Opinião

As notícias vão-se fazendo mais frequentes. Primeiro foi a Austrália. Depois de um braço de ferro com o Facebook, este acedeu a partilhar receitas com os media sobre as notícias por eles geradas. O Congresso dos EUA discutiu se permitirá aos meios de comunicação social regionais que estes se lhe associem na negociação com a Google e o Facebook no contexto das investigações anti-trust que vão fazendo o seu caminho naquele país.

Na semana passada, alguns media portugueses discutiram entre si, e publicamente, como partilhar das receitas que geram para aquelas plataformas. E, por esse mundo fora, a ideia de que as empresas tecnológicas devem partilhar as suas receitas com quem gera conteúdo está cada vez mais estabelecida e, inevitavelmente, tal acabará por acontecer. Em Portugal, dada a pequena dimensão do nosso mercado, o mais provável será que os nossos media acabem por beneficiar de acordos estabelecidos entre a União Europeia e aquelas empresas.

Aqui chegados talvez seja importante sublinhar o seguinte: as receitas destas duas plataformas e, cada vez mais, da própria Amazon, são receitas publicitárias – exatamente aquelas que sustentavam os media clássicos e que, cada vez mais, as desertam em benefício das primeiras. O primeiro critério de decisão em investimentos publicitários é a sua eficácia, isto é, quem alcança mais audiências dentro de um determinado grupo-alvo sempre leva a fatia do leão desses investimentos. E foi por isto mesmo que os media tradicionais viram as suas receitas declinar ano após ano. Ora, o que fica algumas vezes por dizer é que a débâcle financeira dos media tradicionais está ligada, em primeira instância, à sua perda de importância enquanto veículos de comunicação.

Quem viveu já o suficiente para passar de um país onde existia apenas um canal televisivo, a RTP, para assistir à proliferação dos meios e plataformas que hoje nos rodeiam, sabe bem que não será através destes mecanismos que os media tradicionais reencontrarão a sua relevância e – ainda mais importante – recuperarão a sua independência. Receber dinheiro do Facebook ou da Google criará mais dependência que independência, gerará lassidão e não esforço, mediocridade, não excelência.

Naturalmente que me oponho a que alguém se aproprie de um bem alheio e não assuma a responsabilidade decorrente. Mas o caminho faz-se ganhando em qualidade, o contrário daquilo a que se assiste. A preguiça imensa de novelas sem qualidade, que se sucedem sem parança, dos programas de comentário futebolístico sem fim que acicatam as piores reações sociológicas, os intermináveis telejornais, que são um misto de informação preguiçosa de bairro que ignora a realidade para além de Lisboa e, com esforço, do Porto, para não falar do estrangeiro, centrados nos mesmos comentadores, nas mesmas opiniões dominantes, próximas ou não de grupos políticos no poder, tudo isso, e não as plataformas digitais, são a razão do seu declínio.

Que Portugal não tenha produzido um único meio de comunicação com irradiação no mundo de língua portuguesa é o reflexo da nossa indigência. Que a RTP, apesar do suporte financeiro dos portugueses, seja irrelevante no Brasil quando a Globo é relevante por cá, dói muito. Que nenhum jornal nacional consiga a amplitude mundial do Guardian (que recuperou a saúde financeira sem receber um tostão das plataformas) ou do New York Times (idem, idem) ou mesmo o impacto do El País só revela que não conseguimos ultrapassar a nossa pequenez apesar da grandeza que nos legou a História na forma de uma das línguas mais faladas do planeta. É pena. E, quando isto do dinheiro se resolver, o que nos espera serão mais meios de comunicação à procura de quem os queira ver, ouvir e ler…

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Ricardo Monteiro

Ricardo Monteiro

Ricardo Monteiro é ex-presidente global da Havas Worldwide e ex-chairman global da Havas Worldwide,empresa de marketing e publicidade com presença em mais de 70 países e líder em Portugal. É speaker internacional, comentador de política internacional e economia na CNN e professor convidado da Porto Business School. Foi administrador não-executivo na Sonae MC, e special advisor no jornal Público entre 2018 e 2022. Ricardo Monteiro é casado com Leonor Jesus Correia, pai de quatro filhos e cinco vezes avô. Os... Ler Mais..

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Ricardo Tomé, diretor-coordenador da Media Capital Digital