Entrevista/ “O comércio físico existe e as vendas ainda são na maioria offline”

A GS1 Portugal representa, atualmente, mais de 8 mil empresas, desde micro e PMEs, a multinacionais, nos diferentes setores. A organização, criada em 1985, quer continuar a ser o parceiro de confiança das empresas, tendo em marcha cinco linhas de ação estratégica, com especial enfoque nas PMEs.
A transformação digital veio revolucionar o dia a dia de empresas e consumidores. Novos modelos de negócio, simplificação de processos, aproximação de marcas e pessoas, e uma exigência urgente de respostas nunca antes vivida. Mas o impacto do digital alcança hoje muito mais do que apenas negócios. As pessoas adaptaram-se. Os hábitos mudaram. A urgência da informação na palma da mão é real.
Mas como vêm as empresas estas mudanças? Como podem os desafios tornarem-se em oportunidades? Para nos dar uma visão alargada sobre esta dinâmica de transformação, a GS1 Portugal convidou para o seu quarto Congresso decisores políticos, gestores de empresas de referência e parceiros da rede global GS1.
Falamos com João Castro de Guimarães sobre o evento, que decorreu em meados de outubro, a importância da GS1 para o tecido empresarial português e quais os projetos para o futuro da organização.
Qual o balanço que faz do IV Congresso GS1 Portugal?
Esta foi a oportunidade para discutir o presente e o futuro dos negócios num encontro que representa um momento único de colaboração entre parceiros – e muitas vezes concorrentes – nos diferentes setores do mercado português e internacional. As temáticas que estiveram em destaque estão alinhadas com um ambiente de mudança digital com enorme impacto na realidade das empresas, tornando-se a sua compreensão um fator-chave para garantir a qualidade, segurança e fiabilidade dos modelos de negócio e para responder às necessidades e exigências de um mercado em permanente evolução.
Enquanto parceiro vital e de confiança das empresas, mas também a pensar nos consumidores, consideramos que o papel da GS1 Portugal também é o de potenciar o debate, a partilha e a disseminação de práticas de gestão, e casos de sucesso na colaboração entre produtores, distribuidores e o seu público final.
Em colaboração, percebemos como as pessoas estão hoje, mais do que nunca, no centro de qualquer negócio enquanto peça principal de uma rede que só será capaz de criar valor se todos colaborarem para um futuro de sucesso.
Que importância tem atualmente uma organização como a GS1 no tecido empresarial português?
Representamos mais de 8 mil empresas, desde micro, pequenas e médias empresas a multinacionais, nos diferentes setores, incluindo associações, parceiros tecnológicos e meio académico. A nossa missão é ser um parceiro de confiança destas organizações e agir como um facilitador dos negócios. Por isso, implementamos standards globais e desenvolvemos serviços de valor acrescentado para que toda a cadeia de valor fale a mesma linguagem: a linguagem global dos negócios. Seja no Retalho & Bens de Consumo, nos Transportes & Logística ou na Saúde, estamos aqui para agilizar e promover a eficiência do mercado empresarial português.
Após 30 anos de introdução do código de barras na distribuição moderna, vivemos na era da transformação digital. É a era da transparência e do envolvimento através da garantia da qualidade da informação – de produtos, pessoas e locais. Uma era em que o consumidor é o protagonista de qualquer cadeia de valor, exigindo o acesso, de forma simples e imediata, a toda a informação, fiável e completa, dos produtos. No fundo, exige das empresas um compromisso de verdade, transparência e fiabilidade.
Também nesta área, a intervenção da GS1 Portugal faz total sentido, através da disponibilização de serviços e soluções que dão resposta a este desafio. É o caso da Sync PT, uma plataforma de sincronização de dados e imagens de produto entre parceiros de negócio, que serve de base para os catálogos, físicos e online. E também do serviço 560 Validata, que permite a recolha, análise e inserção de informação na plataforma Sync PT, de acordo com a legislação em vigor e as práticas do mercado.
