Opinião

Sustentabilidade como cultura de investimento

Eduardo Clemente, administrador executivo do Standard Bank Angola*

Vivemos atualmente um momento de mudança de paradigma e de cultura. Estamos num momento interessante da história onde a forma de olhar para o futuro é muito diferente quando comparamos as visões das gerações mais novas e das mais antigas.

O mundo está a mudar e não apenas pelo impacto ou velocidade de alterações tecnológicas, mas acima de tudo pela mudança de como os jovens olham para os seus valores e para o impacto que as ações de hoje terão para o futuro. Penso que o mundo só tem a ganhar com esta visão atual mais focada em valores de inclusividade, sustentabilidade, bem-estar e impacto.

No entanto, apesar de vermos já algumas empresas que abraçam estes valores e que se debruçam sobre como alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), esta não é ainda a cultura prevalente nos mercados de investimento.

Penso que há aqui vários fatores a considerar. Um é o facto de não ter havido evolução nos mercados de capitais, nomeadamente nos mercados acionistas que foram desenhados para potenciar o investimento e desenvolvidos para potenciar ganhos o mais rápidos possível aos seus investidores, por forma a atrair cada vez mais atores para o mercado. Isto leva às pressões que todos vemos nas empresas para que as suas gestões se foquem em entregar resultados de curto prazo em detrimento de investimentos que garantam sustentabilidade futura e a persecução de objetivos que possam inclusive aumentar a rentabilidade das empresas, mas no longo prazo.

Outro fator, e que poderia ajudar a mitigar o primeiro, é que a forma de avaliação de empresas e consequentemente a avaliação do preço da ação é puramente financeira, com olhar presente e passado, considerando apenas métricas de negócio, não incluído por exemplo qualquer métrica ligada aos ODS ou mesmo avaliando o potencial resultado futuro de medidas atuais tomadas pela gestão. Em resumo, o que interessa são os resultados obtidos a cada trimestre e o preço da ação que deles decorre.

O resultado destas metodologias e formas de avaliação atuais é que, na sua maioria, o mercado acionista atrai investidores que procuram ganhos de curto prazo, comprando hoje ações e vendendo amanhã desde que isso se traduza numa margem de lucro, mas muito poucos o fazem numa perspetiva de investimento para capitalizar empresas que podem ter impactos revelantes no futuro e na sociedade e com isso obter ganhos de rentabilidade sustentada a longo prazo.

Claro que o que refiro é uma visão redutora e há muito mais complexidades, mas para um artigo curto não dará para entrar em muitos mais detalhes. O objetivo é acima de tudo levantar a discussão de que devemos pensar em como alterar as regulações de investimentos e as regras do mercado para que também no mercado de investimento se possa priorizar o impacto e a sustentabilidade. E para os que considerem que ambas as coisas são antagónicas, os estudos comprovam o contrário. Empresas que desenvolvam estratégias sustentáveis e com políticas que priorizem medidas que otimizem o longo prazo são mais rentáveis que as demais e já agora também têm um período de vida estimada mais longo.

Possíveis soluções podem passar por incluir métricas dos ODS e de boa governação corporativa como obrigatórias para definição dos preços das ações de empresas cotadas em bolsa, por si só esta medida levaria a que vários fatores hoje ignorados fossem tidos em conta nos mercados ao avaliar o real valor das empresas. Em alternativa também poderá ser repensado o modelo de investimento em ações, focando esse investimento para investidores que se liguem aos valores e objetivos das empresas em causa, promovendo investimentos de longo prazo e criando barreiras ou custos adicionais a investimentos de curto prazo.

Com certeza há vantagens e desvantagem em cada destas opções e nos modelos atuais, estes temas não se resolvem numa opinião ou observação curta como a deste artigo, mas penso que é um tema que carece de debate extensivo e de uma solução que venha a alinhar o mercado de investimento em ações com a busca de empresas que se foquem no impacto, sustentabilidade mantendo o potencial de rentabilidade.

*E fundador e CEO da Igniting Potential

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Eduardo Clemente

Eduardo Clemente

Eduardo Clemente, 40 anos, é um disruptor criativo que vê na tecnologia um potenciador do desenvolvimento. Nasceu em Portugal e formou-se em Organização e Gestão de Empresas, no ISCTE. Cedo se mudou para Angola onde reside há 15 anos, todos passados no setor da Banca, assumindo hoje o cargo de Administrador Executivo no Standard Bank Angola. É também empreendedor, mentor e Business Angel, tendo criado a Igniting Potential para suportar o ecossistema do empreendedorismo.

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