Opinião

The King is dead, long live the King!

Hugo Vaz Oliveira, Head of Media & Corporate Relations da Beta-i

Janeiro é pródigo em análises, decisões, resumos e avaliações. É muito humana esta inclinação para nos agarrarmos a momentos específicos do calendário, como ‘muleta emocional’ para racionais que não estão diretamente relacionados com o fim de ano em si, mas que remetem para ele…

E depois há aquele outro aspeto: como avaliar o ano anterior, tirando dele apenas o melhor para transferir para o ano seguinte? Li há pouco tempo que uma das razões para o facto de a morfologia do nosso rosto variar tanto ao longo da vida se prende com o facto de na verdade ele ser uma cópia de uma cópia… de uma cópia nossa. Simplificando, à medida que células e estrutura óssea se vão regenerando, elas retiram informação das células existentes em redor, e ‘alinham-se’ em conformidade. Mas como acontece sempre que se partilha informação, há sempre alguma em falta, e outra que não é 100% exata. Isso quer dizer que a cada três anos, em média, o nosso rosto se refaz com base no anterior, mas incorporando sempre ligeiras alterações, resultado deste processo, do ambiente, das agressões…

Desculpem-me a divagação científica, mas acho esta a perfeita metáfora para o momento em que nos encontramos, de (re)definição de objetivos, de (re)estabelecimento de prioridades, de (re)desenho de visões estratégicas, sempre tendo o ano anterior como benchmark mais recente, por ser a mais recente, logo fiável, fonte de informação.

Acontece que em 2019 isso pode não ser já verdade, porque janeiro de 2018 começou com vendas recorde de smartphones na China, e janeiro de 2019 arranca com notícias de notórias quebras de vendas para fabricantes como a Apple e Samsung no mesmo contexto (o maior mercado mundial caiu 15% ao longo do ano). O que quer dizer que este segmento, fruto de um misto de explosão tecnológica local, fatores de moda, e quebra do poder de compra, associado ao facto de os consumidores utilizarem agora os seus smartphones durante mais tempo (o que implica que acabam por comprar menos dispositivos), registou no espaço de 12 meses uma quase inflexão das suas tendências. Padrão que apenas é contrariado por fabricantes como a Huawei bem como a Xiaomi, ainda dois exemplos de sucesso, num mercado que antes privilegiava os fabricantes estrangeiros, por questões de estatuto. Ou seja, objetivamente, o mercado chinês de janeiro de 2019 não é igual ao de 2018.

E isto numa indústria altamente adaptável e de cunho vincadamente tecnológico, que é já nativa da chamada ‘economia digital’. O que é que isto pode significar para indústrias tradicionais, avessas à introdução de variáveis e à incorporação de novos conceitos ou modelos de negócio? É esse um dos papéis da inovação, não só imaginar um novo futuro para os produtos, mas também visualizar um novo rumo para os mercados, para que as empresas possam também incorporar estratégias predictivas.

Isto não quer dizer que se vai adivinhar o futuro, mas da mesma forma que os sinais para este arrefecimento no mercado chinês existiam já, e só são uma absoluta surpresa para os fabricantes que não os souberam interpretar, também se podem implementar modelos de análise e maquetização do(s) futuro(s), onde uma empresa sabe que um de três cenários se vai afirmar de certeza, e tem medidas pensadas para reagir a todos.

Lembro-me de há dois anos ter ouvido na conferência South Summit, em Madrid, um alto executivo da Ford explicar que a o futuro a curto-médio prazo deste gigante não vai estar no fabrico de automóveis, modelo no qual vão desinvestir, mas sim do fabrico de software de mobilidade, aspeto para o qual está ativamente a adquirir competências. Lembro-me de na altura ter ficado surpreso, a ponto de estranhar… A verdade é que pode ter sido o primeiro vislumbre que tive de um mercado automóvel que se adivinha radicalmente diferente, dominado por players como a Google, Tesla, Amazon, Uber ou Apple, e que eu não conseguia antecipar.

Inovar não é inventar, é olhar para um processo e pensá-lo de forma radicalmente diferente e mais eficiente, muitas vezes para o mesmo fim até. O que acontece é que antes tínhamos anos e até décadas para assistir a este ‘render da guarda’, e agora vamos cada vez mais ter anos ou meses… “The King is dead, long live the King!”

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