Qual é o modelo de negócio da GS1?
A GS1 é uma organização neutra e sem fins lucrativos que gere o sistema de standards mais utilizado no mundo – Sistema GS1 –, que identifica, captura e partilha informação de produtos, pessoas e locais, promovendo o alinhamento e a eficiência dos negócios. Reconhecida como entidade de utilidade pública, promove a colaboração entre parceiros – e muitas vezes concorrentes –, com o objetivo de melhorar a eficiência dos negócios. Temos um alcance global ao pertencer a uma comunidade internacional que integra mais de 110 organizações-membro e mais de 2 milhões de empresas associadas.
Estamos perante um consumidor cada vez mais exigente que deseja informação imediata, fiável e de fácil acesso.
Estando bastante familiarizados com o setor do retalho e, tendo em conta a crescente tendência de utilização de plataformas online para fazer compras, consideram que o futuro das vendas passará por canais de e-commerce?
A revolução digital é uma realidade inegável na economia global. Como consequência, também o processo de vendas se digitalizou e as compras passaram a estar disponíveis, de forma simples e acessível, para todos. Uma realidade que trouxe oportunidades, mas também inúmeros desafios. Paralelamente, estamos perante um consumidor cada vez mais exigente que deseja informação imediata, fiável e de fácil acesso. Variáveis que tornam o e-commerce uma tendência comum a todos os setores de atividade.
Contudo, não podemos esquecer que o comércio físico continua a existir e as vendas ainda são, na sua maioria, offline. Em Portugal, esta é uma realidade ainda mais presente dado que apenas 1% das compras são feitas online. Por isso, não podemos afirmar que no futuro as vendas serão, na sua maioria, realizadas através dos canais online. Podemos antes dizer que o sucesso está na integração ótima entre os canais físicos e digitais, tirando partido e potenciando a omnicanalidade.
Podemos esperar mais soluções na componente online por parte da GS1?
Procuramos acompanhar a dinâmica acelerada de evolução dos negócios e, como tal, a digitalização da economia faz parte das nossas preocupações a curto/médio prazo. A nível internacional são inúmeras as iniciativas em curso para ajudar as empresas a enfrentar os novos desafios trazidos pela era online. O desenvolvimento do comércio eletrónico, a melhoria da qualidade da informação, o aumento da transparência para o consumidor e o acompanhamento do desenvolvimento do novo modelo de loja (física ou online) são desafios já identificados. Soluções baseadas na cloud estão a ser preparadas, assim como ferramentas globais que vão permitir quebrar as fronteiras físicas e comerciais, promovendo, mais que nunca, uma linguagem global dos negócios.
Localmente, referi anteriormente a Sync PT – a plataforma de sincronização de dados (comerciais, nutricionais, de marketing, logísticos) e imagens de produtos entre parceiros de negócio – que veio facilitar o comércio eletrónico através da partilha simplificada de informação que é, posteriormente, disponibilizada aos consumidores através dos catálogos físicos e online. A Sync PT integra mais de 200 mil fichas de produtos, pertencentes a mais de mil empresas.
Referi igualmente o serviço 560 Validata – para análise, recolha e tratamento dos dados e imagens de produto – que veio ajudar as empresas a garantirem a qualidade dos dados partilhados. Este serviço foi certificado pelo GS1 Global, em maio de 2017, sendo a GS1 Portugal a quarta organização-membro a ser reconhecida pela excelência do serviço e a primeira a ser distinguida pela qualidade do tratamento das imagens.
De forma complementar, para acompanhar a evolução contínua do mercado, estabelecemos parcerias que visam aproximar a GS1 Portugal da comunidade, no sentido de desenvolver soluções que respondam às necessidades das empresas e consumidores, numa ótica cada vez mais de B2B2C.
