Opinião

Trabalho é Trabalho, Férias é Férias. Devia ser.

Tomás Loureiro, Chief of Staff to CEO na Media Capital

Ao contrário das baterias dos carros elétricos, que comprovadamente devem estar entre os 20% e os 80% sob pena de se viciarem, o nosso corpo e a nossa mente precisam de recarregar a 100% (quem sabe mais), e nunca estar próximo da “bateria fraca”.

É por isso que férias devem ser férias, não devem ser trabalho, e trabalho deve ser realmente trabalho (e não presença em ritmo de férias), sob pena de termos o que temos hoje – um país com a maior probabilidade de burnout da Europa, uma das semanas de trabalho mais longas e um dos piores índices de crescimento e produtividade. Surpreendente? Talvez não.

À primeira vista, e sem pensar no assunto, se me dissessem que Portugal tinha uma das semanas de trabalho mais longas da Europa (39,5 horas) e um número de dias de férias bem inferior a muitos outros países europeus (ex, França, Suécia, Noruega têm 25 dias e o Reino Unido 28), isso provavelmente levar-me-ia a crer que Portugal devia ter um crescimento bem acima da média.

Isso não podia ser mais errado, e aliás a verdade é que Portugal é o país europeu com maior risco de burnout (smallbusinessprices.co.uk) dos trabalhadores (de entre 26 países, seguidos pela Grécia, Lituânia e Hungria), tem um dos piores índices de felicidade (Nações Unidas), tem um dos piores índices de “work-life balance”, apresenta um dos salários anuais mais baixos (22.373 euros) e um dos piores índices de produtividade da Europa – Portugal é 21º na Europa, apenas melhor que 6 países, e manifestamente pior que em 2020, que era 17º. A título de exemplo, antes do início da crise pandémica, cada trabalhador português produzia o equivalente a 66% do trabalhador médio da União Europeia.

Mas então, se a produtividade é tão baixa, produzimos pouco ou trabalhamos muito?

Um pouco dos dois, mas mais do que isso. Acima de tudo diria que trabalhamos mal, o que faz com que trabalhemos muitas horas e produzamos pouco para o que trabalhamos, o que é no final do dia o conceito de produtividade. Estamos no escritório muito tempo, mas não necessariamente da forma mais eficiente e organizada, a sermos produtivos ou a trabalharmos a 100%. Mais trabalho não significa melhor trabalho.

De quem é a culpa?

No final do dia é de todos. É do Estado que cria uma pressão fiscal asfixiante não só nos trabalhadores, que trabalham (muitos deles) mais de metade do ano para pagar impostos – não criando assim grandes incentivos à produtividade –, mas também nas empresas, que têm assim também maior dificuldade em criar esses incentivos à produtividade, em premiar o bom trabalho e em reter talento.

É das empresas e das organizações que ainda olham para o trabalho de forma muito “input driven” e não “output driven”, problema que se tornou ainda mais evidente em muitas delas com o teletrabalho; É das empresas porque em grande parte dos casos o real bom trabalho não é devidamente premiado e o mau trabalho não é penalizado, criando, naturalmente, desincentivos à produtividade e incentivos à prevalência dos interesses próprios individuais em detrimentos dos coletivos; E é das empresas porque não dão o devido valor ao talento que têm inhouse, muitas vezes deixando-o sair por inércia e falta de proatividade na sua retenção.

É dos “chefes”, porque muitas vezes são inflexíveis, pouco compreensivos e limitadores do crescimento das pessoas, com receio que a sua posição seja beliscada ou que o status-quo seja desafiado, e porque não sabem identificar e extrair o melhor das suas equipas.

E é de todos nós, enquanto trabalhadores e sociedade, porque mesmo com intenção de mudar paradigmas, acabamos por nos deixar consumir pelas “máquinas trituradoras” das empresas e organizações; É de todos nós porque, consciente ou inconscientemente, tentamos sempre deitar abaixo os mais produtivos – criamos uns nos outros uma “peer pressure” para ficar até mais tarde no escritório, olhamos de lado os que saem cedo no pressuposto de que não estão a entregar o que deviam (quando muitas vezes até o estão a fazer melhor em menos tempo) e criamos uma ideia de sociedade que trabalhar muito (e não bem) é sinónimo de sucesso e que o inverso é sinónimo de fracasso.

E finalmente, é de todos nós porque dizemos que precisamos de férias e de “desligar” mas depois não somos realmente capazes de o fazer, de delegar e confiar que quem fica é capaz de tomar conta das situações que possam aparecer, dando por vezes a ideia, mesmo que involuntariamente e sem fundamento, de que não confiamos a 100% ou temos medo de ser “substituíveis”.

E como estão as férias relacionadas com isto?

De forma simbiótica! Ser-se muito produtivo, na minha opinião, não é conseguir trabalhar em muitas coisas ao mesmo tempo, não é estar sempre disponível e resolver os problemas todos, mas sim conseguir estar inteiro, a 100%, em cada situação, em cada tarefa, em cada momento. Não é conseguir fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas sim conseguir fazer uma de cada vez com todo o empenho e concentração. E as férias é uma dessas “tarefas” e desses momentos. Porque é tão importante saber estar a 100%, inteiro, comprometido numa reunião de budget ou nas tarefas profissionais do dia-a-dia, como saber estar desse modo comprometido nos remates de futebol na areia com os filhos ou num fim de tarde com os amigos a beber uma cerveja. Há tempo para tudo.

E finalmente porque as férias são a justa recompensa pessoal pelo trabalho ao longo do ano e pelo sabor de dever cumprido, que se traduz em tempo para nós e para as pessoas e coisas que nos são importantes. As férias são também oportunidades para recarregarmos energias, para termos tempo para descansar e melhor discernir acerca de decisões importantes, para depois regressarmos revigorados, motivados, produtivos e com vontade de estar a 100% no trabalho.

Neste contexto de grande pressão, fraca produtividade e baixo crescimento no país, e apesar da crescente abertura, atenção e compreensão (finalmente) dada a todos os temas relacionados com a saúde mental, não é surpresa que os jovens portugueses se sintam financeiramente inseguros, stressados e apreensivos com o futuro (Deloitte). Por exemplo, cerca de 53% dos Gen Z e 39% dos millennials garantem sentir-se ansiosos na maior parte do tempo, e segundo a OMS a depressão e ansiedade no ambiente de trabalho já causaram a perda de aproximadamente um trilião de euros na economia mundial.

Cabe a cada um de nós mudar isso, em sua casa, nos seus círculos, nos seus empregos, nas empresas, na sociedade. Não se muda de um dia para o outro, nem com uma só medida, mas podemos começar por algum lado. Fica o desafio de, aproveitando a altura do ano, começarmos pelas nossas férias, ao sermos capazes de estar a 100% nelas, para depois estarmos a 100% no trabalho. Há a famosa frase que diz “trabalho é trabalho, conhaque é conhaque”, que neste caso seja “trabalho é trabalho, férias é férias”, com ou sem conhaque.

Boas férias!

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Tomás Loureiro

Tomás Loureiro

Tomás Loureiro é Director of Global Intel & Strategic Projects na EDP. Anteriormente, ocupou o cargo de Head of Innovation Intel, sendo responsável por apoiar o CEO da EDP Inovação na definição da estratégia global de inovação e das apostas futuras do Grupo EDP. Também foi Chief of Staff to CEO / Advisor do Board no Grupo Media Capital, responsável por acelerar a implementação da visão estratégica e transformação do grupo, acompanhando também os temas ligados à inovação e customer... Ler Mais..

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