assim oferecer determinadas limitações no que diz respeito à propriedade de informação.

Anos mais tarde, em 2008, uma pessoa ou grupo de pessoas conhecido como “Satoshi Nakamoto”, cuja identidade nunca foi revelada, criou o Bitcoin como forma de permitir que as pessoas retomassem o controlo sobre transações financeiras, dando-lhes a possibilidade de executarem transações financeiras sem qualquer intermediário e, ao mesmo tempo, através de um mecanismo confiável e seguro. No início de 2009, Satoshi Nakamoto adotou o blockchain como mecanismo ideal para isso, minerando o primeiro “genesis block” do Bitcoin e dando início à mineração e negociação de Bitcoins de forma aberta, o que começou a ganhar popularidade pouco tempo depois.

A criação do Bitcoin (assim como a de outras criptomoedas) e do blockchain foram os dois principais responsáveis por impulsionar a conceção da Web3, a qual não poderia existir sem os mecanismos de criptoativos criados anos antes. Em 2014, Gavin Wood, cofundador do Ethereum e do Polkadot, criou o termo Web3 (ou Web 3.0), tendo em mente quatro ideias principais:

  1. Descentralização: Qualquer pessoa tem o direito de propriedade sobre determinadas informações, distribuído entre utilizadores e criadores;
  2. Permissão: Ninguém precisa de permissão para utilizar a Web3 e qualquer pessoa possui igual acesso a ela;
  3. Pagamentos proprietários: Todos os pagamentos utilizam moedas criadas através da Web3, como as criptomoedas e NFTs. Os bancos tradicionais não são admitidos como intermediários;
  4. Incentivos: A forma como a Web3 foi concebida permite-lhe ser operada através de incentivos e mecanismos económicos.

A Web3 pode ser descrita como a mais nova versão da Internet, a qual procura devolver a propriedade da informação para os seus utilizadores, opondo a centralização das informações nas mãos das empresas. Atualmente, grande parte dessa informação ainda é concentrada nas mãos de empresas de grande porte para uso publicitário, sendo essa uma das principais características que a Web3 procura transformar.
Hoje, mais do que nunca, “se o produto é grátis, então você é o produto.” Diferentemente de plataformas que recolhem, apropriam e monetizam as informações dos utilizadores, tais como Facebook e YouTube, a Web3 permite que seus os utilizadores mantenham o controle sobre os seus dados, os quais são armazenados em carteiras cripto e levadas embora consigo uma vez que eles se desconectem da rede.

Quão longe a Web3 já chegou?
A Web3 traz avanços importantes com relação à Web 2.0, oferecendo possibilidades únicas para a criação de novos modelos negócios que não poderiam ser concebidos sem a descentralização baseada em blockchain sobre a qual a Web3 é construída. Entre as melhorias tangíveis trazidas pela Web3, merecem destaque o facto de que já não são requeridas informações pessoais para a execução de determinadas transações, a estabilidade dos servidores (os quais dificilmente saíriam do ar, uma vez que funcionam através de uma rede decentralizada de milhares de computadores) e a maior segurança das informações, entre outros benefícios.

Tudo indica que os investidores estão convencidos quanto à ideia de que a Web3 será o futuro da internet. Até ao momento, cerca de 16 mil empresas baseadas em Web3 já captaram mais de US$ 88 milhões, de acordo com o Web3 Tracker do Crunchbase. Além disso, a receita gerada com o blockchain alcançou US$ 2,9 biliões globalmente em 2021 e deve crescer anualmente mais de 35%, atingindo aproximadamente $23,3 biliões em 2028, de acordo com o Vantage Market Research.

O aumento na popularidade da Web3 também pode ser observado por meio da crescente popularidade de criptomoedas com a qual ela se correlaciona diretamente, apesar da volatilidade do mercado. O Ethereum, a segunda criptomoeda mais popular após o Bitcoin, tem atraído cada vez mais utilizadores desde 2016 numa tendência de crescimento quase exponencial sem qualquer sinal de desaceleração.

No entanto, apesar da Web3 ainda estar em processo de maturação e apresentar um enorme potencial, ela ainda apresenta um nível elevado de risco. Primeiramente, merecem atenção os problemas relacionados com a segurança contra ataques e perdas. Como indicado pela Footprint Analytics, no segundo trimestre de 2022 foram detetados 48 ataques de grande impacto na Web3, gerando perdas acumuladas de aproximadamente US$ 718 milhões, após o prejuízo de cerca de US$ 1,2 bilião registado no primeiro trimestre do ano. Além disso, a regulação para a Web3 ainda se encontra em desenvolvimento, apresentando uma grande zona cinzenta constantemente geradora de processos e multas pelas autoridades.