São exemplo destas parcerias a COTEC Portugal, associação pela prossecução da estratégia do Governo para a digitalização da economia portuguesa – Indústria 4.0. No decorrer desta parceria, integramos o Comité Estratégico i4.0 e três grupos de trabalho: o Connected Healthcare (no setor da Saúde, o Building Information Modelling (no setor de Construção), e Normas e Certificações (na gestão de processos). Simultaneamente, o desenvolvimento de workshops para avaliar e melhorar o nível de inovação nas empresas portuguesas é outra das iniciativas previstas.
Também estabelecemos uma parceria com a Nova School of Business and Economics. Uma parceria que pretende ajudar a construir um futuro empresarial mais colaborativo e inovador através da construção de pontes entre as ideias inovadoras da academia e a realidade das empresas portuguesas. O objetivo é o desenvolvimento conjunto de projetos inovadores que contribuam para melhorar a eficiência e desempenho do mercado empresarial português.
No ano passado anunciaram uma parceria com a IBM e a Microsoft para potenciarem a componente de blockchain que a organização utiliza. De que maneira é que este tipo de tecnologia pode melhorar a experiência dos vossos parceiros?
Esta parceria firmada pela GS1 Global, a IBM e a Microsoft pretende implementar os Standards GS1 na tecnologia blockchain, para os clientes da cadeia de abastecimento, promovendo a utilização de uma linguagem global.
Melhorar o fluxo de produtos e contribuir para cadeias de abastecimento mais sustentáveis e transparentes são objetivos críticos para muitas organizações. Desta forma, cada vez mais organizações avaliam a implementação da tecnologia blockchain devido ao seu potencial para transformar os processos de negócios e partilhar dados, conferindo maior visibilidade e confiança. Para isso, os Standards GS1 têm vindo a ser referidos como a melhor prática do mercado para a identificação de produtos, locais e ativos, assim como para estruturar os dados sobre o movimento de mercadorias.
A nível internacional, esta parceria tem vindo a ser estudada e trabalhada no sentido de aproveitar as potencialidades da tecnologia blockchain. A nível nacional estamos igualmente a avaliar o desenvolvimento de projetos nesta área, em conjunto com parceiros locais.
Uma das prioridades da organização passa pela sustentabilidade. Que iniciativas é que a GS1 Portugal tem tomado neste âmbito?
Olhamos para a sustentabilidade como um fator determinante para a eficiência e competitividade das empresas. Nesse sentido, temos desenvolvido diversos serviços que as ajudam a melhorar a eficiência e a sustentabilidade dos seus negócios, com resultado na segurança e satisfação de parceiros e clientes.
Das iniciativas que temos vindo a desenvolver, permitam-me destacar:
Estudos dos níveis de serviço – projetos que pretendem medir os níveis de serviço em três setores distintos: Supply Chain de Grande Consumo (lançado em 2013), Saúde (lançado em 2015) e Comercial (2018). Ao recolher a avaliação que os intervenientes fazem dos seus parceiros de negócio, a GS1 Portugal pretende identificar os pontos fortes e as oportunidades de melhoria para fomentar a colaboração e melhorar a eficiência das cadeias de valor;
Grupos de Trabalho – são vários os grupos desenvolvidos para debater os desafios e oportunidades em diferentes setores de atividade. São exemplo o grupo de trabalho de Transportes & Logística o grupo de Trabalho de EDI (Electronic Data Interchange) o Healthcare User Group; entre outros.
Agente Registado para a atribuição de Códigos LEI – a identificação das entidades legais participantes em transações financeiras através de um código, único e permanente (Legal Entity Indentifier – LEI), passou a ser obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2018. Nesse sentido, a GS1 Portugal obteve em junho do presente ano o estatuto de Registration Agent para ajudar as empresas nacionais a obter os códigos LEI, acompanhando e simplificando os processos de atribuição.
Standards Globais – todas estas soluções sem nunca esquecer a génese da nossa atividade, o desenvolvimento e implementação de standards únicos, inequívocos e globais que simplificam os negócios ao proporcionar uma linguagem única entre todos os agentes das diferentes cadeias de valor. Códigos que vão além dos benefícios visíveis no ponto de venda, trazendo eficiência, por exemplo, na gestão de stocks e inventários, segurança e transparência, entre muitas outras vantagens.
