Voltarão os eventos ao vivo ao que eram? Especialistas analisam o setor.

Irão os concertos, festivais e eventos ao vivo regressar? Voltarão a ser o que eram? Seis líderes de negócios partilharam com a Fast Company como a Era Covid está a transformar os seus setores de atividade. E falam do que se perdeu – e do que se pode ganhar – nesta nova ordem mundial.

Um grupo internacional de homens e mulheres de negócios partilhou com a Fast Company, na série Shape of Tomorrow, a sua análise de como a pandemia está a impactar negativamente as atividades relacionadas com a realização de festivais, concertos ou outros eventos ao vivo, e de como será o futuro depois de ultrapassada esta fase.

Para Marian Goodell, membro do conselho fundador e CEO do Burning Man Project, organização sem fins lucrativos que realiza o evento anual Burning Man no deserto de Black Rock, Nevada, EUA, a grande questão do ponto de vista dos eventos é saber onde queremos estar. E na opinião desta CEO não se deve simplesmente presumir que agora o lugar para estar é online.

Lembra que a experiência no Burning Man e no Black Rock City só se pode ter pessoalmente.”Crescemos no final dos anos 1990, à medida que a tecnologia crescia e em parte porque a tecnologia cria isolamento. Precisamos do contraponto de como construímos e criamos juntos, então não acredito que faça sentido construir qualquer tipo de evento como o nosso virtualmente. Quando cancelámos, anunciei que seríamos virtuais, mas tive muito cuidado em não definir de que forma”, explicou.

Marian Goodell esclareceu que estão em todo o mundo, ou seja, 20 a 22% das pessoas que assistem ao Burning Man são de fora dos Estados Unidos. “Não quero dizer às pessoas que, a fim de terem uma experiência no Burning Man, devem fazê-lo apenas online. Prefiro ampliar a ideia em torno de como as experiências do Burning Man podem manifestar-se de várias maneiras, incluindo através de serviço comunitário: ao levar comida aos sem abrigo, ao ajudar os profissionais de saúde a terem acesso a recursos. Há um grupo Burning Man que está a fazer pirotécnia nos seus jardins e quintais para que as pessoas que passam na rua possam ver”.

A CEO da empresa afirma que prefere “encorajar este tipo de comportamento, seja serviço comunitário ou autoexpressão criativa, em tempo real e em pessoa. Uma das melhores coisas que o Burning Man dá às pessoas é a sensação de segurança e de estarem ligadas; não quero levá-las à internet e enganá-las dizendo que é um lugar onde se sentirão ligadas”, concluiu.

Charlotte St. Martin, presidente da Broadway League, associação comercial que representa a Broadway, incluindo proprietários de teatros, produtores, apresentadores e gestores, acredita que “a Broadway vai ser um dos eventos ao vivo mais desafiadores para se trazer de volta, se não o mais desafiador…”.

Esta profissional explicou na Fast Company que o governador de Nova Iorque criou uma equipa para eventos em massa,que ligou as empresas a algumas das principais mentes médicas especialistas em doenças infeciosas e vacinas, e que estão a trabalhar em conjunto.

A presidente da Broadway League frisou ainda que a Broadway não será capaz de se distanciar socialmente. “O nosso modelo financeiro depende muito da parte presencial e de receitas. Para nos distanciarmos socialmente, teríamos de quebrar por completo o modelo da Broadway. Isso significaria salários mais baixos, aluguer dos espaços mais baixo, pagamentos mais baixos a designers, a especialistas…”.

Além dos 41 teatros em Nova Iorque, a associação é responsável pelas tournées da Broadway que vão a 240 cidades dos Estados Unidos. “E cada cidade é diferente, as leis locais são diferentes, cada edifício é diferente. Os donos do espaço, os apresentadores e as pessoas que levam a Broadway pelo país, todos estão a trabalhar juntos para encontrar soluções em conjunto”.

Charlotte St. Martin lembra que há um otimismo cauteloso quanto a haver 200 milhões de vacinas em janeiro. “Se fosse esse o caso, e se fosse considerado eficaz em termos de custos, mais o uso de máscara somado a serviços sem contacto e a uma forma diferente de limpeza, poderíamos estar de volta em breve e com as plateias compostas”,  afirma.

David Korins é diretor criativo na David Korins Design, estúdio multimédia para eventos de teatro e televisão que construiu cenários para gigantes da Broadway. Recentemente projetou os cenários para a adaptação de “Mrs. Doubtfire”, cuja estreia na Broadway foi afetada pelo coronavírus.

“Há uma parte de mim que se questiona se voltaremos ao normal algum dia. O sentimento geral sobre o teatro é que não vamos voltar até que haja algum tipo de teste em que cada membro do elenco, do staff ou músico possa ser testado diariamente e registá-lo numa app submetida à administração ou algo do género… Há muitas teorias sobre a disposição dos assentos e afins. Penso que, no teatro, por causa da parte financeira, provavelmente não funcionará assim”, explica.