Neste ano, por exemplo, a BlockFi foi multada em quase US$ 1 milhão pelos reguladores de Iowa, nos EUA, por oferecer títulos não registados. Outra preocupação que atinge diversas empresas baseadas na Web3 refere-se a como certas regras se aplicarão, levado em conta seu aspeto decentralizado. Por outras palavras, seria a Web3 considerada uma única jurisdição à parte? Do contrário, como determinadas regras jurisdicionais seriam aplicadas?

O desenvolvimento da Web3 ainda não atingiu seu completo potencial e, neste momento, ainda vivemos num mundo dominado pela Web2. No entanto, as mudanças já começaram a ser observadas – apenas em 2021, mais de 34 mil developers contribuíram com códigos para projetos da Web3 do tipo “open-source.”

Para o que ela é usada?
A Web3 foi criada principalmente com o intuito de descentralizar a internet e proporcionar aos utilizadores uma forma mais rápida e fácil de navegar, entregando-lhes a propriedade sobre suas informações e permitindo-lhes navegar de forma mais personalizada, com propriedades de busca otimizadas e interface de aplicações mais avançada.

A quantidade de empresas e start-ups desenvolvidas sobre a Web3 tem aumentado substancialmente mês após mês. Exemplos incluem a Braintrust, primeira rede descentralizada que conecta talentos a empresas, com a diferença de que os mais de 700 mil talentos são os próprios criadores e donos da empresa (o que assegura que a organização sempre trabalhará em prol dos seus utilizadores), e a Alchemy, que permite que as empresas criem aplicações descentralizadas sem precisarem de gerir infraestrutura blockchain in-house.

Apesar de corretoras de criptoativos ainda serem extremamente populares no universo Web3, outras aplicações baseadas na versão mais recente da web têm sido cada vez mais frequentemente criadas, na medida em que ela vem aos poucos sendo adotada como o novo padrão da internet.

Limites e perspetivas
A Web3 obviamente não está livre de falhas e depara-se com algumas limitações, tais como a necessidade de um poder de processamento consideravelmente alto, que por vezes ultrapassa o da maior parte dos computadores atuais. Além disso, discussões envolvendo interações sociais também têm surgido, uma vez que existe a possibilidade de as pessoas passarem exageradamente mais tempo online em função da experiência mais imersiva trazida pela Web3.
Por fim, a Web3 também não está livre de ataques cibernéticos, o que pode tornar-se uma preocupação relevante quanto mais certos aspetos de nossas vidas se tornarem digitais, acentuando as consequências de nos tornarmos vítimas deste tipo de ataque.

Ainda assim, a Web3 apresenta uma série de avanços essenciais comparativamente à sua versão anterior e já começou a mostrar o seu potencial de trazer mudanças estruturais à nossa interação através da internet, abrindo portas para a exploração de oportunidades de negócio que não poderiam ser criadas com base em outro mecanismo. Tais avanços tomaram forma principalmente devido à descentralização, proteção das informações, menores custos transacionais, juros pagos sobre tokens e uma melhor experiência entregue ao utilizador.

Ao longo dos próximos anos, a Web3 deve gradualmente substituir as suas duas versões anteriores na medida em que as criptomoedas, o metaverso e outras aplicações (algumas delas ainda a serem criadas) se tornarem mais populares. E, no final, apesar de ainda ser vulnerável a certos riscos e estar sujeita a certas limitações, os ganhos obtidos com os avanços tecnológicos trazidos pela Web3 devem compensar em muito os seus lados negativos, abrindo portas a possibilidades que ainda descobriremos no futuro próximo.

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Daniel Ibri

Daniel Ibri

Daniel Ibri é Managing Partner e cofundador da Mindset Ventures, fundo de Venture Capital internacional focado em start-ups dos Estados Unidos e Israel, e foi considerado um dos mais influentes investidores de 2018 pela publicação Venture360. Além disso, também é membro do Comité de Empreendedorismo, Inovação e Capital Semente da ABVCAP, membro do Conselho de Administração da Artemisia e de diversas start-ups no Brasil e exterior, mentor da Endeavor, da ACE, do Quintessa, da Alchemist Accelerator e do Lisbon-Challenge, além... Ler Mais..

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