Em relação ao setor de defesa, dizem já ter feito algumas reuniões com a Marinha Portuguesa. Que resultados saíram deste tipo de iniciativas? Como é a segurança pode ser melhorada através da tecnologia desenvolvida pela GS1?
O protocolo de cooperação assinado com a Marinha Portuguesa proporcionou a realização de um projeto-piloto de rastreabilidade no abastecimento de expediente (receção, armazenagem, aviamento e entrega). Contudo, acreditamos que os Standards GS1 têm ainda muito potencial para o setor da defesa, permitindo a identificação única de todo o armamento – da bala ao armamento pesado, com benefícios na transparência e visibilidade da cadeia de abastecimento, especificamente no controlo de inventários.
Quais são os planos a médio-longo prazo da organização?
A estratégia da GS1 Portugal incorpora as prioridades definidas internacionalmente pela GS1 Global e as necessidades do mercado nacional. Desta forma, em 2015, nasceu o nosso plano estratégico que estabelece a visão da GS1 Portugal: ser o parceiro de confiança das empresas. Para tal, foram definidas cinco linhas de ação estratégica para apoiar as empresas, com especial enfoque nas PME. A saber:
O alargamento da utilização do Sistema GS1 a mais setores, destacando-se o setor da Saúde pelo esforço que tem sido levado a cabo pela equipa GS1, assim como pelas atuais imposições legais em implementação – Diretiva Europeia dos Medicamentos Falsificados, já transportas para a legislação portuguesa. Outros setores como o Financeiro, a Defesa (Marinha) e o DIY (Do It Yourself) ganham também relevância nas prioridades estratégicas da GS1 Portugal.
A disponibilização de serviços de valor acrescentado, que simplifiquem os negócios e promovam a eficiência.
Promover a transferência de conhecimento pela partilha de conhecimento através dos canais de comunicação da GS1 Portugal e de outras ações que promovam a rede de contactos como, por exemplo, os nossos eventos.
Facilitar a unidade de ação, promovendo a colaboração entre parceiros de negócio.
Adaptar a nossa organização às exigências do mercado.
De forma a acompanhar a evolução dinâmica do mercado e os novos desafios das empresas, estamos já a redefinir este plano para o período 2019-22, que irá incorporar tendências como a escassez de recursos e as preocupações ambientais nas nossas decisões estratégicas. As linhas estratégicas adaptam-se igualmente à realidade dos mercados atuais, sendo assim: a competitividade, a sustentabilidade e a transformação digital.
Um plano que reflete duas das grandes tendências que, incontornavelmente, consideramos na nossa atividade: a digitalização da economia e o papel central do consumidor nos negócios.
No sentido de absorvermos as boas práticas internacionais, a GS1 Portugal está envolvida na definição de um road map global, para os próximos anos, com a certeza que o consumidor passa a ter um papel central nas redes de valor. De resto, o tema escolhido para o nosso último Congresso.
A nível local, estamos a desenvolver inúmeras iniciativas que pretendem acompanhar estas tendências de mercado, pensando cada vez mais numa ótica B2B2C.
Numa perspetiva de curto/médio prazo, não posso deixar de referir, também, dois importantes eventos. O Congresso da GS1 Portugal que passa, a partir deste ano, a ser anual, e, em 2020, a organização da Assembleia Geral da GS1 internacional, no nosso país. O maior evento da GS1 a nível internacional acontecerá nas primeiras semanas de junho e trará a Portugal CEOs e Membros dos órgãos Sociais da GS1 que representam incontornáveis referências empresariais.
Toda esta estratégia tem como visão tornar a GS1 Portugal num parceiro de confiança das empresas portuguesas, acrescentando valor aos negócios e facilitando a unidade de ação, para dar resposta ao denominador comum de toda a cadeia de valor: as Pessoas.