Analisando a sua realidade, refere que vê as pessoas a recorrerem, obviamente, às experiências digitais. “O problema é que o ADN do teatro é ver ao vivo… Não sei dizer quantas pessoas me disseram: pode criar um fundo para o Zoom? Esta não é a onda do futuro. É como um penso rápido. Mas também ouvi falar de produções teatrais a acontecer em carros, em espaços abertos ou em grandes edifícios, só com 10 pessoas, em que se consegue fazer algo verdadeiramente mágico e transformador”. Acaba por concluir que “temos de mudar por completo e pensar o entretenimento de uma maneira totalmente diferente”,

Victoria Siddall, diretora global da Frieze Fairs, empresa que produz a Frieze Art Fairs em Londres, Nova Iorque e Los Angeles, revelou que ainda estão a ver o que vão fazer com as feiras em Londres, a Frieze London e a Frieze Masters, agendadas para outubro. “Uma das razões pela qual as feiras existem é para apoiar galerias e artistas. Na sua essência, são lugares para onde as galerias trazem obras de artistas para vender a colecionadores, e esse dinheiro volta para a galeria e para os artistas. Se pudermos garantir que parte disso acontece em outubro é importante para manter a roda a girar e apoiar todos durante este período”.

Esclareceu ainda que “a arte tem demorado mais a ficar totalmente online e há uma boa razão: as obras foram feitas para serem vistas em pessoa. Não se pode replicar numa plataforma digital a experiência de ver uma peça de arte pessoalmente. É por isso que as pessoas apanham um avião até Paris, Florença ou Nova Iorque para ver as obras nos museus”.

Victoria Siddall salienta também que a logística numa galeria é diferente de um evento desportivo ou de um espetáculo de música, porque não precisa que todos cheguem e saiam ao mesmo tempo… Então, temos conversado com outros organizadores de eventos e com o Governo sobre o número máximo de pessoas que podem estar num lugar de uma só vez. Se pudermos dizer que todos os que estão lá têm uma distância de 2 metros à sua volta o tempo todo, então não deve haver necessariamente um limite”.

Sydney Baloue, escritor, ativista e produtor do “Max Show Legendary”, da HBO, é também cronista de sociedade em Nova Iorque e membro da House of Xtravaganza.

“Uma das coisas interessantes sobre os eventos sociais é que fazem parte da forma como vivemos, dos nossos sistemas de apoio e redes de parentesco. Não são apenas um evento a que se vai. Não. Somos nós com a nossa família de escolha. Parte da razão pela qual a comunidade continuou no espaço virtual é as pessoas ainda precisarem das redes de apoio. Querem sentir-se amadas”.

Sydney Baloue constatou que tem havido um crescimento de eventos virtuais através de algumas apps. Abriu portas para que pessoas que não podem ir a Nova Iorque participem. “O interessante é que, quando entrevisto as pessoas, elas dizem que estes eventos virtuais “estão aqui para ficar”. Ainda há espaço para os que acontecem ao vivo e em pessoa. A questão prende-se mais com quando nos sentiremos todos seguros”.

O escritor e ativista salienta que o que torna os seus eventos especiais é “a energia da multidão, que nos alimenta. Com os eventos virtuais, a sensação é muito diferente. Não se recebe a energia das outras pessoas: crucial para o formato”.  Lembra ainda que, no caso da comunidade que integra, “esta não é a primeira vez que um vírus nos afeta [refere-se à SIDA] . Portanto, estou otimista de que iremos “explodir” com toda a força após emergirmos da Covid-19”.

Ali Rubinstein é diretora criativa e coCEO da Meow Wolf, em Santa Fé, no Novo México, uma organização de artistas e empresa de eventos conhecida pelas instalações psicadélicas que faz, por exemplo, em festivais.
De acordo com esta profissional, os eventos ao vivo vão voltar e em grande estilo. “Se eu olhar para minha reação ao momento em que vivemos, desejo interação humana, ser social, experienciar algo num ambiente de grupo. Se me sinto assim, penso que posso multiplicar por mil para as pessoas que querem participar em eventos ao vivo de grande escala”. Recorda que passou a maior parte da sua carreira a viver na Ásia, onde usar máscaras é a norma. “Sempre foi assim? Não. Ficou assim por se terem vivenciado mais situações de epidemias e pandemias”.

Por isso, opina, “não vamos permitir que coisas como usar máscaras ou ter de ficar a 2 metros de distância parem a interação humana e o desejo de voltar a sair e de experimentar eventos ao vivo, exposições, entretenimento….”.

Comentários

Artigos Relacionados